segunda-feira, janeiro 28, 2013

'Era o pinheiro mais alto aqui do bairro' - a palavra de 'Era uma Vez'


Há dois anos um golpe de vento derrubou uma árvore.
Uma grevílea.
Não quis que se serrasse o tronco, esperando que rebentasse.
Algum tempo depois, constatando-se que não nascia e, com muita pena,
assenti a que se serrasse o tronco lá em baixo (ainda se vê).

Para nossa surpresa e alegria, despontou uns meses depois.
Tem sido acarinhada como uma fénix.
Até o meu marido, no verão, vai com uma garrafa de água refrescá-la.

Fotografei-a ontem, uma resistente.




Era o pinheiro mais alto aqui do bairro
o único dos quatro iniciais
e o arquitecto a fazer o desenho
sem lhes tocar
e eu a gritar-lhe
nem um risco a mais

Altaneiro
parecia um farol sem faroleiro
atrevido deu em rachar o muro alto do vizinho
e o perigo era grande e espreitava e eu fazia de conta e assobiava
adiando o inadiável...

Era Janeiro e o meu pai partia
ele que o defendia e aconchegava
então pois tem de ser
marcou-se o dia
e o meu coração atormentado
inventava uma espécie de milagre
por acontecer

Ao cair da noite
olhei e demorei o olhar
mal sabes tu que será a última vez que anunciarás o nascer do sol
e o dia vinte de Janeiro a começar

Fugi antes do crime
embrulhada num casaco velho e quente
atravessei avenidas e ruelas
nos meus ouvidas as maquinas e as serras
e só voltei a custo ao fim da tarde

fiz o luto dos dois adoecendo
porque era uma postura única
desassombrada
um estava já velho e doente
o outro não, presente
e a vida roubou-me os dois
tão indiferente
como se não doesse nada

Quando os dias cresceram de novo
e aqueceram
e eu voltei ao meu pequeno mundo
reparei que o céu era maior e mais azul
e da varanda agora via a serra e o castelo como nunca vira
e que é verdade
que Deus fecha uma porta abrindo
sempre uma janela
pois é
e há um lugar dentro de nós
onde se guardam os pais, os amigos, os amores, os pinheiros
e os nossos queridos bichos
como de fosse a nossa arca de Noé

ainda hoje o lembro com culpa e com saudade
quando no lugar onde ele estava me deito e sonho
e olho o céu

e espreito o sol nascer como ele espreitava...


[Poema da Leitora 'Era uma Vez' a quem muito agradeço]

5 comentários:

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Espero que tudo esteja mais sereno e que se tenham encontrados soluções para minimizar os estragos nas suas árvores do seu cantinho. Já é bastante tarde, mas ainda quero deixar aqui uma palavra de apreço a este belo poema da sua Leitora "Era uma vez". A natureza é a mãe de todos nós, por isso a veneramos com tanta intencidade!...
Um beijinho e até logo, pois o dia já nasceu há muito.
maria eduardo

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Queria dizer...por isso a veneramos com tanta intensidade!...os olhos já estavam baralhados e os dedos trocados, dado o adiantado de hora. Não gosto de atraiçoar a nossa Língua, basta o acordo ortográfico.
Peço-lhe que releve esta gafe.
Um beijinho
maria eduardo

ERA UMA VEZ disse...

Estive a olhar para o calendário. Estranha coincidência: o temporal também foi a 20 de Janeiro ou não?

Nesta mesma data "caiu" Elis Regina e um ano depois um colega, ali mesmo à minha frente,dentro do banco.

Permita-me mandar um grande abraço à Maria Eduardo que como nós, ama e respeita esta nossa língua, o melhor do que ainda nos resta

Bem, hoje está um lindo dia de sol!!!

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Eduardo!

É noctívaga como eu. Ontem, quando me ia deitar, já com os olhos meio fechados e quase a ter que ir de gatas para o quarto ainda li e publiquei o seu outro comentário. Mas já não consegui responder. Não leve a mal pois quando não respondo é porque não consigo mesmo. Ando numa fase de imenso trabalho e reuniões de um lado para o outro e chego a casa sempre muito tarde (uns dias é a fisioterapia, outros é a ida a casa dos meus filhos) e, por isso, como tenho que me levantar cedo, chego a um ponto em que já me custa manter-me acordada.

Quanto à troca do s pelo c o que lhe digo é que ainda deu por ela. Agora eu, que escrevo tanto que nem tenho paciência para reler o que escrevi, faço ideia a troca de letras que por aí deve ir... Só espero é que, quando isso acontecer, não tenham acanhamento em chamar-me a atenção. acho que não sou de dar erros mas sei lá... No outro dia, no Ginjal, escrevi vêem quando queria escrever vêm. Felizmente um leitor avisou-me.

Quanto ao poema da Era uma Vez é sempre um privilégio poder divulgar os poemas desta Poetisa fantástica (já que ela é preguiçosa e não há meio de publicar um livro...)

Um beijinho e boa noite (caso ainda leia isto esta noite).

Um Jeito Manso disse...

Olá Erinha,

Pois foi. 20 de janeiro, um dia com o qual temos que ter cuidado, um dia traiçoeiro que ceifa a vida aos mais frágeis.

PS: Na resposta à Maria Eduardo não resisti a 'uma boca' relativamente ao seu livro, que nunca mais é dado à estampa. Acho que, quando sair, não é um mas uma data deles. Eu, aqui e no Ginjal, já cá tenho muitos dos seus maravilhosos poemas. Um dia, quando a Erinha for muito conhecida, alguém vai ocupar-se de reunir os poemas que tão generosamente vai deixando por aí. É caso para dizer que, com a Erinha, a poesia anda na rua.

Um beijinho!