Meus amigos, ainda antes de começar já me vou desculpar. A noite passada fiquei-me pelas 4 horas de sono pois tive que sair de casa cedíssimo para ir para norte, para um dia inteiro de reuniões. Cheguei a casa tardíssimo, cansada, com fome, com sono. Já cumpri com a minha empreitada no Ginjal e, lá e aqui, já li os comentários, já respondi e agora vou começar aqui no UJM mas estou mesmo perdida de sono, quero ver se esta noite consigo dormir um pouco mais. Por isso, hoje vai ser uma coisa mais ligeira (pelo menos é essa a minha intenção... oxalá consiga cumprir).
Música por favor
Paris was a woman
brevíssimo excerto de documentário sobre Gertrude Stein
Gertrude Stein passeia o seu cão na companhia de Alice B. Toklas, sua companheira durante vinte e cinco anos |
Gertrude Stein (1874 - 1946 ) nasceu nos Estados Unidos mas viria a radicar-se em Paris onde viveu grande parte da sua vida e onde acabou os seus dias.
Conviveu com escritores, pintores. O meio intelectual e artístico seduzia-a, alimentava-a. Era uma mulher muito à frente do seu tempo. Dos ilustres com quem mais privou contam-se Braque, Matisse, Paul Eluard, Apollinaire e, claro, o que mais a impressionou, Picasso.
Há um pequeno livro, Picasso, escrito por ela em 1938, que nos dá conta dessa afeição e devoção.
Gertrude Stein pintada por Pablo Picasso |
Não vou transcrever todo o livrinho, claro, mas vou transcrever algumas partes (e lembrei-me disto ao ler um comentário ao meu texto de ontem, escrito por um leitor a quem, desde já, agradeço por me ter dado este pretexto):
Picasso - Meninas a ler |
"Em 1933 Picasso pára uma vez mais de pintar, mas continua a desenhar, e durante o Verão de 1933 faz os seus únicos desenhos surrealistas. No entanto o surrealismo não era coisa que o pudesse ajudar, que lhe facultasse uma nova forma de expressão; podia reconfortá-lo, mas não em profundidade.
Os surrealistas continuam a ver as coisas como toda a gente as vê, complicam-nas de uma maneira muito pessoal, mas a visão é comum.
Picasso - A leitura |
Resumindo, a complicação é do século XX e a visão do século XIX. Só Picasso vê outra realidade. De facto, complicar é sempre fácil, mas uma visão diferente da dos outros, uma visão original, é coisa rara.
É por isso que os génios são raros.
Picasso - Mulher com um livro (Mulheres que lêem são uma presença assídua na obra de Pablo Picasso) |
Complicar as coisas de uma maneira nova não oferece dificuldade, mas ver essas coisas com um olhar novo é realmente difícil. Porque tudo nos impede de o fazer: os hábitos, as escolas, as influências, as necessidades da vida, a preguiça, a própria razão.
(...)
Hoje os quadros de Picasso voltaram para a minha casa, depois da exposição no Petit Palais. Estão outra vez nas minhas paredes. Não posso dizer que me esqueci do seu esplendor durante a sua ausência, mas parecem-me ainda mais esplêndidos.
(...)
Picasso |
A terra, vista de avião, é uma terra diferente da que se vê de um automóvel. (...) A terra vista de avião tem outro aspecto. Por isso também aqui o século XX não se parece com o século XIX e é muito interessante pensar que Picasso, que nunca viu a terra de avião, tenha sentido por instinto que a terra do século XX já não era a do século XIX. Criou uma coisa que toda a gente pode doravante ver, comprovar.
Picasso - Factory at Horta de Ebro |
Quando estava na América, aconteceu-me fazer, pela primeira vez, sucessivas viagens de avião. E via lá em baixo, na terra, as linhas entretecidas de Picasso, que iam, vinham, se desenrolavam e se destruíam; vi as soluções simplificadas de Braque, a linha errante de Masson. Sim, vi tudo isso e uma vez mais compreendi que um criador é sempre um contemporâneo.
(...)
Picasso é deste século, tem as qualidades estranhas de um mundo nunca visto até então e das coisas destruídas como nunca até então.
Assim Picasso tem o seu esplendor. "
Mais um excerto do referido documentário sobre Gertrude Stein e Alice B. Toklas
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Hoje no meu blogue Ginjal e Lisboa temos umas palavras minhas sobre o meu romance o Pirata de Sophia de Mello Breyner ao som de Jeux d'Eau de Ravel. Passem por lá para sentirem a maresia nos vossos rostos.
E tenham, meus Caros, uma bela terça feira!
(e, com isto, já passa da 1 e meia da manhã, que maçada, já vou dormir pouco outra vez)
12 comentários:
Jeitinho amiga:
Quando vi "Meia noite em Paris", a figura de Gertrude Stein, impressionou-me.
Sabia dela, que tinha tido grande influência, sobre homens pouco habituados a terem em conta, a opinião de uma mulher. Sabia, que todos os livros de Hemingway eram lidos por ela, antes de publicados, que Picasso a respeitava, que James Joyce e muitos poetas, pintores e escritores, se dirigiam a ela e acatavam a sua opinião. Que espécie de mulher era esta? Inteligente, superiormente inteligente, dominadora, influente. Não era bela, suponho que nenhum foi seu amante, mas todos lhe foram fiéis e ela retribuía. A casa dela, era a casa de todos eles.
Terá sido feliz? Viver, viveu em pleno. Não dominou só homens, dominou Paris.
Vou aprofundar o estudo sobre ela.
Faz parte da galeria das grandes mulheres, num tempo em que as mulheres não se atreviam sequer, a ser medianamente inteligentes.
Gostou do filme? Eu adorei. Acho que não foi só, o candidato a escritor, que sonhou aquelas viagens nocturnas. Eu fui à boleia.
Um dia destes, voltarei a vê-lo.
Beijinho
Maria
Gostei deste momento sobre Picasso. E pela mão de Gertrud Stein ainda mais interessante. O meu “problema” é “conviver”, ou “aceitar” certas “geometrias” e “linhas rectas”. É um universo que o meu pobre cérebro tem dificuldade em aceitar, em digerir. Mas como mantenho algum controlo no meu racional, consigo perceber quando estou perante uma obra de arte e um grande artista. Como Picasso. Dentro do período do “Modernismo Clássico”, a que Picasso pertence, tenho tendencia a preferir imagens, ou formas, mais esbatidas, digamos. É curioso como aquele período tenha englobado tantas “correntes”, ou estilos, alguns bem diversos, como o Cubismo, o Fauvismo, o Futurismo, o Surrealismo, o movimento Dádá, o Expressionismo, etc. Fico mais tranquilo a olhar para Albert Marquet, André Derain, Maurice Urillo, Emil Nolde, Enst Kirchner, Oskar Kokoschka, Carlos Carrà, do que Picasso, Miró, Dali, Paul Klee, Chagal, Braque e Kandinsky (geralmente reconhecido como o fundador da arte abstracta). São todos excepcionais, ou foram-no, como artistas. E Picasso é um gigante. Mas para melhor me fazer compreender, há determinados estilos, ou correntes, que como disse me custam a entender, interpretar. Mas tal não me impede de lhes reconhecer as suas excepcionais qualidades. Por exemplo, choca-me a pintura de Paula Rego, martiriza a mulher, são feias, lamentáveis figuras, mas há ali um significado, uma razão para as pintar daquela foram (a sua virgem é inacreditável), e há ali a mão de uma grande artista. E gosto da sua personalidade.
Tenho uma particular predilecção pelo Impressionismo (sobretudo) em geral, pelos Pre-Rafaelistas e pelo Romantismo, Realismo e o Barroco. Mas igualmente por tudo o que constitui, hoje, a Pintura Contemporânea, mais ou menos abstracta. O meu problema são as formas. Mas enfim, ninguém é perfeito. Proponho, a terminar, um bom branco, fresco (Douro? Alentejo?), sentada a olhar o Tejo, a ouvir Erik Satie, um compositor associado ao movimento Surrealista, mas em vez de um Max Ernest (outro Surrealista), a imaginar Picasso a pintar a sua Guernica.
E bom, tenho de ir trabalhar!
Até breve! Continue, pois o seu Blogue é inspirador!
Cordialidade,
P.Rufino
PS: às vezes penso que aquela época, início do Sec. XX até antes do eclodir da II Guerra Mundial, deve ter sido um período interessantíssimo. Muito mais do que os tempos de hoje!
Gostei muito do post, gostei das pinturas, muito.
Também vi meia-noite em Paris e achei o ambiente um encanto, nomeadamente o que recreava a casa de Gertrude Stein.
Privar com artistas, escritores... deve ser muito interessante.
Obrigada por ter visitado o meu blogue.
Um abraço
Cara UJM, continua a deliciar-nos com as suas divagações globais, desde as fotos deliciosas, às músicas divinais e cirurgicamente escolhidas.
Adoro Vivaldi, como quase toda a música clássica (tive educação classicista, de índole beneditina, com bastante gregoriano à mistura), mas também admiro Picasso, Miró, Dali e muitos outros mais clássicos, que bem conhece.
E Sofia, perguntará?! Leio e releio, sem que os olhos me doam e a mente se canse. Tal como a UJM, sinto que sou uma pessoa sensível àquilo que nos rodeia. Daí, permita-me transcrever-lhe outro poema de Sofia:
"As pessoas sensíveis"
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."
Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Livro sexto).
Continuo a ficar-lhe grato pela oferta livre da sua escrita que muito me agrada e na qual continuo a "divagar devagar" (este o título do meu primeiro blogue, paradíssimo.)
Cara UJM:
Completamente transportados para o “siècle “ eis-nos conhecedores e admiradores de Picasso e íntimos de Gertrude Stein tal como em “Meia-noite em Paris” de Woody Allen que tem, em minha opinião, uma belíssima banda sonora.
Bonito o seu novo visual e a renovada roupagem que o Equinócio impõe.
Então que se festeje:
Glória
Depois do inverno, morte figurada,
A primavera uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores
Miguel Torga, in Diário XIV, Coimbra
um abraço da
Leanor
Mary em Paris,
Gertrude Stein era uma mulher de fibra, de força, de cultura, uma mulher independente, livre.
Alimentava-se de cultura e da inteligência de que se rodeava.
Apesar de alguma ambiguidade, presumo que não foi amante de nenhum dos homens. creio que era homossexual, não bi.
Paris naquela altura devia fervilhar de boémia, controvérsia, criatividade. O filme de Woody Allen retrata bem esse ambiente, é um prazer. Woody Allen afável e europeu, um gosto.
Um beijinho, Mary em Paris.
Caro P. Rufino,
Satie e um branco à beira rio, conversando sobre arte, parece-me quase bem. Contudo, como não aguento muito, teria que ter alguns sólidos, senão dava-me uma pancada... À refeição vai tudo bem, 'a solo' não dá. Mas talvez pudéssemos ter uns quaisquer 'amuse-bouche' para acompanhar. E prefiro o Alentejo, é mais macio, mais frutado.
O ideal é que a tertúlia, formada por si, pelos restantes leitores do UJM (e por mim, já agora) estivesse no meio de 'diseurs' que fossem lendo poemas (escolhidos por mim). Imagino muitas vezes uma coisa assim, um concerto, poemas, bailados à beira rio.
Não comento o que refere sobre pintura senão perco-me e não começo a escrever o meu texto do dia (que ainda não tenho ideia do que vai ser) mas tenho que abrir uma excepção para Paula Rego. Eu acho que geralmente as pessoas não reparam que não há ali propriamente sofrimento mas a vida, tal como ela é. E há muito divertimento, eu acho que em muitos deles ela se diverte à grande.
Um dia tenho que voltar à Paula Rego porque gostaria que a vissem com olhos diferentes.
E, uma vez mais, pela simpatia das suas palavras. (Dão-me sempre vontade de ir para o blogue escrever o contraditório)
Jeitinho amiga,
Hesitei para onde lhe escrever, receando destoar neste bonito espaço fugindo do tema. Mas tive hoje boas novas e quero partilhá-las consigo. Aproveito para, mais uma vez lhe agradecer a força e as bonitas palavras.
O veneno tão terrivelmente temido, vai resumir-se a um comprimido diário, cujos efeitos secundarios são certamente menores que os outros tratamentos.
Estou pois muito feliz.
Desejo-lhe uma boa noite bem reparadora.
Isabel das palavras e das fotos por aí,
Eu acho que paris nessa altura deveria ser um bulício, uma alegria, uma descoberta.
Mas também acho que nos tempos actuais nos tornámos muito nostálgicos, pouco dados à aventura. O que nos impede de viver como se viveu nesses tempos de luz? Não é?
Um abraço (cheio de vontade de trazer a Paris desse época para os tempos presentes)
Caro DBO,
Fiquei contente de receber a sua visita, é sempre muito bem aparecido.
E hoje, dia de sorte para mim, apareceu aqui na tertúlia com vontade de dizer um poema e logo um poema de Sophia cuja presença me acompanha.
Gostei e os meus leitores, companheiros de tertúlia, também vão gostar.
Divagar devagar, ouvir Sophia, escutar uma música, trocar dois dedos de conversa, falar de pintura, deixarmo-nos ficar em paz - coisas boas desta vida, não é?
Apareça sempre. E obrigada pelas suas palavras tão simpáticas!
Leanor, formosa, segura e primaveril,
É o que eu digo, feliz, radiante: temos aqui uma bela tertúlia.
Era bom que estivéssemos à beira rio, música, sorrisos, cada um a dizer o seu poema, Sophia, Miguel Torga, o que for, e um alentejano branco (vinho, claro) - mas, não sendo assim, que seja aqui, todos na boa, tudo gente boa onda, bem disposta, coração ao largo, peito aberto.
Obrigada, Leanor e que a primavera nos traga alegrias e muitas flores!
Pôr do Sol, viva!
Que boas notícias! Hoje foi dia feliz aqui no UJM. Uns trouxeram palavras bonitas sobre paris, sobre pessoas fantásticas, outros trouxeram vinho branco, outros trouxeram poemas, todos trouxeram simpatia e sorrisos.
Mas o melhor trouxe a minha amiga Pôr do Sol.
Que bom, vai ser fácil, vai ficar tudo bem, que bom, um comprimido não custa nada e não haverá de custar nada.
Trouxe a Primavera consigo com essa boa notícia!
E um dia destes isso fica também para trás e tudo vai ficar bom!
Muito obrigada pelas notícias, estou a escrever isto a sorrir, toda contente.
Um beijinho e um abraço de amizade!
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