sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Um chá com a minha amiga e ... uma surpresa...! (e La Dispute e Alexandre O'Neill e Mariza, tudo para vos dar uma ideia do ambiente)


Música, por favor
La dispute de Yann Tiersen (do filme Amélie)


Coisas do além, é o que é.

Hoje de manhã nem telefonemas, nem mails, nada, silêncio. 

Mas, à hora de almoço, liga-me a minha amiga e, para minha surpresa, muito calma e bem disposta.

Quando eu já me preparava para lhe dizer que isto é uma ficção sem qualquer aderência à realidade, eis que me conta com toda a naturalidade que o marido lhe ligou todo enervado, pedindo-lhe para ler o que eu tenho vindo a escrever. E continuou relatando que assim tinha feito, que até tinha achado muita graça, que estava fiel à realidade, que tinha gostado de ler a forma como eu os descrevia. Apenas tinha ficado um bocado incomodada com a cena da empregada mas que, até nisso, estava um retrato correcto, que a dita cuja já se tinha, efectivamente, despedido e que estava um bocado farta de aturar empregadas, que se armam em donas da casa, que agora ia antes contratar uma empresa que lá iria apenas umas horitas por dia, que chegava e sobrava. 

Quanto ao resto gostava de conversar com mais calma e que, se eu pudesse, podíamos encontrar-nos ao fim da tarde numa casa de chá ali para os lados dela, perto mar. Muito bem, disse, 'desde que não dê para tarde' e ela que também não queria ir muito tarde para casa, que tinha ficado de falar via skype com os miúdos que estão fora. 

Portanto, avisei que ia chegar mais tarde a casa e lá fui e, tenho que confessar, ia não tanto admirada como um bocado inquieta pois ela poderia aborrecer-se a sério com a história, embora nada no que eu tenho escrito aponte para ninguém em concreto. CEOs, caviar gauches e donas de casa doces e conservadoras é o que mais há por aí.

Não conhecia o sítio mas, com a morada posta no gps do carro, lá fui dar. Era uma espécie de cabana de madeira, engraçada e, lá dentro, um ambiente caseiro, lareira acesa, bom gosto, cortinas, flores, um ambiente quase rústico, um toque de decoração britânica. Acolhedor, mesmo.


Ao abrir a porta e olhar em volta a ver, fiquei encantada com o ambiente. Algumas pessoas, casais maioritariamente mas também, perto de uma espécie de varanda, uma mesa animada com um grupo de amigas que conversavam como se estivessem em casa. 

Eu procurava-a a ela mas, naquele relance, não tinha visto nenhuma mulher sozinha; de repente, quase me caíu o coração aos pés. Num recanto, numa mesa com um bule, chávenas, bolachinhas e uma vela ao meio, quem é que eu vejo? Ela e o dito amigo gauche. Ambos sorrindo na minha direcção e eu quase sem conseguir dar passo. Ele, cortês, pôs-se logo de pé, ela apresentou-mo, sorrindo, como se fosse a coisa mais natural do mundo, ele simpatiquíssimo, um charme, uma voz que não vos digo nada, um olhar e um sorriso como não se imagina, e ela toda encantada ao ver o efeito produzido.


Uma coisa é certa: tal como eu, ela gosta de homens bonitos.

A mim não me ocorria nada, estava – como se costuma dizer – apardalada. Mas ela nasceu para fazer conversa social e sorrindo como se fossemos os três amigos de longa data, desatou a palrar que ‘já sabia... mas que ao ler o teu blogue vi mesmo que tens o coração à esquerda' e eu que sim e ela acrescentando, com naturalidade, 'achei que ias gostar de conhecê-lo’ e olhava, orgulhosa, para ele. 

E então contou que o tinha conhecido numa sessão de poesia, que tinham falado, se tinham ‘amigado’ no facebook, que desde então às vezes vão juntos a essas sessões ou concertos de fim de tarde, que ele adora poesia ‘é como tu’, e sorria, o rosto de lado, feminina e inocente, parecia bem mais nova, luminosa, cara lavada, simples.


E ele sorria que sim, que gostava de poesia e que ‘ela contou-me que também gosta e eu já vi que sim, podíamos combinar e vinha também connosco, numa próxima vez’ e eu, banzada, pensava ‘mas o que é isto, senhores…?’

Com um jeito naturalmente sedutor, cabeça inclinada levemente, contou-me que, um bocado à pressa, tinha espreitado o Um Jeito Manso e também o Ginjal e Lisboa e que tinha que lá voltar com calma, que tinha achado graça ao verso que eu tinha colocado como subtítulo e eu, sinceramente, estava tão aparvalhada que nem percebi a que é que ele se estava a referir.

E então, enquanto eu pensava, raciocínio embotado, ouço-o numa voz grave e quente, baixo, começar a dizer o poema do O’Neill,


Luís Gaspar lê o poema 'Há palavras que nos beijam'

e ela pegava numas partes e dizia ela e ele continuava, e olhavam um para o outro em absoluta sintonia e eu passada, nem queria acreditar, sabiam os dois o poema de cor, disseram-no de uma forma tocante.

No fim, só me ocorreu: ‘mas sabem o poema de cor…’ e eles riram. 'Sabemos este e muitos outros, às vezes dá-nos para isto', responderam-me a rir.

E, enquanto tentava refazer-me, pensei cá para mim:  'de facto, um homem que sabe dizer poesia é outra coisa...'.

Bebi chá, beberam chá, comi bolachas para disfarçar a falta de assunto.

Virei-me, então, quase a medo para ela: ‘não te sabia tão amante de poesia…’. Ela riu ‘há tantas coisas que não sabes’, irónica, marota.

Eu puxava pela cabeça para ver se me ocorria alguma coisa esperta para dizer mas apenas me ocorreu isto: 'Conhecem a versão da Marisa?'. Desataram-se a rir. 'Uma private joke, é isso?', e eu já atrapalhada, provavelmente tinha dito algum disparate. Mas não, eles já esclareciam e um começava a frase e o outra acabava-a: 'Não, é que a fomos ver juntos e não era suposto...' e riam-se e eu olhava para um e para outro e nem sabia o que dizer. 'Ah...', foi o único som que consegui produzir.

Ainda me ocorreu perguntar-lhe se o marido também tinha ido mas achei melhor não, ia estragar o climinha.

Depois, a sentir-me estupidamente insegura, ainda pensei puxar o assunto da política, falar do Álvaro, fazer alguma piada com os pastéis de nata, referir o trágico valor da recessão hoje anunciado, enfim, qualquer coisa de inteligente mas nada, nada me parecia oportuno, tudo me parecia deslocado. Sentia-me a mais no meio daqueles dois. Felizmente, passado um bocado, tocou-me o telemóvel, não atendi mas, olhando para o mostrador como se fosse uma chamada premente, disse-lhes que tinha que me ir embora.

Sorriram, educados, 'Já? ainda mal conversámos...' mas eu levantei-me, ele levantou-se imediatamente, beijinho, beijinho e que bem que ele cheirava, senhores.

E ainda não estou em mim. Mas o que foi aquilo que presenciei? Alguém me diz?

????????

Bom, para não acabarmos assim, neste intangível e imenso ponto de interrogação, deixo-vos com a Marisa.



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(Relembro que, se quiserem ler esta história do início, podem ir aos separador que diz Folhetim aí do lado direito, lá mais para baixo.

E se quiserem ler o poema Sem que soubesses |de A musa irregular| do Assis Pacheco e umas palavritas minhas a propos, podem dar uma saltada ali ao meu Ginjal e Lisboa)

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E tenham, meus Caros, uma bela sexta feira! Divirtam-se, aproveitem as coisas boas desta vida.

4 comentários:

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Afinal havia era outro! Platónico? Só para dizer poesia a duo?
Isto está a ficar intrincado. Mas eu adoro mistérios e estas intrigas amorosas.
Será que "'Há palavras que nos beijam como se tivessem boca' [... outras nem por isso]", são só, o que existe entre os dois.
Descubra depressa.
Beijinhos
Maria

Anónimo disse...

Cara "um jeito manso" não imagina como a sua novela me deixa curiosa e ávida para saber o resto da história. E cá venho todos os dias ler mais um pouco para saber como irão, a sua amiga e o seu belo "diseur", contar ao marido o gosto em comum - poesia... é o que eu chamaria uma verdadeira motivação à leitura tal como fizeram Ramalho e Eça em "o mistério da estrada de Sintra".

Um Jeito Manso disse...

Maria, minha amiga,

Nada nesta vida é o que parece, basta a gente cavar um bocadinho abaixo da superfície. Quando nos movemos em meios em que se lida com muita gente, sabemos de histórias absolutamente improváveis...!

Tenho a impressão que, se um dia me ponho a escrever a sério, com tempo (coisa que agora me falta e de que maneira), tenho enredo para dezenas de histórias.

Obrigada, querida amiga, pelo seu incentivo.

Um beijinho.

Um Jeito Manso disse...

Caríssima e simpatiquíssima Anónima,

Não sabe como fico contente quando recebo um eco de uma voz anónima que lê o que escrevo. As suas palavras são tão gentis e incentivam-me imenso.

É quase 1 da manhã, só agora consigo pegar no computador, mas é um prazer para mim escrever e um prazer ainda maior saber que há quem pessoas - que não faço ideia quem sejam - que gostam.

Muito obrigada, pois, pelas suas visitas e pelas suas palavras.