quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Gap analysis: ser a mulher ou o homem que se gostaria de ser; fazer com que o companheiro(a) se aproxime do que desejaríamos; usar as palavras como gostaríamos; viver na casa onde nos sentiríamos melhor. E Madeleine Peyroux com Dance me to the end of love

 
.. Sobre as palavras ..


Palavras descendo do cérebro, estudadas, pausadas. Ou pousadas nas mãos, hesitantes. Palavras arrumadas dentro de gramáticas e acordos, palavras submissas, bem comportadas, medianas, correctas, muito lavadinhas dentro de caixinhas perfumadas onde se arrumam as boas intenções, as boas acções, as boas orações, palavras pensadas, moderadas, comedidas.


Palavras irreverentes, truculentas, saltitonas, esbracejantes, com vísceras, sexuadas, exaltadas, adormecidas, de punho erguido, de bandeira na mão, palavras com olhar, palavras com bocas molhadas, palavras excessivas, palavras irreflectidas, apaixonadas. Palavras loucas, palavras tensas, palavras com luar, palavras com luz.


.. Sobre as mulheres ..

Princesa Ira von Furstenberg por Richard Avedon
Aqui não por ela, mulher de vida assaz interessante, mas pela imagem em si,
mulher etérea e sonhadora

Mulheres discretas, tímidas, inseguras, mulheres virgens. Mulheres tristes, nervosas, exasperadas, descrentes, sempre de calças ou com vestidinhos de meia idade, com cuecas da avó, sempre vítimas, sempre incompreendidas, sem caminhos, metidas em becos, sem pinturas, naturais, ecológicas, sóbrias intelectuais, mulheres que acolhem um ardente vulcão que ignoram, só cuidando das cinzas. Mulheres que choram em silêncio. Mulheres que têm medo de mudar a cor do cabelo, de corte do penteado, que têm medo de ousar, que têm medo da opinião dos outros. Mulheres que têm medo de dar opiniões, que têm medo de dizer que não, que têm medo de dizer que sim.


Catherine Deneuve por Helmut Newton

Mulheres descontraídas, provocantes, sedutoras, irrequietas, doidas, crianças, carnais. Mulheres que gritam, que choram alto, mulheres que se afogam em lágrimas e logo a seguir sacodem o cabelo e saem felizes, para conquistar a rua. Mulheres vistosas, alegres, descendo perfumadas as ruas, conversando do alto dos seus saltos de agulha. Saias rodadas que esvoaçam quando a aragem está de feição. Decotes rentes em blusas transparentes, decotes profundos em vestidos opacos. Mulheres, tais como Michelle Obama, que gostam de usar lingerie ousada (nota: a Casa Branca desmentiu a notícia, admitindo-se que os gastos loucos de que se fala possa ser manobra publicitária da marca Agent Provocateur). Sorrisos subtis, risos descarados. Mulheres que lêem, que escrevem, que se expõem, que vão à luta.


.. Sobre os homens ..

António José Seguro - apenas a título de exemplo, talvez injusto.
Poderia ser outro mas a preguiça deu-me para o escolher a ele... Sorry Tozé.

Homens discretos, cinzentos, sorrisos apagados, que só gostam de falar de futebol, maçadores, homens que sabem tudo e falam com ar blasé, superiores, cansados, ou burocratas convictos, ou com roupa mais monocórdica que a própria voz, homens sem rosto que se recorde, sem galanteios, sem palavras irregulares, homens descrentes da vida, que teriam sempre feito melhor mas algum fantasma os impediu, ou homens que só descobrem as portas depois de baterem nelas com a cabeça, homens vulgares, que não deixam rasto, que não gostam de falar, que não gostam de rir, que não gostam de se ajoelhar aos pés de uma mulher, homens mesquinhos, reverentes, homens que pensam em tudo antes de fazerem qualquer coisa e que, mesmo assim, não fazem nada de jeito, homens que sabem tudo, percebem tudo, criticam tudo mas que nunca aparecem com uma deia nova, homens palermas, arrumadinhos, que não deixam uma marca.

Clive Owen - mas, felizmente, podia ser qualquer um de muitos

Homens livres, homens de passada larga, de sorrisos abertos, de olhar malandro, homens que têm dúvidas, que pedem ajuda, que gostam de palavras, que arriscam, que se enganam, que recomeçam, que se levantam, que olham para cima, que gostam de rir e fazer rir, que não sabem o nome de todos os livros, muito menos o nome de todos os autores, que não fazem citações à toa, que não agridem, que têm ombros acolhedores, que têm mãos generosas, que apetece despir para ver o interior da roupa e o que se esconde por debaixo dela, homens simples, homens de vistas largas, homens desformatados,  capazes de dar um murro na mesa, capaz de saírem porta fora, capazes de estender a mão, de dar um abraço, homens que olham de frente, que dão o peito as balas, homens livres.

.. Sobre as casas ..

Fotografia retirada da net, fonte desconhecida

Casas escuras, de portas escuras, de carpetes escuras, de quadros pequenos e convencionais no alto da parede, de molduras desengraçadas e clássicas muito arrumadinhas, casas sem espelhos, sem almofadas, casas com móveis altos, escuros, com bibelots caros, porcelanas sem história, bibelots muito centrados ou cadeirões à três quartos, dispostos com muita precisão, ou cortininhas muito lindas, ou colchas muito clássicas, muito esticadinhas, casas sem vida, sem uma partícula de pó, sem uma coisa fora do sítio, casas mal arejadas, casas descoloridas, frias, inertes, casas caladas, obedientes, funcionais, serviçais. Casas com estantes escuras com os livros muito arrumadinhos, de seguidinha, muito direitinhos. Casas sempre prontas para receber visitas. Casas chatas, tristes.


Até tenho vergonha de confessar...

Casas de portas brancas, janelas largas, luz a entrar à vontade, tapetes coloridos, lãs, sofás coloridos, almofadas às cores e aos montes, cortinados inesperados, coloridos, bibelots imprevistos, coisas com história, coisas desarrumadas, casas cheirosas, com cheiro a oceano, a ‘under a fig tree’, a musgo, casas com quadros grandes, coloridos, disparatados, casas com bonecas às cores rodando no ar, casas com livros por todo o lado, nas estantes e fora delas, casas com espelhos que reflectem a luz, que reflectem o céu, casas com molduras de toda a espécie e feitio, com música, com echarpes onde menos se espera, com muitos sapatos altos, com objectos que acompanham gerações, com caixinhas de música, ampulhetas, perfumes, frascos de perfumes, casas com vida, casas felizes e livres.


Jogo

Claro que o que escrevi são, digamos assim, características de situações em pólos opostos, algumas, de certa forma, fantasiadas ou extremadas. Na realidade nada é tão preto ou tão branco. Outras características haverá que não mencionei. Complete-as o meu Caro Leitor. A seguir, faça agora o meu Caro Leitor o seguinte: abra um documento (em word, ou excel, ou mesmo em power-point) e para cada coisa ('as minhas palavras', 'a minha casa', 'eu', 'o meu caro ou a minha cara metade') vá copiando e colando numa coluna aquilo que acha que se lhe aplica (o chamado as is) e ao lado, noutra coluna, aquilo que gostava que se lhe aplicasse (o to be).

Da confrontação desse ‘apanhado’ resulta a evidência das diferenças e é a isso que chamamos, nas empresas (quando fazemos isto para coisas mais maçadoras), o gap analysis.  Ficará assim identificado o conjunto de alterações a que deverá proceder para ser aquilo que gostaria de ser ou para viver no ambiente em que gostaria de viver.

No caso de ser homem pode usar o parágrafo dos homens para identificar o percurso transformacional que deverá empreender para si próprio. Mas pode fazê-lo também para o tema das mulheres, pensando na sua ‘companheira’ para lhe mostrar as diferenças entre a forma como a vê e como gostaria que ela fosse.  Idem, obviamente, no caso de ser mulher.

Com as diferenças que encontrar em relação à sua casa pode depois empreender um programa de alterações do tipo ‘querido mudei a casa’ e fazer aquela reforma que há tanto tempo lhe apetece.



Mãos à obra. É tempo de mudar. 

A vida é curta, use-a ao máximo. O tempo foge, use-o da melhor maneira possível.



(Para uma pessoa muito especial para mim - que não dança... mas a quem eu desculpo tudo, ou melhor, quase tudo)


E tenham um bom dia! Que seja o primeiro dia de uma nova, longa e muito feliz vida!


16 comentários:

packard disse...

Na "gap analysis", a (sempre) fantasia da Catherine Deneuve.

A Matéria dos Livros disse...

Adorei a análise e os bons conselhos. Vou já proceder à "gap analysis", estou mesmo a precisar de uma mudança.

A boneca e os livros, a mais linda paisagem!

Boa quarta-feira!

Traçados sobre nós disse...

Cara UJM:

Se achar disparatado, não publique, por favor, nem este nem o comentário seguinte.

J. Rodrigues Dias

Traçados sobre nós disse...

Cara Um Jeito Manso:

Olhei as suas palavras todas, também as do “Ginjal e Lisboa”, misturei-as, sondei-as e, rápidas, sem se reverem ao espelho, escreveram elas próprias o que agora aqui copio. Perdoe-me pelo atrevimento delas, mas foi sua a ideia do jogo…


João

João é nome de filho, de companheiro, de irmão,
Amante, nome de futuro aqui ao pé de mim…
João é passado dentro de mim ancorado,
Amado,
Em mim florido,
De mim em dois nascido,
Em outras searas em trindade renascido,
Perdoado sempre
(Não, quase sempre…)
No balouçar caminhado da vida
Em viagem longa de veleiro sobre o rio,
Às vezes sobre o próprio mar
Quando maiores são os horizontes
E dois, atentos,
Mas como um só,
Têm que ser os timoneiros,
Ouvindo os sons do campo na madrugada…

João é nome de filho, de companheiro, de irmão,
Amante, nome de futuro dentro de mim…

José Rodrigues Dias, 2012-02-01

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Quanto a palavras: saem-me mais do coração que do cérebro. Gosto de palavras simples, que todos entendem.
Correctas, sem preocupação de acordos. Algumas vezes irreverentes mas, que não firam demasiado. Não me escandalizo com palavras fortes, embora às vezes, as ache desnecessárias.
Mulheres: As que sabem o que valem e não se envergonham disso. As que não se envergonhem de se mostrarem como são. Sinceras, fortes, capazes de mudar o que está mal.
Homens: Gosto de homens, homens, que não sejam machistas nem demasiado brando, que saibam ser sensíveis sem vergonha de chorar, cultos sem serem demasiado bem falantes ou convencidos, que gostem do que fazem e não passem a vida a lamentar-se, que andem arranjados e cheirosos, sem exageros.
Casa: A minha. Muitos livros por todo o lado, limpa, mais ou menos arrumada, alguns velhos móveis de família, algumas loiças e quadros antigos, pequenas coisas que me dão, cadeirões cómodos. Nada para o s outros admirarem, tudo para me sentir bem.Flores, gosto de flores.
Cortinas, que não me tirem o sol e a luz. Nada de luxo.
Carro: Ford Focus, cómodo, com 9 anos e em bom estado.
Música: Muita e variada.
Computador; este em que lhe escrevo e mando beijinhos
Maria

Teresa Santos disse...

Palavras.
Letrinhas juntas, unidas, fraternas. Letrinhas que nos permitem brincar, criar, ensinar, aprender, sonhar, amar.
Letrinhas que unidas se tornam cúmplices, amigas, companheiras.
Letrinhas que nos transportam longe, longe, até onde a nossa imaginação e criatividade permitir.
Letrinhas...

Mulheres.
Dualidades numa só criatura.
Mulher amante, mulher sensível, mulher sem jeito e sem graça, mulher elegante, mulher/mãe, mulher/mulher...
Coragem, lutadora, determinada...

Homem.
Homem criança, homem "ingénuo", homem fraco, homem sedutor, homem feitiço, homem...
Elegante, culto, inteligente.

Casas.
Casa ninho, casa aconchego, casa refúgio, casa/intimidade, casa alegre...
Casa de risos, de conversas, de cumplicidades...

Obrigada pelo desafio, obrigada pelo belíssimo video.

Abraço.

Alice Alfazema disse...

Sem o negro não compreenderíamos o branco, sem o ódio não compreenderíamos o amor, sem a solidão não daríamos valor à amizade.E sem alguém que nos fizesse lembrar disso a vida não seria teria a mesma alegria nem o jeito manso de ser e de ver.
Abraço

Um Jeito Manso disse...

Packard,

Bons olhos o vejam!

Colocou alta a fasquia...! O ideal de mulher seria, então, a Catherine Deneuve, nem mais, nem menos.

E para si, se mal lhe posso perguntar? Ou já se vê como o Clive Owen?

Olhe: e então o seu blogue? faz-me falta para o colocar aqui ao lado, nas minhas janelas para a blogosfera nacional.

Um Jeito Manso disse...

Olá Leitora!

Muito obrigada.

Esta minha bailarina é uma graça porque mal lhe dá uma aragem ou mal alguém lhe toca, fica a rodopiar... E disfarça a visão da desarrumação das estantes que estão aqui ao meu lado.

Mas eu gosto de livros irrequietos, que não param sossegados nas estantes...

Um Jeito Manso disse...

Caro José Rodrigues Dias,

Claro que adorei, claro que fiquei suspensa a ler, a sentir, tão bonito. Que inspiração tocante a sua.

Quanto ao teor em si: na questão dos nomes, peca por defeito. Há mais ainda, quase não dá para acreditar.

Mas os percursos são esses mesmos, o rio, o campo, as velas no rio, as (quase) danças, tudo, isso mesmo. Já li e reli e estou encantada.

Não fui eu que fiz anos mas fui eu que ganhei um presente e que belo presente... Obrigada, com toda a sinceridade lhe agradeço.

Um Jeito Manso disse...

Maria, feliz-Maria,

Geralmente sorrio ao ler o que diz, sempre tão pão-pão, queijo-queijo, sempre tão franca e bem disposta.

Li as suas descrições e é assim mesmo que a imagino, desempoeirada. E, se não me tivesse dito já a sua idade, diria que andava pelos 50, no início dos 50. Livre, segura, jovem.

Que alegria.

Obrigada pelas suas palavras!

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresinha,

Aconteceu consigo o que me aconteceu com a Maria.

Li e fiquei a sorrir, a tentar imaginar como será a mulher que assim fala de si e dos seus gostos. Certamente uma mulher bem disposta, animada, aberta à novidade, com jovialidade para se lançar para novos desafios.

E o seu texto parece um poema. Pode ler-se como um poema. Terá sido deliberado ou as palavras voaram-lhe dos dedos?

Que bom, estar aqui à noite e poder ler palavras tão bonitas, poder sentir as palavras e os sentimentos das pessoas que aqui vêm de visita, deixar-me o seu carinho.

Muito obrigada, mesmo!

Um abraço, Teresinha.

Um Jeito Manso disse...

Alice, menina alfazema,

Mas será de mim que leio o que aqui hoje escreveram e tudo me soa poético...?

Leio e leio de novo e já não sei se sou eu que faço as pausas e penso na toada das poesias, se foi uma nuvem poética que hoje bafejou os meus queridos leitores.

Agradeço muito as suas palavras, Alice!

Um beijinho!

Teresa Santos disse...

As palavras, essas malandras, por vezes voam, fogem-me, brincam, divertem-se.

E eu? Eu atrás delas, feita tonta!

Agradecer? O quê? O enorme prazer que me dá?!

Abraço.

Luciane Mari Deschamps disse...

Caro Amigo(a),
Sou professora e estou sempre buscando bons textos na internet. Gostei muito do texto PALAVRAS DESCENDO DO CÉREBRO... e gostaria de ter a certeza da autoria. É muito importante que eu possa dar créditos ao autor deste lindo texto. Se foi você quem o escreveu, posso publicá-lo em meu Blog ou repassá-lo aos meus alunos?
Abraços blogueiros e poéticos!
Escritora e Professora Luciane Deschamps/ Florianópolis, SC

Um Jeito Manso disse...

Olá Luciane,

Fiquei surpreendida com o seu comentário - agradavelmente surpreendida, confesso.

Sim, a expressão é minha bem como todos os textos. Pode usar, claro, e espero que os seus alunos percebam e achem graça à ideia.

Pode identificar a autoria dizendo simplesmente que é da autora (género feminino: sou mulher) do blogue http://umjeitomanso.blogspot.com/

Fui espreitar o seu blogue e gostei do seu texto sobre as suas palavras.

Não sei se já viu o meu blogue,

http://ginjalelisboa.blogspot.com

onde coloco poesias escolhidas (não minhas mas de autores bem identificados) e que acompanho com um pequeno texto em prosa inspirado na leitura da poesia. Talvez por lá também encontre alguma coisa que lhe agrade (.... modéstia à parte...)

Um abraço do lado de cá do oceano, Professora Luciane!