quarta-feira, novembro 27, 2024

Outras terras, outros sons: na Casa Branca

 

Não sei exactamente de que se trata mas, ao ver a imagem da casa no vídeo que aqui partilho, percebi que era em Portugal. E confirma-se. 

Pus a andar e gostei de ver e ouvir, embora não perceba bem o que se passa ali. Mas, para gostar, também não é preciso compreender - a emoção e o pensamento nem sempre têm que andar a par e passo. É um encontro de pessoas que têm interesses comuns, isso certamente. Não sei porquê ali, naquele lugar, mas isso também não interessa. Enquanto escrevo, estou a ouvir pela segunda vez e agrada-me. 

E qualquer coisa no ambiente que ali se percebe me fez lembrar uma amiga de longa data. A sua profissão é no domínio da razão e do conhecimento, é médica, mas sempre foi um pouco alternativa. E aqui apetece-me dizer 'alternativa no bom sentido' mas também não sei o que isso seja. Mas, só para se perceber, aos dias de hoje, não tem telemóvel. Passa bem sem isso. Não lhe apetece ser incomodada. Quando precisa de contactar alguém, usa o telefone fixo. Quando alguém a quer contactar e ela não está em casa, é o diabo. Quem tem o número do marido, liga-lhe. Quem não tem, terá que ir ligando até que ela regresse a casa. Mensagens, grupos de whatsapp, coisas dessas, é tudo o que ela não precisa, não gosta, não quer, não sente curiosidade. 

Interessa-se por mil coisas mas sobretudo coisas ligadas à terra, à natureza. Sabe muitas coisas que eu não sei. No outro dia, por exemplo, falava-me da planta de onde vem a alpista. Eu não fazia ideia, claro. Também viaja muito e diz que visita museus, galerias, coisa assim, mas aquilo que prefere é andar na rua, ver as pessoas. Por exemplo, já foi algumas vezes à Índia e tenciona voltar. Gosta de andar pelas aldeias, gosta de ver como as crianças se arranjam para ir à escola, por muito modestas que sejam, gosta das cores, dos cheiros, dos sons. 

Agora que deixou de trabalhar, diz que gosta muito de estar no jardim a ler ou a observar. Conhece todos os pássaros, os seus cantos, os seus hábitos. Eu não conheço nada do que ela sabe.

Mas surpreendo-me sempre com o que ela diz. Só para verem, estava a falar-me dos estorninhos, dos pardais, das rolas. Às tantas, falava creio que do melro. Mas não sei se era do melro ou do tordo. E estava naquilo quando me diz: 'Quando andam de roda das oliveiras, gostam de comer o que sobra das azeitonas. Esses são os mais saborosos.'

Fiquei de boca aberta, claro. 

Quando eu era pequena e o meu pai ia aos pássaros com os amigos, armando armadilhas que deixavam, de noite, regressando a casa após as recolherem de madrugada, nós comíamos passarinhos fritos e eu achava-os uma delícia, era um petisco que eu apreciava imenso. Mas desde há mil anos que não consigo pensar em molestar os inocentes passarinhos, muito menos comê-los. E, no entanto, a minha amiga, toda natureza, toda peace and love, ali estava a falar-me do sabor dos passarinhos quando se alimentam de azeitonas maduras. Ainda pensei que não tinha ouvido bem: 'Mas quê? Comes?!'. E ela, sem perceber o meu espanto, 'Claro'. 

A vida é assim mesmo, surpresas, surpresas, surpresas.

Amanhã, se me lembrar, conto uma outra, de uma outra amiga. Uma 'surpresa' que me deixa a rir de cada vez que me lembro.

Mas agora passo a palavra a Mary Keith, que também parece ser bem cool, bem boa onda -- para além de ter um cv bastante interessante.

Other Lands Other Sounds

A setting of the choral processional song used in "Vias", the final performance of the Curiosa "Other Lands Other Sounds" residency at Casa Branca, Portugal summer 2024. 

Music and words by Mary Keith and Kelsie Moore, with thanks to Kate Smith for arrangement ideas, images by Mary Keith, Beatriz Martinez, Ani Keyahova and Ana Torres, with thanks.


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