sábado, dezembro 30, 2023

Os altos voos e as estrondosas quedas dos Unicórnios....

 

Acontece-me, com alguma frequência, pensar que devo ser mentecapta por não ver o que que todos os outros parecem ver. Acontece que, quando isso acontece, sou uma verdadeira mula: obstinada. Dizem-me que o caminho é por ali, ouço louvar a maravilha do caminho e, não o vendo, não apenas me questiono sobre a minha falta de perspicácia como me recuso a encarneirar, a fazer coro. Nem consigo disfarçar. Nem consigo estar por perto.

Se não padecesse eu um pouco do síndrome do impostor em que, de vez em quando, penso que se expuser abertamente todas as minhas convicções ou pensamentos corro o risco de passar por convencida e parva, e diria que já era tempo de dizer abertamente que quando uma coisa não me convence é porque não tem pernas para andar, tarde ou cedo, a maravilha vai ao fundo.

Já me aconteceu isso com diversos unicórnios ou tendências ou negócios altamente auspiciosos, louvados, incensados, levados ao colo pela comunicação social, pelos investidores, pelos deslumbrados. 

Em tempos, lá onde eu trabalhava, convidavam um ícone da inovação e do empreendedorismo, na altura quase uma pop star. Não digo a quem me refiro pois não vale a pena bater num ceguinho que já passou à história. Mas, na altura, em reuniões mais restritas ou em encontros de quadros, lá estava a estrela convidada a dissertar sobre o sucesso dos seus métodos, dos seus negócios, de como motivava as equipas, de como todos eram o máximo. Ar blasé, ele sorria de mansinho ouvindo os elogios vindos de todo o lado. E eu agoniada, achando tudo um bluff, desde a ideia, o negócio, até ele próprio. Baldei-me a uma ou duas, sendo considerada deselegante, quiçá de vistas curtas, conservadora. Mas não aguentava. Era demais para mim.

Inclusivamente, assisti a forjaram-se joint ventures, entrar como investidores, apostar no boost, injectar dinheiro para a coisa alcançar a lua. E eu achava que devia estar tudo parvo, que eu não meteria um euro meu naquilo, que aquilo nem do sítio onde tinha nascido conseguiria sair.

E não saiu. Anos depois fui tudo ao fundo, falido, um bluff, um balão cheio de nada, uma treta. Não se aproveitou nada de nada.

O meu colega e amigo que gostava de me aconselhar e que se cansava a apelar à minha contenção e moderação, viria a dizer uma vez mais: concordo, tinha razão. Mas ter razão antes de tempo é o mesmo que não ter razão. 

O que aquilo me cansava.

No meio de néscios sempre prontos a deslumbrarem-se com quimeras e 'modernidades' (e ponham aspas nas modernidades), os chico espertos vingam que só visto. 

Agora é a Farfetch. 

Antes era o máximo. A bolha crescendo, o homem como um astro. Grandes artigos sobre ele. 

[São os mesmos jornalistas burros que não conseguem ver um palmo à frente do nariz e que se entretêm a maldizer todos os que querem genuinamente trabalhar enquanto endeusam os fazedores de unicórnios e os vendedores de banha da cobra.]

Muitos colaboradores meus falavam-me dos amigos que trabalhavam na Farfetch. Grandes edifícios cheios deles, jovens entusiasmados com o desafio da grande empresa internacional cotada em Nova Iorque. E eu abria o site e só via treta a preços absurdos e interrogava-me com a lógica e o interesse daquilo. Nunca vi um único artigo que me desse vontade de comprar. Nada. Zero. Tudo aquilo me parecia desprovido de sustentabilidade. Mesmo que visasse um público de mau gosto, que nade em dinheiro e que se pele por marcas pensava que o unicórnio tinha perna curta. 

Claro. Já foi. Os investidores ficaram a chuchar no dedo, agora a marca é coreana, vai ser injectado dinheiro a uma taxa de juro de 12,5% (imagine-se!) e vamos ver o que será feito daqueles jovens que andavam tão entusiasmados. Estão revoltados, claro. Arranjarão outro trabalho, claro. Mas, pelos vistos, também tinham embarcado, não tinham percebido que o fulano, com ar de actor de novelas da Globo, deveria ter tentado a carreira artística.

Rodrigo Lombardi, gémeo separado à nascença, é Moretti em Travessia

Mas o que fico sempre a pensar nestas situações é isto: como podemos confiar na presciência dos jornalistas económicos quando falam da economia real se já os apanhámos tantas vezes em falso? Ainda por cima nunca se retratam. Poderiam vir depois pedir desculpa, reconhecer que se tinham enganado, poderiam vir prometer que doravante seriam mais escrupulosos, mais exigentes, mais rigorosos.

Mas não.

Assim andamos. Parece que gostamos de ser iludidos, parece que mais depressa endeusamos os bluffs do que reconhecemos o mérito a quem realmente o tem. O mundo parece que é uma gaiola de malucos. Essa é que é essa.

2 comentários:

ccastanho disse...

"Presciência" a jornalistas económicos, UJM...?

Quando rebentou o escândalo BES, no primeiro ou segundo dia, ouvi no Fórum TSF, (programa que, quando posso, não perco) o jornalista de economia António Costa, a sossegar os clientes do BES para não terem medo com os seus depósitos porque só a "Comporta do Salgado" dava para pagar sem problema nenhum. "Isto está no arquivo da TSF" é só lá chegar e ouvir.

Ora, todos sabemos o fim desta história. Salgado absolvido pelo dito Alzheimer. E se não fosse a doença, seria outra coisa qualquer, porque, se o obrigassem a pôr a boca no trombone, este país vinha abaixo.

UJM, a "presciência" de uma grande parte do jornalismo, é igual à bruxaria do Zandinga, conselheiro do futebol há décadas.

Já agora, para alegrar as hostes, parece que há mais uma sondagem hoje do DN e TSF, onde a maioria, acha que Costa governou bem.

O PR Marcelo já não deve dormir nada, suponho.

Anónimo disse...

Não foi Pacheco Pereira que escreveu que nenhum dos escândalos económicos que por aí houve teve os jornais económicos a levantar a tampa?

Quanto ao resto é a nossa tontice secular de gosto pela superficialidade e de Maria vai com as outras. "Vamos todos!". E vão, ao fundo.