quarta-feira, setembro 22, 2021

Autárquicas 2021 -- é impressão minha ou é tudo mais do mesmo?

 



Há vários dias que praticamente não vejo televisão. Cansa-me a televisão. Quando não estou nas minhas lides profissionais ou nas minhas coisas de casa ou de família, e antes de vir aqui cumprir o vício do dia, vejo Homeland (a extraordinária série que em português dá pelo nome de Segurança Nacional). De cada vez que abro a netflix aparece-me anúncio de outras séries e várias delas me parecem tentadoras. Como o tempo escasseia, cinjo-me à Carrie e ao Quinn e ao Saul e ao Brodie e a todos aqueles fantásticos personagens que me trazem presa à intriga internacional e ao jogo mais do que duplo e tantas vezes sujo da espionagem e da contra-espionagem. 

E, se aqui à noite espreito as notícias nos onlines, nada me convoca. Cá pelo burgo tudo gira em torno das autárquicas. Em termos de notícia, é tudo coisa de interesse nulo. Identicamente, de cada vez que vejo um cartaz ou um folheto, tendo a achar que é quase tudo de uma tremenda falta de imaginação. 

No outro dia, quando andávamos a caminhar, vimos dois homens a andar junto às vedações das moradias. Achei aquilo intrigante. Tinham bom ar, é um facto. Não era gente de que se suspeitasse que andasse a ver se dava para assaltar alguma casa. Nada disso. Reparei que tinham qualquer coisa na mão. Pensei que, quando nos cruzássemos, nos dissessem qualquer coisa ou dessem um papel. Isto se andassem a distribuir papéis. Poderiam ser Testemunhas de Jeová, que andam sempre aos pares. Mas os das Testemunhas têm um ar menos urbano e andam todos mais arranjadinhos. Estes tinham um ar desempoeirado. Bom ar, já o disse. O meu marido disse que deviam ser de alguma imobiliária. Cruzámo-nos com eles sem lhes darmos atenção e eles também não nos deram. Nem atenção nem qualquer papel.

Mais à frente, noutra rua, junto a uma outra moradia, vimos uma mulher muito vistosa, ampla melena platinada. Foi deixar um papel na caixa de correio. O meu marido disse: ''Vês? Não te disse? Acho que esta é da remax'. Não fiquei convencida que os outros também andassem ao mesmo.

Hoje fui ver a caixa de correio e, para além das cartas, tinha vários papéis. Remexi os papéis para ver o que ali havia. De agências imobiliárias, de empresas de obras e reparações e, vários, de partidos. E, de repente, ao ver as fotografias de um dos papéis, juraria que eram os dois que tínhamos visto. Pelos vistos andam por aí, pelas casas, a distribuir folhetos. 

Dei-me ao trabalho de ler alguns: uma ou outra ideia vagamente interessante mas, em geral, mais do mesmo. 

(As ideias que eu teria para o meu município... Caraças, as ideias que eu teria.)

Esta gente é muito virada para o passado: 'o que nós fizemos', a 'obra feita'. Ou, se é para a frente, nada mais é do que replicar a dita 'obra feita'. Mais do mesmo. Não há um golpe de asa, não há uma disrupção para partir para outra. Não há uma verdadeira visão de cidadania, de conhecimento, de partilha, de modernidade. Ora, sem modernidade não há futuro que valha a pena.

Não vejo escolas abertas para gente de todas as idades, espaços de arte e de investigação, bibliotecas e museus abertos e livres, creches e residências seniores abertas, voluntariado a sério, mobilização dos cidadãos para o arranjo e limpeza das casas e das ruas e dos jardins, a natureza dentro dos espaços urbanos -- mas com uma visão moderna, a começar na arquitectura de todos os espaços (que é determinante para abrir mentalidades). Não vejo propostas arrojadas, daquelas que nos deixam de boca aberta, daquelas que nos fazem ficar a pensar. Não vejo.

A cidadania constrói-se caminhando nos caminhos da democracia. Mas constrói-se sem peias, sem ditames, sem preconceitos, sem amarras a feudos ou preceitos partidários, sem a disciplina das casas burocráticas em que nas concelhias ou nas distritais se cozinham os tachos, os favores, os amiguismos.

Estive a pesquisar na net alguns programas partidários de autarquias que não a capital: tretas. Só de olhar para as caras de parte das listas, logo se vê que é gente arregimentada nos partidos não por terem uma visão de futuro para as autarquias mas por serem disciplinados e acéfalos. Não vamos longe assim.

Não vou referir nem autarquias nem listas (até porque numa delas concorre um meu sobrinho) mas direi que, salvo uma ou outra honrosa excepção, é tudo o nosso portugalzinho a marcar passo. 

Não nego que o país está mil vezes melhor agora do que estava há vinte anos. Mas o que digo é que, salvo algumas modificações verdadeiramente diferenciadoras (do que conheço, grande parte delas em Lisboa e grande parte relacionadas com urbanismo -- honra seja feita a Manuel Salgado), o resto é um mero melhorzinho na continuidade.

O país pode e deve dar um salto qualitativo: temos uma geografia e um clima extraordinários, uma beleza natural ímpar, temos mão de obra bastante qualificada. Temos tudo para atrair imigrantes que nos façam abrir os olhos à diferença e à inclusão, temos tudo para lançar programas de apoio à natalidade, temos tudo para atrair e fixar jovens, temos tudo para nos tornarmos um lugar de futuro -- em vez de continuarmos a ser um país envelhecido, em que quase não nascem crianças, em que grande parte do país ainda parece que vive no século passado, em que ainda há demasiados guetos de pobreza e marginalidade. 

Hoje soube de um jovem que acho muito promissor e cuja selecção passou por mim há cerca de um ano: tenciona ir-se embora daqui por uns meses. Terá dito que já pouca coisa o prende cá. Senti uma enorme tristeza. Disse para o desafiarem a ficar connosco, em teletrabalho a partir do outro país para onde quer ir para se juntar à namorada. Não me interessa onde é que ele viva nem a partir de onde trabalha. Gostava era que continuássemos a contar com ele. Olharam-me com estupefacção mas depois deram-me razão. O mundo mudou. E as nossas mentes também têm que mudar. O mundo pode e deve organizar-se de outra maneira. E as cidades, as vilas e as aldeias têm que saber acolher estas novas formas de viver.

Acho eu de que.


Inté. Vou pregar para outra freguesia.

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As fotografias aqui usadas são do 2021 WildArt Photographer Of The Year

Sheku Kanneh-Mason acompanha-nos em Nimrod de Elgar

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Mas, antes de me ir, que entre Sergei Polunin com The Road To Eternity

Voa, Sergei, voa


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Desejo-vos uma feliz quarta-feira
Saúde. Alegria. Motivação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ora, ora, ora !
Claro que é tudo mais do mesmo.
De presidente para vereador, etc...