quinta-feira, junho 10, 2021

A casa invisível e outros breves apontamentos

 



Os dias estão grandes de dar gosto. Jantamos habitualmente por volta das nove e agora, a essa hora, ainda há luz do dia. 

De tarde, estive no jardim como se estivesse numa concha longe do mundo: protegida, em paz. 

As rolas atravessam o ar e vêm pousar nas árvores e uns passarinhos pequenos vêm pousar e debicar o chão muito perto de mim. Estava a apanhar sol e a ler, em silêncio, e eles ali como se eu não existisse.

No outro dia aconteceu uma coisa que me perturbou um pouco. No terraço, debaixo do telheiro aqui junto à sala, vi um montinho fervilhante de formigas. De longe, um montinho escuro. Fiquei a apurar a visão a tentar perceber o que seria. O meu marido vinha a passar e pedi que visse. Não me aproximei eu pois temi que fosse qualquer coisa estranha. Ele foi buscar uma pá, apanhou e foi atirar para longe. Era um pássaro, disse-me. Grande?, perguntei. Que não, pequeno, que devia ter caído do ninho. Fez-me muita impressão. E fez-me impressão que, em pouco tempo, deveria acabar devorado por formigas. A vida, qualquer forma de vida, sempre tão irremediavelmente efémera.

Mas é a natureza a funcionar: nada se perde, tudo se transforma.

De manhã, fui à horta pôr os restos dos legumes da preparação da sopa e as cascas da fruta no recipiente de compostagem. Vi, ao fundo, grandes flores amarelas. Não percebi o que seria, àquela altura. Não as flores do chorão que o chorão é rastejante e as suas flores são mais contidas. Fui ver e nem queria acreditar: é a piteira. Não sabia que dava flores. Vim a casa buscar a máquina para as fotografar. Que surpresa boa para começar bem o dia. 

Quando estava a voltar a casa, num outro lugar mais à frente, uma outra cor, mais alaranjada, quase transparente. Era outra flor, numa outra piteira. É a que está lá em cima. Lindíssima. Uma maravilha extraordinária, insólita de tão delicada naquele grande cacto cheio de picos. 

Depois, ao lado, um cachinho delas, estas aqui abaixo. A natureza é uma arca de tesouros -- mas uma arca sem fundo, cheia de infinitas preciosidades.

O chão por baixo da ameixeira pejado de ameixas verdes. A ver se não são como as do campo, in heaven, que, num dia, ainda estão verdes, nos dias seguintes começam a aparecer debicadas pelos pássaros e, na semana seguinte, as que restam estão no chão. 

Espero bem que não porque, se escaparem, está ali uma bela tequinha delas.

Os vasinhos que pendurei no gradeamento estão a ficar muito bonitos. Querem é muita água, já percebi. Como não têm pratinho em baixo e como está calor, se não levam água, entristecem logo.

As suculentas estão a medrar a olhos vistos. O canteiro das flores está uma formosura. Andei a regar mas tenho que ir e ver várias vezes. Como o regador dos dez litros acaba por ficar pesado (é fazer as contas, como dizia o outro), uso o regadorzinho mais pequeno. Mas não rende. Começo a verificar que deveria haver uma torneira perto do terraço das suculentas e do canteiro e outra do lado de fora do gradeamento do terraço da cozinha. Claro que, quando o verbalizei, o meu marido se agastou. Devo ter começado a frase com 'Penso que...' pois, quando acabei o meu pensamento, limitou-se a dizer: 'o teu problema é pensares demais'.

Mas não é. O meu problema é que há coisas a que o meu pensamento já não chega. Por exemplo: o que fazer para as refeições? Já não sei e, pior, já me falta a paciência.

Ontem para o jantar descongelei um bocado de vitela cortada para jardineira e umas fatias de entremeada. Depois fiquei a pensar o que fazer com aquilo. 

Quando descongelou, num tacho coloquei azeite, duas cebolas grandes, dois dentes de alho, duas folhinhas de louro. Depois juntei a carne. Coloquei um pouco de sal, um bocado de alecrim, salsa, cobri com vinho branco. Quando ferveu, deixei estar ali a ganhar sabor. Depois juntei dois copos grandes de água. Deixei que fervesse e depois baixei. Ficou ali a cozinhar durante mais de uma hora, para a carne ficar bem macia. Quando vi que estava a chegar ao ponto, juntei meio pacote de legumes para saltear e uma mão cheia de feijões verdes aos bocados. Quando os legumes estavam com ar de estar quase, juntei um copo de arroz basmati. Quando estava quase sequinho, desliguei. Ficou a cozer, tapado, enquanto apurava. Ficou bom.

Hoje ao almoço, comemos sopa e, cada um, um pãozinho com sardinhas em conserva, com alface e tomate. E fruta. E hoje, ao jantar, o resto do almoço de ontem com salada. Depois queijo e nêsperas.

Para amanhã já não sei o que fazer. Sugeri que comprássemos robalo e que ele o grelhasse. Diz que não, que dá muito trabalho atear o fogareiro e depois lavar a grelha. Se calhar, asso no forno. Não há pachorra. 

A ver se vamos é descobrir algum restaurante com comida de jeito para ver se lá vamos comprar. É que nem sei o que me apetece de tal forma estou saturada de puxar pela cabeça a pensar o que hei-de fazer. 

Mas, enfim, é o que é.

Tirando estas desinspirações, é o que se sabe quando aqui chego: não consigo ver notícias nem comentários. Muita coisa acanhada, mesquinha, desinteressante. Quero cá saber do que o pobre coitado do Rio ou o infante Medina ou sei lá o quê? Não quero. É espuma sem pitada de graça. 

Agora estou a fazer tempo para o House. É sempre um prazer. E uma banda sonora, no fim, que me agrada. Tudo bem feito e com graça. Agora a política nacional....? Bahhhh. E a internacional a mesma coisa.

Portanto, aos costumes digo nada.


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Enquanto isso, estou a ver vídeos de arquitectura ou decoração. Casas inseridas na paisagem, casas cheias de luz, casas onde o espaço flui, casas onde a natureza se funde com a alma. Esta que aqui partilho convosco é linda. Espero que gostem.

The Invisible Home | Grand Designs: House of the Year


Kevin McCloud visits a home built into the landscape of the Forest of Dean. This epic camouflage wonder is home to 3 bedrooms and two bespoke artist studios for its creative owners, Michael and Jean

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E muito sinceramente vos digo que espero que estejam bem, de boa saúde, bem dispostos.

Desejo-vos um dia bom, descansado.

Saúde. Alegria. Paz de espírito.

5 comentários:

Pôr do Sol disse...

Estão lindas as suas piteiras.

Cada flor dará um delicioso fruto. Os figos da piteira, tambem chamados da India, são muito refrescantes e saborosos. Apanham-se usando luvas, pois os picos saltam. O difícil será prepará-los. Nunca o fiz, mas vi tirar-lhes a pele, usando uma faca muito afiada.

O sumo é muito bom e dizem ter muitos efeitos benéficos para a saude. Tambem há quem faça bolos.

Creio que bolos não é a sua praia e com o cansaço de cozinha com que anda não a seduzem, mas não deixe de experimentar o sumo.

Um beijinho e Bom feriado.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Riqueza,

O seu amor com toda essa bela natureza só pode dar frutos dos bons.
Adoro os dias grandes, mas este ano a primavera por aqui confinou-se, espero que seja pronúncio de bom verão. No sábado passado tive a experiência de no espaço de uma hora ir do semi-inverno ao verão bem quente - tão bom...

Um belo dia de Camões!!

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia!
Gosto muito das flores de catos. É grande a beleza mas muito efémera. Parecem dizer: olhem para mim, mas não deixem para depois!
Também de grande e de carinhosa beleza são as suas descrições dos momentos passados no seu jardim, com tanta vida a fervilhar na sua diversidade. Muito bom.
Pois, à pergunta: o que hei de fazer para o jantar? Muitas vezes não apetece responder. Nem pensar sequer. A solução que arranjou foi boa e prática. Como gosto. E sem ser preciso sujar muita loiça.
Um dia calmo para si e, sobretudo, feliz.

Anónimo disse...

Fui ver e nem queria acreditar: é a piteira. Não sabia que dava flores.

Tchiiii ! Sabe pouco...

Estevão disse...

Não é verdade que “dá muito trabalho atear o fogareiro e depois lavar a grelha”, isto se forem usados estes procedimentos:

1. O fogareiro deve ter tampa. É obrigatório. Quando já não tivermos necessidade das brasas, tapa-se o fogareiro e as brasas apagam-se imediatamente por falta de oxigénio, transformando-se em carvões. Nestes carvões, podem ter a certeza, é 100 vezes mais fácil atear, transformando-os novamente em brasas. É ver para crer. Assim, só é difícil acender o fogareiro na primeira vez. Os reacendimentos são canja.
Aqui, limpeza zero. Quando muito retirar as cinzas. Há no mercado vários modelos. O ar entra por baixo, controlando-se assim a intensidade das brasas. Por exemplo:
https://walibuy-product.s3.eu-west-1.amazonaws.com/532/medium/bbqak22bk-3e67322443b860287eacc85eac7fc062.jpg


2. A única coisa que se lava são as grelhas. E sempre no fim do grelhado por ser mais fácil. O limão que sobrou do tempero do peixe já grelhado, pode e deve ser passado por cima das grelhas, retirando restos dos grelhados.
Na próxima vez, antes de colocar as grelhas, passa-se novamente limão. Ficam limpas, cheirosas e desinfectadas.

3. E já agora, peixe gordo, com a sardinha desta altura, deve ser grelhado muito lentamente, com brasas brandas. Há que dar tempo para a gordura sair. Por motivos contrários, peixes com pouca gordura, tal qual o bacalhau, devem ser grelhados muito depressa, com brasas sempre vivas. Há que evitar que fiquem demasiado secos.

Bom apetite!