segunda-feira, março 08, 2021

A beleza dos cogumelos, a absurda flor pélvica da Cristina Ferreira e outras coisas pouco relacionadas

 


Quem me acompanhava antes desta segunda leva de confinamento sabe da minha paixão por aquela parcela de terra a que aqui chamo heaven. Tudo ali me fascina. De uma terra seca, coberta por pedras e mato rasteiro, transformámo-la numa terra fértil onde tudo medra e onde as árvores, que plantámos com cerca de palmo de tamanho, se tornaram altas e frondosas. A terra no inverno está coberta de folhagem húmida e musgo e dela brotam cogumelos de todas as cores, tamanhos e feitios. E eu, que me habituei a deslizar silenciosamente por aqueles caminhos, vou descobrindo pequenos seres que não são gente nem bicho nem flor e que nascem perfeitos, espantando as pedras que se afastam para os deixar exibir a sua glória de existir. Outros nascem dos troncos e parecem folhos delicadamente matizados, ornamentos perfeitos e inesperados. Sejam como forem e nasçam onde nascerem são sempre inesperadas aparições, milagres.

Agora, com o confinamento, com o teletrabalho e com a proibição de mudar de concelho entre a sexta ao fim do dia e a madrugada de domingo, não conseguimos lá ir com a frequência desejada. Por isso, não tenho podido assistir ao devir da natureza que sempre tanto me encanta. Na última vez que lá conseguimos ir, na terça-feira de carnaval, ainda havia cogumelos. Menos em quantidade e menos em exuberância mas sempre perfeitos e inexplicáveis. Parte considerável do imenso fascínio que sinto pela natureza tem a ver com a maravilha que são os líquenes, os cogumelos. 

Mesmo agora aqui, e isto aqui não é exactamente campo, ando atenta à terra, tentando descobrir alguns. E, para minha sorte e alegria, tenho descoberto uns quantos. Não são tão efusivos mas, ainda assim, são surpreendentes. Alguns parecem a madeira do tronco a que se encostam, outros parecem pequenas flores brancas, outros são tão discretos que mal se dá por eles. 

Tenho uma certa tendência natural para deixar a natureza escolher o seu destino e é isso que tem acontecido in heaven. O rosmaninho, o alecrim, os orégãos, as aroeiras tudo nasce por si e os perfumes propagam-se de uma maneira límpida. Isso não é compatível com este jardim que foi pensado, desenhado e alimentado para acolher espécies que são belas mas que se vê não serem espontâneas e onde os espaços estão harmoniosamente delimitados. Penso que um dia que tenha tempo, ou seja, que não esteja tão absorvida pelo trabalho, talvez comece por desconstruir um pouco a zona da horta para que, aí, a natureza possa ganhar algum espaço.

Quando penso nisso geralmente ocorre-me ter patos que andem livremente por ali. Julgo que isso também é incompatível com este espaço mas é uma coisa que me ocorre. Lembro-me de ser pequena e de andar a brincar com o meu grande amigo e ter como incumbência atribuída pela minha avó -- que, naquela altura, na casa em que vivia, tinha um espaço campestre em volta -- ir descobrir os ovos postos nesse dia. Era uma verdadeira caça ao tesouro. Que alegria sentia quando descobria um ovinho. Também me lembro de uma outra coisa. A minha avó também tinha uma grande capoeira, num lugar longe da casa, onde tinha perus. Enquanto os patos andavam à solta, tenho ideia que os perus, em regra, não. Não sei porquê mas acho que era assim. Lembro-me que a minha avó fazia umas papas para os perus. Apanhavam-se ervas, tenho ideia que urtigas, que eram migadas e misturadas com sêmeas e água. Ficava uma paga grossa que era levada aos perus. Aqui na horta, estão a nascer urtigas e eu penso que é pena não ter perus para as poder aproveitar.

E comecei a escrever isto pois vi um vídeo que me encantou. Já vos mostro. Mas, lá está, comecei nos cogumelos e já vou nos perus. E não é para falar numa receita de peru com cogumelos porque, se ainda fosse, talvez houvesse alguma lógica.

Mas adiante.

Sobre o meu dia apenas posso dizer que, por razões que não vêm ao caso, fui a casa de uma pessoa que mora perto de mim, uma pessoa muito simpática. Fui convidada e, porque gosto de ver outras casas, fui. Fui sozinha, claro. Por vezes fico surpreendida pois, em minha opinião, a casa não 'joga' com as pessoas que lá vivem. Mas, depois, pensando bem, uma casa nasce numas circunstâncias e com umas expectativas. Se as circunstâncias mudam e as expectativas se goram, as pessoas ficam a sentir-se peixe fora de água e é natural que percam parte da sua motivação. No fundo, sabem que ficam a viver uma situação transitória, a casa em que vivem já não as representa.

Tivemos também uma conversa remota com um simpático casal sobre umas ideias para uns arranjos que queremos fazer no jardim. Depois tive que ir fazer umas medições para ir ver a que distância fica a laranjeira da romãzeira. Tenho pena de sacrificar o que quer que seja e, às tantas, a equação fica impossível. O meu marido não é disso. Quando perguntei: 'E a laranjeira?', disse logo: 'Vai abaixo'. Não aceito isso assim, de mão beijada. As belas laranjas que ela dá são uma bênção. É uma coisa que tem que ser muito bem pensada. Mas já estava a anoitecer, estava um frio. A amplitude térmica está demais. Tanto frio.

Tirando isso, posso acrescentar que, porque a minha mãe me disse que ia começar um programa na TVI que talvez fosse bom, fui ver. E vi uma exibicionista Cristina Ferreira com um vestido inenarrável de mau gosto e despropósito, coisa como não há memória. De saia curta e perna aberta, uma flor disparatada à frente, um vestido que lhe acentuava o rabo -- tudo nela é mau gosto. Uma gaiteira. Quanto às gargalhadas e à boca escancarada acho que já nem vale a pena falar. Em frente de quem actuava, um painel de gente a dizer coisas parvas. O meu marido disse que era um big brother em versão musical. E tem razão, era o que parecia. Mudámos de canal, pois claro.

E, para finalizar, devo dizer que, sempre que escrevo um post destes, acho que o que estou a fazer é pura parvoíce. Bem podia fazer um post pequenino sobre cogumelos lindíssimos e sobre as saudades que tenho ir vê-los in heaven, outro sobre casas de pessoas a quem a vida trocou algumas voltas, outro sobre a ridícula, narcisista e kitsch desbocada da Malveira. Agora assim tudo misturado resulta numa miscelânea sem ponta por onde se pegue. Mas fazer o quê? Não me dá para planear ou fazer coisas com pés e cabeça: sou mais de me pôr para aqui a escrever e seja o que deus quiser ('seja o que deus quiser' que é como quem diz, claro, porque uma agnóstica invocar o sagrado nome de deus a propósito de coisa tão deslustrada também não faz qualquer sentido). 

Resumindo: calo-me já para não estragar ainda mais. E passo ao maravilhoso vídeo dos cogumelos.

Stephen Axford: How fungi changed my view of the world

Stephen Axford has a unique expertise in macro images and time-lapse photography of fungi. The beauty and scientific accuracy of Stephen’s fungi photography have captivated national and international media, fungi experts and the general public.


Desejo-vos uma boa semana.
Saúde. Ânimo. Boa disposição.

3 comentários:

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia!
Os seus textos também lembram um heaven, onde não faltam cogumelos vivos e alegres.
Obrigada e um dia com bons momentos de passeio no seu jardim.


Estevão disse...

Diz-se dos cogumelos que são todos comestíveis, mas alguns só uma vez. Por isso, a menos que sejamos bons conhecedores, o melhor será não os comer.
E diz-se também que há cogumelos em Portugal que dão uma grande “pedrada”. Serão os “psilocybe semilanceata” que fazem rir e levam os consumidores a sentir-se bem. Secam-se durante dois ou três dias para mais tarde mastigar ou desfazer em pó e fumar, isto para além de se poderem guardar frescos se imersos em mel.
E há o da querida Disney, o côr-de-laranja com pintinhas brancas, Chama-se “amanita muscaria” e leva-nos em grandes viagens, dando-nos a conhecer seres vivos inimagináveis, tais como o tramp. Uma das suas substâncias será o muscimol. Esta substância é expelida com a urina, dado não ser metabolizada pelo organismo. Por tal, quem ingeria amamitas, como a tribo não seu quantos, bebia posteriormente a sua urina ou oferecia-a aos seus próximos.
Conclusão: quando formos todos convidados para ir passar um fim-de-semana ao “heaven”, temos de ter alguns cuidados ..

Maria Santana disse...

O que me ri com a "flor pélvica....".