quinta-feira, fevereiro 11, 2021

Te espero cuando la noche se haga día, suspiros de esperanzas ya perdidas

 



Vou fazendo contas de cabeça. Tento adivinhar a data em que voltarei a passear, a receber visitas. Penso: fins de Abril, Maio. Estando bom tempo, poderemos estar na rua, quase nem usar máscara. A minha mãe há-de estar vacinada, algures no tempo nós dois haveremos ser vacinados, todos o seremos. Voltaremos a sentar-nos em volta da mesa, talvez não nos sentemos em mesas separadas, talvez não sintamos necessidade de estar a milhas uns dos outros. Pelo meio aparecerão variantes tailandesas, eslovacas, congolesas. As vacinas irão sendo adaptadas. Aos poucos iremos voltando a uma quase normalidade. 

É nisto que penso enquanto estou aqui fechada, trabalhando de manhã à noite, cercada de chuva, de mau tempo, de frio. A terra do jardim está ensopada. Não se consegue andar, chove em permanência uma chuva miúda, as árvores pingam, pingam. Estava, à tarde, sob o alpendre a comer uma laranja quando ouvi correr água como num cano. Olhei admirada. A água corria no algeroz e caía copiosamente no tubo que desce por um dos pilares. 

Às tantas vi uns pontinhos brancos na árvore que tem os ramos nus. Fui a correr buscar a máquina para fotografar. A primeira flor da amendoeira. Que alegria. Que boa notícia. E outras se anteveem. O constante devir, o permanente milagre.

E é isto. Debaixo da invernia, adivinha-se já a chegada da primavera. A natureza continua os seus ciclos, indiferente às agruras que os estúpidos humanos infligem a si próprios. Esta continuidade são o chão que, queiramos ou não, pisamos.

E depois virá o verão, os tempos quentes e secos e esquecer-nos-emos destes dias sombrios, escuros, tristes. Estarei ao sol, saber-me-á tão bem, sentir-me-ei mais viva. Sentir-me-ei mais mar, mar de terras quentes, mar de aventuras e perdições. Fecharei os olhos e irei ao saber das marés do pensamento. Talvez adormeça ao sol, os pássaros cantando e eu mergulhada naquele doce abraço que sabe a eternidade. Depois acordarei, a pele agradada pelo calor, abençoando o prazer de estar viva.


Mas, por enquanto, estamos no inverno, em confinamento, atravessando o calvário que calhou em sorte a esta geração. Os meus avós avós falavam da pneumónica de que tinham ouvido falar, uma desgraça que roubara a vida a milhares de pessoas. Era coisa longínqua. As pestes eram coisa de passados irrepetíveis. E, no entanto, aqui estamos.

Durante o dia, pelo telefone chegam-me algumas boas notícias mas também problemas. Hoje uma pessoa, contando que lhe tinha entrado no gabinete uma pessoa a chorar (há quem não possa estar em teletrabalho), desatou também a chorar. Interrompeu, ouvi uma respiração funda. Depois disse-me: 'Desculpa. Hoje estou com um estado de espírito macabro'. Pessoa sempre animada, pessoa forte. E, agora, isto. 

Pelo meio, vou recebendo mensagens da família, fotografias dos meninos. Por vezes estou a meio de reuniões, ouço o sinal de uma mensagem a chegar. Se consigo, espreito. Às vezes fico com pena de não poder meter-me na conversa. Apetecia-me enviar sorrisos, corações. Mas comporto-me. Limito-me a pensar que não tarda estamos na primavera, depois no verão. E que, talvez, no outono já nos sintamos livres.

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E um poema a condizer com a cinzenta tristeza que tem vestido estes dias

Mario Benedetti - Te Espero

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As fotografias foram feitas aqui em casa, enquanto chovia.

Não sabia que título dar a este post. Hesitei entre 'wonderful world' ou em extrair do poema de Mario Benedetti o início do poema. Achei esta segunda hipótese mais deslocada do conteúdo do texto mas bonita.

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Desejo-vos um dia cheio de luz, mesmo que chova todo o dia.

8 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

E "cependant" a UJM dá o gosto ao dedo e escreve estas coisas maravilhosas.

Um belo dia.

Unknown disse...

QUADRA #3: Um Jeito Manso, / o Poeta anal / também, às vezes, / é vaginal...

Unknown disse...

QUADRA #4: Virus Corona, / depressa sai / e vai pra c... / de tua mãe!

Unknown disse...

Os meus "avós avós" falavam da pneumónica

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Tento... tento... mas não estou certa de que consiga...

Os dias estão tão escuros, chuvosos, frios, desagradáveis, tristes. O tempo assim atrofia-me. E estar fechada em casa não ajuda muito. Mas é o que é. Há que aguentar e esperar que passe, não é?

Abraço, Francisco! Dias cheios de luz para si.

Um Jeito Manso disse...

Olá, Poeta

Ainda bem que o Poeta Anal,
afinal,
para além de anal
também é vaginal.

#E viva Portugal#

Um Jeito Manso disse...


Corona, corona,
19, 19
Vai mas é ver
se chove

#covid#ide#ide#

Um Jeito Manso disse...


Os meus "avós avós" falavam da pneumónica
e os meus ""avós avós avós avós avós avós avós avós avós avós avós avós" falavam da bubónica.

#viva a poesia ónica#