sexta-feira, janeiro 29, 2021

Árvores, cores, música, supermercado, telefonemas
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Hoje é daqueles dias que não dão para explicar. Passa da uma da manhã e agora é que estou a começar a escrever. Em cima do costume resolvemos fazer uma coisa sobre a qual estávamos em dúvida e o que era mesmo om é que os meus filhos não lessem este post. É que andam a insistir para não nos metermos em supermercados, que não saiamos de casa, que não é boa altura para apanharmos covid. E se o sei bem. De tarde, uma das reuniões deixou-me esmagada.

Ambos insistem que nos habituemos às compras online. O meu filho enviou-me um link para uma cesta biológica entregue em casa. Mas não corresponde ao que preciso. Queria bananas, coisas para a sopa, por via das dúvidas ou 3 ou 4 cebolas grandes, por via das dúvidas para aí um quilo de batatas, por via das dúvidas uns quantos tomates, uma embalagem de alface, uma pizza congelada, toalhitas anti-transferência de cores. Urgente, urgente eram as bananas e as coisas para a sopa. Ora não vou fazer uma encomenda online para umas coisecas destas. Não passamos sem uma banana cada um, por dia, nem sem uma sopinha de legumes. E imagina que, durante a semana, ao fazer um peixe cozido ou uma coisa assim me falta uma cebola ou umas batatas. Há coisas imprescindíveis. Carnes, peixes, produtos de limpeza isso tenho que chega e sobra. Então pensámos, caraças, com uma máscara bem posta, estando lá pouco tempo, com distanciamento, caraças, não haveremos de ser apanhados na curva. 

E fomos. 

Aproveitei para trazer umas saquetas de frutos secos, uma embalagem de granola (ofereceram-me no natal e fiquei viciada), uma embalagem com quatro 'deliciosos pastéis de nata' porque volta e meia sentimos a falta de uma coisa doce. E pãezinhos. Há lá uns pães mesmo bons.

Quando estava de luvas a preparar-me para retirar o pão, vi um homem com a máscara no pescoço a fazer o mesmo que eu. Fiquei passada. Disse-lhe: 'Desculpe, importa-se de pôr a máscara?!'. O homem ficou assarapantado, apanhado em falso, até corou, e desculpou-se: 'Para me dobrar, puxei-a para baixo e depois esqueci-me...'. Vejam bem... E, por acaso, acredito nele. Às vezes quando quero ler qualquer coisa, dá-me vontade tirar a máscara. Como se a máscara atrapalhasse a visão... Mas acontece-me. Por isso, até acredito que, para se baixar para tirar as luvas e os pacotes de papel, tenha tirado a máscara. De qualquer forma, pensei que há coisas do além. Com o país a atravessar o maior drama de que há memória ainda há pessoas que não interiorizaram a imprescindibilidade de usar máscaras, bem postas, especialmente em espaços fechados. 

Mas, com isto, depois com o protocolo de lavar e arrumar, fiquei com o fim da tarde estragado. 

Quando estava lá, no supermercado, uma chamada de amigo com quem não falava quase há um mês. Não atendi para atender com tempo em casa. Por isso, depois de lavar e arrumar, as mãos bem lavadas e etc, foi o telefonema. Quarenta e sete minutos. Conversa boa, daquelas conversas que fluem, contamos coisas um ao outro, falamos da família, de amigos comuns, rimo-nos, gargalhamos. 

Enquanto falava com ele, uma outra chamada. Um colega. Liguei depois. Um problema para resolver e nós sem sabermos como. Hipóteses, cenários, nada concretizável, um puzzle que não conseguimos fechar. As restrições são muitas, as circunstâncias não podiam ser mais adversas. Trinta e cinco minutos. Pensei que o que me valia era que tinha ainda arroz de corvina de ontem. Com uma salada, estava o jantar pronto. A seguir, telefonema com a minha mãe. Está sozinha, precisa de conversar. Uma chatice, este confinamento. Faz-lhe falta poder ir às compras, ir ver as lojas onde gosta de ir, a das lãs, por exemplo, encontrar amigas e conhecidos. Queixa-se muito deste confinamento. Como a percebo. Conta-me coisas e eu conto-lhe a ela... e trinta e quatro minutos. Depois foi a minha filha, o dia inteiro debaixo de fogo, cansada. Os miúdos em casa e ela cheia, cheia de trabalho. Estavam os miúdos a fazer o jantar sob sua supervisão. Disse-lhe até amanhã, beijocas, tinha que ajudá-los... e treze minutos. Ontem fiz uma videoconferência com os dela. Na véspera com os do meu filho. Meus amores mais lindos, mais queridos. Não gosto desta treta de meetings com os meus amores. Nada se compara a cozinhar para eles, a abraçá-los, a vê-los a rirem e a brincarem uns com os outros.

O meu marido, entretanto, já indisposto, que já era tarde de mais, que telefonemas longos a estas horas não são boa ideia. E era tarde mesmo. Tarde, tarde. O meu filho ligou depois e foi um telefonema curto, seis minutos. 

E, ao ligar o computador, um mail com documento importante para rever. Documento longo, alterações que tinham que ser bem analisados. Depois outra coisa. Estamos a entrar nos aquários e um deles é um aquariozinho que tem que receber um presente. Estive, então, a escolher. Mais tempo para isso. E tinha que pagar uma coisa e mais tempo para isso. 

E com tudo isto agora já passa das duas e ainda aqui estou a escolher imagens, desta vez apeteceram-me as árvores de Gustav Klimt. Depois a música. Não tinha ideia precisa. Foi ir ouvindo até gostar. Josef Salvat a interpretar First Time. E o tempo passa, passa. Daqui a nada, estou a pé a tomar o pequeno-almo. O tempo corre, corre. 

Queixava-me disso ao meu amigo. Disse-me: A quem o diz... Tenho ido trabalhar para conseguir tomar conta do tempo. Em casa é o tempo que toma conta de mim.

E é verdade, não fora esta coisa do confinamento e da necessidade de levarmos isto muito a sério, já começo a acreditar que esta coisa do teletrabalho é muito bonita mas a verdade é que canibaliza o nosso tempo. Há bocado o meu filho perguntava se eu já tinha tratado de uma coisa que ando para tratar há para aí um mês. Tive que lhe dizer que não. Por incrível que possa parecer, é a verdade. A trabalhar em casa, fico sem tempo para tratar do que quer que seja pessoal, sem tempo para descansar, para ler. Para nada. Ou estou a tratar das coisas da casa ou a trabalhar. Ridículo.

Portanto: não vi qualquer notícia. Não sei o que por aí vai. Imagino que seja do piorio, uma desgraça em crescendo. Mas não sei. Não posso falar sobre o que quer que seja da actualidade. Não vi o Marcelo, não vi comentadores. Nada. A minha mãe disse-me: está mal encarado, magro. E nem comentámos o que ele disse. Já não é novidade: infelizmente a realidade ultrapassou a ficção e custa falar dela.

O meu momento de descontração aconteceu há pouco ao ver o documentário abaixo. Não vou a museus, não vou a exposições, não vou a concertos, não vou ao cinema. Nem eu nem ninguém, claro. Os meus momentos de abstração e prazer ligado à arte acontecem quando vejo vídeos assim: What does colour sound like? Kandinsky and Music. Se me permitem, partilho convosco.


Desejo-vos uma boa sexta-feira. 
Caraças, já é outra vez sexta-feira... Dá para acreditar...?

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