terça-feira, setembro 29, 2020

Ayahuasca...?

 


Sobre práticas religiosas não precisaria nem falar, toda a gente que por aqui me acompanha sabe que não sou de práticas religiosas. Não sigo igrejas. Baptizaram-me, puseram-me na catequese, fiz a primeira comunhão e a comunhão solene. Nada daquilo me convocava para o que quer que fossse. Aquela não era a minha praia. Achava que nada daquilo fazia sentido, nem a perseguição com os pecados nem aquelas cenas surreais que não tinham nada a ver com nada. Não sobrou nada. Desaderi. 

Dada a sentimentos para-religiosos eu acho que sou. Acredito na incompreensível infinitude da perfeição e da beleza. Acredito na eternidade do mar, da terra e do céu e todo o mistério dessa improvável convivência me faz ter vontade de me ajoelhar de estupefacção e rendição. Acredito no milagre do nascimento e no supremo milagre da vida. Tenho, pois, esse lado espiritual. E é uma espiritualidade pouco selectiva. Por exemplo, daqui por algum tempo vou ter vontade de me benzer de espanto de cada vez que vir um cogumelo a brotar da terra. E é o mesmo que sinto quando, ao ver flores ínfimas e de uma perfeição incompreensível, me dizem que são flores aéreas. Curvo-me perante esse lado inexplicável e maravilhoso das coisas. É tudo isso que venero. Também sou capaz de me comover perante a imagem de uma mulher com o filho ao colo. Madona, nossa senhora, mãe. Se há quem lhe chame santa, tanto me faz. Sou capaz de a contemplar e me sentir intimamente reconhecida ao perceber nela o mesmo imenso e incondicional amor que tenho pelos meus filhos e pelos filhos dos meus filhos, um sentimento abençoado que não se esbate com o tempo nem sofre a erosão do quotidiano. 

E, sendo eu assim, claro que nunca senti qualquer apelo por seguir mandamento, restrição, ou lei de trânsito para circular entre capelas ou serviços religiosos. Pastores, padres, bispos, cardeais -- tudo hierarquias que me são estranhas. Afastei-me dos rituais e da castração intelectual metódica do catolicismo tal como nunca senti o mínimo apelo por jeovás, evangélicos, iurds ou o que quer que seja. 

Religião, para mim, não sei o que é que não o simples apelo pela bondade, pela generosidade, pela tolerância, pela liberdade, pelo supremo respeito pela dignidade alheia, pelo amor, pela beleza, pela harmonia, pela transcendência sem nome, sem regras.

Na política também sou assim. Gosto de política. Mas gosto da política abstracta, pura. Gosto da coisa pública e de pensar a melhor forma de a servir. Gosto do pensamento limpo. Gosto de pensar no futuro. No meu pensamento não encaixam ambições ou compromissos relacionados com concelhias, com distritais, com aparelhos partidários. Por isso sou apenas eleitora atenta, votante assídua -- mas sem ligação a qualquer partido. Se a nível das legislativas sou geralmente votante no PS é porque, das opções que se apresentam a votos, é a que me parece mais adequada à minha visão política.

Não participo, pois, em homilias, liturgias, comícios, cegadas do género, cenas que metam aventais, velas, rezas, búzios, cantares em volta, flores atiradas ao mar. Zero. 

E mais. Pode isto que vou dizer a seguir não ter a ver com o anteriormente reportado mas vou, na mesma, dizer. É que gosto de ter controlo sobre mim. Sou livre e gosto de me sentir livre, senhora de mim, na plena posse dos meus direitos, das minhas faculdades.

Talvez por isso, nunca me embebedei. Nunca. Dantes, ao primeiro gole, subiam-me uns calores, dava-me vontade de rir e, de seguida, de dormir. Por isso parava logo aí. Nem apreciava vinho. Até que milagrosamente comecei a gostar e o álcool deixou de me fazer passar por vergonhas. Agora posso beber, e claro que bebo moderadamente, que não me sobem os calores, não desato na gargalhada, não caio de sono. Aprecio, sabe-me bem. E nunca me cai mal.

Muito menos outras drogas. Nunca me droguei. Nunca fumei erva. Nada. Não sinto necessidade e é risco que não quero correr, o de ficar desatinada, descontrolada. Talvez quase todos os meus colegas e amigos o tenham feito. Não faço ideia. Não sinto curiosidade. Não me sinto diminuída ou fora de moda, nunca me senti. Não sou de me encarneirar. Sinto orgulho em ser independente e em aceitar ser guiada pela minha consciência.

Talvez por tudo isto, diverti-me à brava ao ver aqui as minhas ídolas falando de tema afim, o Ayahuasca. Claro que nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Não faço ideia se é coisa conhecida em Portugal ou moda que ainda cá não chegou. Tanto faz. O que sei é que as Avós da Razão são uma graça: mentes livres, desbocadas, divertidas. Umas jovens descomplexadas. Abençoadas miúdas que tanta alegria e gosto pela espontaneidade nos trazem.

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Pinturas de: Maximo Laura, Renzo Campodonico, Daniel Rodriguez, Adriana Cillóniz, Ginny O'Brien, Jorge Vilca.
Gustavo Santaolalla interpreta Pajaros
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E uma terça-feira muito feliz a todos quantos aí estão a aturar-me.
Saúde. Alegria.

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