Regressei à casa nova. Embora estivesse feliz e descansada in heaven, sentia vontade de voltar.
Trouxe de lá umas cobertas branquinhas que estavam guardadas e as duas carpetes maiores de Arraiolos, umas em tons claros. Troquei-as por duas, feitas por mim, modelos originais do Sec XVII, nos tons fortes originais que estavam no apartamento. Mas trouxe tudo lavadinho, tudo seco ao vento e ao sol.
Trouxe de lá umas cobertas branquinhas que estavam guardadas e as duas carpetes maiores de Arraiolos, umas em tons claros. Troquei-as por duas, feitas por mim, modelos originais do Sec XVII, nos tons fortes originais que estavam no apartamento. Mas trouxe tudo lavadinho, tudo seco ao vento e ao sol.
Mal cheguei, vim logo colocar nos devidos lugares. Nesta sala em que agora estou, os dois sofás, um de três lugares e um de dois lugares, estão cobertos por cobertas brancas. Há ainda um cadeirão pequenino em tecido aos quadradinhos cor-de-rosa esbatido e branco. E uma banqueta clarinha, com um galão florido em tons claros. As almofadas são também brancas ou em veludo em cor-de-rosa velho muito claro. E, imagine-se, a coincidência de tudo isto (porque tudo isto já existia e parece que estava tudo à espera de ser conjugado) é que a carpete de arraiolos que aqui coloquei é justamente em tons rosados, um rosa pastel claro, com barra beige, floral, tudo muito claro, a barra muito nos tons do galão do banquinho. Fica tudo de uma harmonia que me parece perfeita, tudo muito tranquilo e feliz.
Desde o início, a minha filha dizia-me que esta casa poderia ser assim, clara, luminosa. Eu dizia-lhe que não ia deitar fora as coisas que tinha em casa e comprar tudo de novo e ela ia enviando fotografias que obtinha nos instagrams e quejandos desta vida para me mostrar como poderia ser. E a verdade é que, revirando tudo do avesso, trazendo coisas daqui e dali, redescobrindo o enxoval, desencantando cobertas e colchas, a casa está, em tudo, o oposto do que era a minha outra casa.
Desde o início, a minha filha dizia-me que esta casa poderia ser assim, clara, luminosa. Eu dizia-lhe que não ia deitar fora as coisas que tinha em casa e comprar tudo de novo e ela ia enviando fotografias que obtinha nos instagrams e quejandos desta vida para me mostrar como poderia ser. E a verdade é que, revirando tudo do avesso, trazendo coisas daqui e dali, redescobrindo o enxoval, desencantando cobertas e colchas, a casa está, em tudo, o oposto do que era a minha outra casa.
E depois dá-se esta coisa de eu estar a colocar cobertas e colchas e carpetes tudo acabadinho de lavar pois, obviamente, não ia colocar coisas guardadas há muito tempo nem ia trazer carpetes de uma casa para a outra sem aproveitar a ocasião para fazer coincidir a lavagem anual que lhes faço com a mudança de casa. E, então, cheira tudo muito bem, a lavadinho. Um ambiente verdadeiramente bom, clean. E até tinha duas bonecas curiosas, igualmente em tons rosados, que agora aqui estão sobre os móveis. A ver se um dia destes perco a preguiça e volto a usar a máquina fotográfica para vos mostrar. E os quadros também são em tons neutros, claros, pastel. Tudo parece ter nascido para aqui se reunir.
E, na salinha dos lusófonos, a tal em que as estantes novas saíram em tom a modos que pardo -- mas de que agora até já gosto --, penso que está também tudo em total harmonia. A carpete também veio da casa in heaven e é identicamente um arraiolos em tons pastel mas, neste caso, em tons verde seco claro, beige, amarelo quase dourado claro. A chaise longue que está junto à janela é em cetim às risquinhas douradas e pérola com franja dourada. Mas cobri-a com uma coberta branca e, por cima, na zona do assento, por uma colcha de renda simples, branca. Por cima tem um rolo e duas pequenas almofadas em tecido igual à chaise-longue. Os quadros são em tons predominantemente amarelos, ensolarados. Gosto mesmo. Quando vou ao quarto ou à casa de banho, vou lá espreitar. E sinto-me feliz.
Antes de aqui chegarmos passei pela minha mãe para a ver e lhe deixar figos. Tinha, para me dar, uma tarte que fez, daquelas boas que toda a gente come e chora por mais, o vestido da minha filha arranjado nas mangas, uma pulseira para a minha nora, uma pêra abacate grande que uma vizinha lhe tinha dado e um vaso com umas hastes de feto. Sabe que sempre adorei fetos grandes. A ver se consigo ter um, a ver se o mudo para um vaso maior e arranjo um lugar à sombra. Também gostava de ter uma avenca. Um dia ainda hei-de tentar. E também gostava de ter uma orquídea. Mas receio não ser capaz e ter um desgosto grande se a perdesse. Deve ser uma flor de alma demasiado sensível. As rosas são mais carnais. Estas rosas que agora aqui tenho estão bonitas, parece que estão mais vivas. Pelo menos, gosto de pensar nisso, que as flores gostam de mim. Mas de uma orquídea não sei se saberia tratar. Parece-me flor esquiva, cheia de subtilezas, uma flor com alma de gato.
Antes disso, como disse (e deu para perceber através dos posts anteriores), tínhamos estado no campo, eu a varrer, fazer máquinas de roupa, a lavar a casa, a lavar mais três tapetes -- gosto cada vez mais de fazer limpezas, lavagens -- e a ler. Estive a ler parte de «O Rei Faz Vénia e Mata» de Herta Müller que a querida JV um dia me recomendou. Depois passei para outro de que já antes tinha lido uma parte. Pensei ler a partir do ponto em que tinha ficado mas, depois, voltando a sentir o prazer da bela escrita, regressei ao início. Há na inteligente escolha das palavras qualquer coisa de ancestral. Vitorino Nemésio escreve sobre Raul Brandão, «Íntimo».
Como ele saberia aproveitar a medula trágica deste brado do serrano empolgado pela solidão e a penedia -- «braveza, solidão e negrume», como escreve --, ele que chegou a este apuro: «olho para a ilha descarnada pelo vento, tão forte de inverno que o sino tange sozinho, e sinto-me como nunca me senti, isolado do mundo. Que vim eu aqui fazer?»!
O que gostei de ali estar, deitada, sentindo o calorzinho bom do fim de Agosto, lendo um escritor a falar sobre um outro escritor, lendo palavras sobre a casa, os hábitos e algumas peripécias de Raul Brandão. Agradável. Nestes últimos dias voltei finalmente aos livros, e com que prazer voltei.
À vinda, ainda não eram nove da noite e já anoitecia. Os dias parece que se fartaram do verão, fogem para a noite, parece que procuram o outono. E eu pensei nas minhas roupas mais quentinhas, pensei nas minhas écharpes. Tive saudades de me perfumar. Tive vontade de fazer um chá quente e cheiroso.
Tive vontade de me sentar a uma das mesas desta minha casa onde as janelas dão para um jardim -- e começar a escrever.
Penso por vezes que, da minha passagem pela terra, vão sobrar os tapetes que fiz e, talvez, as palavras que tenho escrito e que, se ninguém as tirar do ar, para sempre poderão ficar por aí, pelo espaço, voando ao sabor de quem as procurar.
Je te laisserai des mots
En dessous de ta porte
En dessous de la lune qui chante
Tive vontade de me sentar a uma das mesas desta minha casa onde as janelas dão para um jardim -- e começar a escrever.
Penso por vezes que, da minha passagem pela terra, vão sobrar os tapetes que fiz e, talvez, as palavras que tenho escrito e que, se ninguém as tirar do ar, para sempre poderão ficar por aí, pelo espaço, voando ao sabor de quem as procurar.
Je te laisserai des mots
En dessous de ta porte
En dessous de la lune qui chante
Et quand tu es seule pendant un instant
Embrasse moi
Quand tu voudras
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Ilustrações do Cântico dos Cânticos, das quais as três últimas da autoria de Marc Chagall. Ao som de Je te laisserai des mots de Patrick Watson
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E uma boa semana. Saúde e amor.
1 comentário:
Assim, novas cores, nova luminosidade, a casa agiganta-se como refúgio, como local propício ao descanso, ao retempero e, e … ao cafuné da avó e do bebé.
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