quinta-feira, janeiro 23, 2020

Isabel dos Santos está sozinha no olho do furacão do Luanda Leaks?
Ou, nesta história, dá para brincarem uns com os outros ao 'quem diz é quem é'?
Pergunto.


Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do private banking do EuroBic e o gestor da conta da Sonangol que efetuou algumas das transferências suspeitas no caso Luanda Leaks, foi encontrado com ferimentos graves, na casa de férias da sua família, no dia 7 de janeiro. A notícia está a ser avançada pela TVI, que garante que a Polícia Judiciária (PJ) está a investigar uma possível suspeita de tentativa de homicídio ligada ao caso que envolve Isabel dos Santos. O Observador confirmou a informação junto de uma fonte da PJ, que confirmou não estar excluída a suspeita de tentativa de homicídio.
De acordo com a TVI, Nuno Ribeiro da Cunha foi encontrado pela empregada na casa de Vila Nova de Milfontes com ferimentos graves nos pulsos e no abdómen. À PJ, terá dito ter-se tratado de uma tentativa de suicídio ligada a uma depressão. [...]
(in Observador)

Mas isto nem tem nada a ver com o que escrevi ontem nem com o título deste post, é apenas um fait-divers. E provavelmente não vai despertar a empatia de nenhum dos leitores da notícia, tenha Nuno Ribeiro da Cunha sido vítima de tentativa de suicídio, tenha sido vítima de uma tentativa de homicídio. Quando alguém cai em desgraça, meio mundo pisa e salta a pés juntos em cima --  não só dessa pessoa como de todos os que, de alguma forma, lhe eram próximos. É da natureza humana que, como é sabido, é muito próxima à dos ratos.

No outro dia, em conversa informal sobre estes assuntos (e ainda nem tinha rebentado a bronca que dá pelo nome de Luanda Leaks) alguém me dizia: cuidado com esses meninos, é barra pesada, qualquer dia ainda aparece alguém a boiar no Tejo. Pois. Mas, enfim, como se diz, dizer isso vale o que vale. Mera vox populi.

E, estando eu hoje numa de ideias desencontradas, digo também que seria curioso que os senhores jornalistas e senhores comentadores fossem atrás da dica da Isabel dos Santos sobre quem financiou esta so called investigação. Mas sobre isso não ouço falar. Ora, cá para mim, toda esta intriga ganharia uma dimensão mais interessante se se seguisse também essa linha de investigação. Cherchez la couleur de l'argent.

E, diria eu, também seria curioso saber como exactamente é que a coisa se passou: foram contratados hackers, certo? Seria interessante conhcer quem contratou quem. Contrataram hackers que varreram os computadores de tutti quanti (centenas de milhares de documentos obtidos sabe-se lá em quantas redes informáticas de empresas, escritórios de advogados, conservatórias, bancos e/ou computadores pessoais: escrituras, balanços, balancetes, extractos, mas também relatórios médicos, correspondência privada, fotografias de família ou íntimas, etc)? Pergunto. E nisto, que eu saiba, não é cherry picking: é mesmo pesca de arrasto. Tudo. Copiar tudo o que se apanha. Depois como foi? Foi tudo vendido, bulk, aos jornalistas? Pergunto. E eles, os do tal consórcio de jornalistas? Como 'agarraram' nisso? Com que critério e conhecimentos cruzaram informações entre setecentos e quinze mil documentos das mais variadas proveniências? Dedicaram-se a vagaroso puzzling (e atenção à ambiguidade do sentido da palavra)? Ou ficaram-se pelo que dá parangonas bombásticas? Ou pelo que é conveniente a quem financiou a pirataria? Pergunto. Só pergunto. E, ao varrerem toda a informação dos locais pirateados, o que foi feito ao que não dizia respeito à Isabel dos Santos? Destruíram...? Ou é maná, informação que está guardadinha para um just in case? Para chantagearem A ou B? Para extorquirem dinheiro a C ou D? Para ficarem com E e F na mão...? Etc. Mas, enfim, são meras perguntas. Dúvidas minhas.

E pergunto isto sem pôr em causa o mérito de uma investigação séria que venha a acontecer. A quem confunde as minhas dúvidas com o branqueamento da responsabilidade do que quer que tenha sido feito e que venha a ser provado ser crime, esclareço de novo: não branqueio nem desculpabilizo coisa nenhuma. Apenas, como sempre, reservo-me para acreditar apenas no que é provado ou do que foi constatado em pleno acto. Deformação profissional. Neste como em qualquer caso, antes de ser provado, tudo é apenas uma hipótese. E volto a dizer: face ao que se conhece desse caso (a cultura, os hábitos, a envolvente, a entourage, etc) é provável que tenha havido movimentos tocados pela ilicitude. Portanto, a ser verdade, deve ser fácil de provar. E, se for provado, pois que se faça justiça.

Até lá, cuidado com os juízos apressados e primários, cuidado com o maniqueismo, cuidado com as vistas curtas. Cuidado com os jogos de espelhos. Cuidado com as manipulações.

E cuidado com os ratos que fogem e batem com a mão no peito ou com os histéricos que, quais cães a correr atrás de qualquer osso que se atire, agora rosnam contra a Isabel dos Santos e se esquecem dos outros, dos que estão atrás dos espelhos, ou dos outros de que ninguém fala mas que também têm trazido dinheiro para Portugal cuja origem se calhar também está toldada por ilicitudes ou por atentados aos direitos humanos. 

E volto a dizer: quem agora muito saltita e pipila são os pardais, histéricos com este primeiro punhado de grãos de milho que está a ser atirado. Mas há ainda o que virá a seguir... ou o que nunca se saberá. Oxalá é que a atenção da turbamulta se aguente desperta até lá. E que haja lucidez e não o habitual primarismo que é o terreno fértil de que se alimentam os populistas e os vulgares justiceiros populares.

4 comentários:

Anónimo disse...


A Constituição da República, no seu Artº 32º (Garantias de Processo Criminal), & 8º diz que “são nulas todas as provas que forem obtidas mediante (entre outras actos) abusiva intromissão da vida privada, … , na correspondência, ou nas telecomunicações.”
Todavia, caso determinada informação, com indícios criminais relevantes, chegue às mãos quer da PJ, ou do MP, por exemplo, aquela Polícia de Investigação e/ou aquele Orgão Judicial, têm a obrigação e o dever de o levar ao conhecimento de um Juiz de Instrução a fim de ele mandatar uma investigação à matéria em causa.
No caso de Isabel dos Santos, já existia um Despacho-Sentença (Nº 519/19), Processo Nº 3301/2019-C, emitido pelo Tribunal Provincial de Luanda, Sala Cível E, Administrativo 1ª Secção, datado de 23 de Dezembro de 2019.
E agora, passou-se a uma nova fase, com a constituição de arguida por parte de Isabel dos Santos (o que lhe permitirá poder vir a ter conhecimento daquilo de que é suspeita e acusada, pelo MP angolano – o que é uma defesa para ela, ou seja, é melhor do que não ter sido constituída arguida. Todavia, por esta razão é deste modo possível solicitar, ou emitir, um mandado de captura internacional relativo a Isabel dos Santos).
Deixemo-nos de estados de alma e olhemos os factos com distância e frieza. E eles são claros. Isabel dos Santos foi uma investidora privada tóxica. E uma ladra do seu povo, como ouvi alguém, outro dia, a dizer e muito bem.

AV disse...

Concordo com o comentário que diz: “ Deixemo-nos de estados de alma e olhemos para os factos com distância e frieza”.
Isabel dos Santos nunca foi uma princesa. Tão pouco é uma empresária.
Foi uma pessoa que ficou à frente de uma fortuna colossal, sob a proteção de um regime autocrático regido pelo seu pai, num país em que a maioria da população ainda vive em extrema pobreza.
Isso é o contrário do que um empresário é.
Só não viu quem não quis e só não vê quem não quer.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo,

Não sou eu que tenho estados de alma. Pelo contrário. Tenho é consciência de que apenas sabemos um cagagésimo do que há para saber.

Por exemplo, leia-se isto: https://www.msn.com/pt-pt/noticias/luanda-leaks/luanda-leaks-documentos-apontam-para-desfalque-na-sonangol-em-londres/ar-BBZgBx1

Portanto, a partir do que nos vai sendo dado a conhecer, como decretar o que é a verdade?

Sabe que, quando uma mulher é bonita e rica e, ainda por cima, filha de seu pai, há quem goste de lhe chamar princesa. Agora de uma coisa não duvide: a Isabel dos Santos é muito inteligente e é uma empresária.

Que teve a vida muito facilitada e que, rodeada de facilidades, deve ter usado e abusado dos privilégios que teve, isso ninguém deve duvidar, e que naquele regime há uns, poucos, que têm tudo e outros, muitos, que não têm nada, isso também ninguém desconhece.

E que não terá usado os privilégios para reverter as injustiças sociais também parece ser reconhecido.

Mas o que está em causa, que eu saiba, é saber se roubou a Sonangol e desviou dinheiro para benefício próprio. E isso é a Justiça angolana que tem que provar.

Tudo o resto são assuntos que não nos dizem respeito pois referem-se a uma cidadã estrangeira que pode ter lesado uma empresa estrangeira.

Se também cometeu actos ilícitos em Portugal, também é motivo para investigar.

Tirando isso, se tem uma casa aqui, um apartamento acolá, um iate ou o que for, que eu saiba não nos diz respeito.

Ou diz?

AV disse...

Olá UJM,

Tendo visto intervenções de Isabel dos Santos, inclusivamente em escolas de gestão muito reputadas, não duvido de que ela é inteligente, articulada e muito fluente a falar dos seus negócios. No entanto, tenho alguma divergência em relação à ideia de que ela é uma empresária.

Usa-se muito a noção de empresária/o em relação à capacidade de gerar lucro e não está em dúvida que IdS a teve e muito. Mas uma empresária não se define só por isso. É uma pessoa que visa o lucro, correndo riscos. Um outro elemento (menos central, admito) em relação à noção de empresário é a capacidade da ação empresarial em gerar desenvolvimento económico.

O que tem vindo a público sobre a forma como IdS construiu a sua fortuna não parece revelar essas duas características adicionais:
1. os riscos que correu tiveram como base usar recursos e capitais de empresas nacionalizadas pelo seu pai, à frente das quais ele a pôs, muitas vezes demitindo outros, e
2. os lucros que gerou foram (alegadamente) desviados para empresas sediadas no estrangeiro sob o seu controlo ou sob o controlo do marido, e não reenvestidos nas empresas nacionalizadas inicias nem na economia nacional.

A ser assim, não é uma empresária - mas poderá ser outras coisas.

Ela nega tudo isto, claro. E acredito que ela acredite que conseguiu tudo com base nas suas qualidades, incluindo ‘empresariais’.

Um bom fim-de-semana.