Os dois manos agora têm uma brincadeira nova, mais maluca ainda do que as anteriores. Chama-se Espasmo. A todo o instante levantam o braço, batem no outro ou alçam da perna e dão uma sapatada e, acto contínuo, dizem: Espasmo. Como é óbvio não percebi que brincadeira era aquela. Afinal era mesmo óbvio: faz de conta que temos um espasmo. A minha filha confirmou: é isso mesmo que parece: uma estupidez. A verdade é que com isto estão sempre às brigas. Tudo amistoso mas sapatada pede sapatada de volta e, às tantas, os espasmos estão acesos. Mas tudo na base da risota.
Estava era muito frio, escuro, a querer piorar. Apesar de tudo, linda a beira do rio, as gaivotas a rasarem a pala do Maat, a rasarem as águas, a elevarem-se em contrluz, a deslizarem sobre o vento. E a luz a passar pelas nuvens.
Mas mesmo muito frio. Tivemos, pois, que nos abrigar e foi bom irmos lanchar um lanchinho bom, conversando em família.
Antes de almoço tínhamos estado, só os dois, junto ao mar. Tínhamos pensado caminhar na praia mas, uma vez lá chegados, desatou a chover e levantou-se uma ventania. Saímos do carro mas não por muito tempo. O mar estava francamente revolto e o frio e o vento tornavam a tarefa quase impossível. Tinha levado o meu chapéu de feltro e estava a saber-me tão bem ter a cabeça protegida mas, para não correr o risco de ficar sem ele, tive mesmo que abrir mão do conforto. E o que aconteceu é que, com alguma pena minha, nem chegámos a descer até ao areal.
Quando vinha no carro, debaixo daquele mau tempo, a ouvir uma bela música, lembrei-me que debaixo daqueles grandes pinheiros mansos que nascem do areal fizemos, em tempos, vários picnics. Éramos cinco casais e, na altura, uns sete ou oito miúdos. Depois vieram mais, um por adopção e outros por nascimentos imprevistos, quando as respectivas mães pensavam que já tinham fechado a loja. Uma andou a tratar-se do estômago até a criança já ir para aí nos seis meses de gestação. Depois ficou em pânico com medo que os medicamentos lhe tivessem feito mal, isto já para não falar de ser mãe tardia e nem ter vigiado o início da gravidez. Felizmente, veio sem problemas de maior.
Mas, na altura, aquele primeiro lote de crianças tinha idades muito afins. E era uma paródia pegada.
Depois acabámos por perder aquela ligação próxima. Os miúdos ganharam vida própria e um tinha testes, outro tinha uma festa de anos, outro tinha um jogo. Eram muitos e conseguir agenda livre em simultâneo era um totoloto. Entretanto, quando vieram os bebés, os outros já adolescentes e com amigos e programas autónomos, estavam as mães a ter que 'guardar' em casa os bebés com viroses, com dentes a nascer. E isto, quando passa um mês e não se consegue e outro e não se consegue, o hábito vai-se perdendo. E depois, pelo meio, aconteceu uma coisa fracturante. Um dos casais que era central, até pela animação que proporcionava (animação, frequentemente, no mau sentido) separou-se. Foi muito complicado. Não era fácil estar com um e deixar o outro de fora das combinações. Resolvemos 'ficar' com ele porque ele existiu antes dela, já que, anos antes, ela apareceu no grupo como a namorada dele. Só que ele nos desnorteava pois, de cada vez que nos aparecia, vinha com uma namorada nova. Uma coisa louca. Para nossa surpresa, constatávamos que a ele, low profile, fisicamente até nada de mais, lhe caíam namoradas no colo como se fosse um galã. E não avisava. Combinávamos ir jantar e, por exemplo, encontrar-nos em casa dele e, pelo caminho, já íamos a pensar se seria a mesma. E nunca era. E ele, sempre o mesmo tímido, irónico, falinhas baixas e elas derretidas, olhando-o como se estivessem frente a um Brad Pitt desta vida. Embora, pensando bem, ele faz é lembrar o Al Pacino. Quando era casado, a mulher mais alta que ele, giríssima, interessantíssima, roía-se de ciúmes embora dissesse que o tinha escolhido por ele ser feio (e dizia-o à frente dele) e, assim, não ter que ter medo que as mulheres se perdessem de amores por ele. Enfim, umas cenas que nos divertiam e ajudavam a tornar o grupo ainda mais coeso em torno daquele casal meio disfuncional, sempre na corda bamba. E o que se passou foi, portanto, que aquele divórcio ainda mais ajudou a separar o grupo.
Mas, na altura, aquele primeiro lote de crianças tinha idades muito afins. E era uma paródia pegada.
Depois acabámos por perder aquela ligação próxima. Os miúdos ganharam vida própria e um tinha testes, outro tinha uma festa de anos, outro tinha um jogo. Eram muitos e conseguir agenda livre em simultâneo era um totoloto. Entretanto, quando vieram os bebés, os outros já adolescentes e com amigos e programas autónomos, estavam as mães a ter que 'guardar' em casa os bebés com viroses, com dentes a nascer. E isto, quando passa um mês e não se consegue e outro e não se consegue, o hábito vai-se perdendo. E depois, pelo meio, aconteceu uma coisa fracturante. Um dos casais que era central, até pela animação que proporcionava (animação, frequentemente, no mau sentido) separou-se. Foi muito complicado. Não era fácil estar com um e deixar o outro de fora das combinações. Resolvemos 'ficar' com ele porque ele existiu antes dela, já que, anos antes, ela apareceu no grupo como a namorada dele. Só que ele nos desnorteava pois, de cada vez que nos aparecia, vinha com uma namorada nova. Uma coisa louca. Para nossa surpresa, constatávamos que a ele, low profile, fisicamente até nada de mais, lhe caíam namoradas no colo como se fosse um galã. E não avisava. Combinávamos ir jantar e, por exemplo, encontrar-nos em casa dele e, pelo caminho, já íamos a pensar se seria a mesma. E nunca era. E ele, sempre o mesmo tímido, irónico, falinhas baixas e elas derretidas, olhando-o como se estivessem frente a um Brad Pitt desta vida. Embora, pensando bem, ele faz é lembrar o Al Pacino. Quando era casado, a mulher mais alta que ele, giríssima, interessantíssima, roía-se de ciúmes embora dissesse que o tinha escolhido por ele ser feio (e dizia-o à frente dele) e, assim, não ter que ter medo que as mulheres se perdessem de amores por ele. Enfim, umas cenas que nos divertiam e ajudavam a tornar o grupo ainda mais coeso em torno daquele casal meio disfuncional, sempre na corda bamba. E o que se passou foi, portanto, que aquele divórcio ainda mais ajudou a separar o grupo.
Ao passar por ali, pensei que há tanto tempo que não íamos para aqueles lados, como se os lugares estivessem associados às pessoas que os frequentam.
Tive vontade de lá voltar para, com melhor tempo, ver melhor. Já deu para ver que o que antes eram umas aldeias esparsas são hoje condomínios e condomínios, vivendas e moradias e, pareceu-me, uma certa confusão. Mas talvez andando a pé fique com uma ideia mais benevolente.
Ao passarmos de carro, vimos um casal que vinha da praia, a pé, à chuva. Vinham a conversar. Provavelmente tinham uma casa ali perto. Pensei na Isabel e no seu gosto em vir a ter uma casa ao pé da praia. Como a compreendo. Também eu, em tempos, o desejei. Desejava ter uma casa como a que que havia encavalitada nas rochas, salvo erro entre a Figueirinha e Galapos. Tinha uma escada que descia directamente para a areia. Talvez hoje não autorizassem a construção de uma casa assim. De resto, não faço ideia se tinha sido autorizada. Era uma boa casa e era uma casa de sonho, mesmo sobre o mar. Tinha um passadiço da estrada para a casa. Imagino como deve ser bom estar numa casa assim, ouvindo-se as vagas, a dança das ondas, o rugido das marés em dias de tempestade. Ou descer para a praia, a meio da noite, em dias de calor e lua cheia. E o cheiro da maresia, tão bom.
Quando andávamos à procura de uma casa no campo, isto há mil anos, chegámos a equacionar ser também perto da praia. Ouro sobre azul. Mas eram muito caras.
Depois de muito procurarmos e de vermos inúmeras, encantámo-nos por aquela ali, triste e escura, ainda com os móveis dos proprietários (também divorciados) que diziam que lá deixavam tudo, no meio de pedras e mato e rasteiro. Qualquer coisa ali nos atraíu irresistivelmente. Os miúdos puseram-se a correr pela casa, num entusiasmo, e a minha filha disse este é o meu quarto e o meu filho disse e este é o meu. E eu pensei tiro este móvel escuro e triste daqui e mudo o sítio dos móveis e tudo vai ficar diferente e o meu marido disse também de sua justiça. E eu pensei e vou plantar árvores porque aqui vai haver um bosque. Quando se riam, eu doseava a expectativa: um petit bois. O pior foi quando o meu cunhado lá chegou a olhando para aquilo de que nós já começávamos a gostar tanto e, naquele gesto tão típico dele, deslizou a mão pelo ar a meia altura, como que varrendo o espaço, e disse: 'deitam abaixo esta merda toda para conseguirem uma leitura diferente do espaço'. Bem conhecedora daquelas suas soluções que passavam sempre por deitar abaixo, fui taxativa: nem pensar, não vai nada abaixo, era o que faltava. Nem era só pelo acto em si, era também o dinheiro que aquilo que ele estava a idealizar ia custar. Mas aí o meu marido teve outra ideia, fez outros desenhos, unir aquilo com aquilo, rasgar uma grande janela, dali nascer um telheiro virado à serra. O irmão desaprovou: solução mediana quando poderia ser uma coisa fantástica. Paciência.
Ficou assim e acabou por reconhecer que foi uma boa solução.
E aos poucos foram nascendo os caminhos, os murinhos, as árvores foram crescendo, os pássaros foram chegando, as flores aparecendo, as borboletas, os cogumelos, a terra ficando atapetada de carumas, de musgos, de orvalhos. E eu tornei-me o bicho que tão bem conhecem.
Depois de muito procurarmos e de vermos inúmeras, encantámo-nos por aquela ali, triste e escura, ainda com os móveis dos proprietários (também divorciados) que diziam que lá deixavam tudo, no meio de pedras e mato e rasteiro. Qualquer coisa ali nos atraíu irresistivelmente. Os miúdos puseram-se a correr pela casa, num entusiasmo, e a minha filha disse este é o meu quarto e o meu filho disse e este é o meu. E eu pensei tiro este móvel escuro e triste daqui e mudo o sítio dos móveis e tudo vai ficar diferente e o meu marido disse também de sua justiça. E eu pensei e vou plantar árvores porque aqui vai haver um bosque. Quando se riam, eu doseava a expectativa: um petit bois. O pior foi quando o meu cunhado lá chegou a olhando para aquilo de que nós já começávamos a gostar tanto e, naquele gesto tão típico dele, deslizou a mão pelo ar a meia altura, como que varrendo o espaço, e disse: 'deitam abaixo esta merda toda para conseguirem uma leitura diferente do espaço'. Bem conhecedora daquelas suas soluções que passavam sempre por deitar abaixo, fui taxativa: nem pensar, não vai nada abaixo, era o que faltava. Nem era só pelo acto em si, era também o dinheiro que aquilo que ele estava a idealizar ia custar. Mas aí o meu marido teve outra ideia, fez outros desenhos, unir aquilo com aquilo, rasgar uma grande janela, dali nascer um telheiro virado à serra. O irmão desaprovou: solução mediana quando poderia ser uma coisa fantástica. Paciência.
Ficou assim e acabou por reconhecer que foi uma boa solução.
E aos poucos foram nascendo os caminhos, os murinhos, as árvores foram crescendo, os pássaros foram chegando, as flores aparecendo, as borboletas, os cogumelos, a terra ficando atapetada de carumas, de musgos, de orvalhos. E eu tornei-me o bicho que tão bem conhecem.
Por isso, penso que, se calhar, as casas também nos fazem a nós. Talvez se, em vez daquela casa, nós tivéssemos descoberto uma outra que não nos permitisse mudá-la e, com ela, mudar a paisagem, talvez não fossemos o que hoje somos.
Mas acordar de manhã e ir caminhar à beira do mar também deve ser uma coisa boa, talvez eu aprendesse a descobrir conchas, algas, pássaros e outros bichos que moldassem também a minha maneira de ser. Sabe-se lá.
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Já aqui partilhei este vídeo pelo menos mais duas vezes mas gosto tanto que me arrisco a partilhar uma vez mais.
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E só para vocês verem como é a minha fraca cabeça: quando comecei o post a minha ideia era olhar para os livros que aqui tenho quase ao colo e dizer qual ofereceria a cada um dos bloggers aqui do lado ou Leitores que conheço por comentarem ou me enviarem mails. Mas, se isto dá para perceber..., distrai-me e segui pelo caminho que viram. Se isto fosse na estrada, a esta hora estava a caminho do Porto. (E estava muito bem que já estou é com saudades de lá ir dar uma volta.)
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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
E muito obrigada pela vossa companhia aí desse lado.
5 comentários:
“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam”. Acredito que da mesma forma que há espaços a que dizemos ‘é isto’, os nossos espaços e o que fazemos deles também nos fazem.
Ahahah, essas brincadeiras normalmente duram umas semanitas, mas vai na volta ressurgem uns tempos depois.
É curiosa essa sua descrição do local onde faziam piqueniques, faz-me muito lembrar a zona de Vale de Janelas (Óbidos), hoje conhecida por Praia d'El Rey, que era uma área meio selvagem e a partir de meados dos anos 90 foi se tornando naquilo que é hoje.
Ainda me lembro bem dessa zona antes dos empreendimentos da Praia d'El Rey, à praia eu chamava de Praia das Melgas, na realidade era dos Belgas, pois era a origem dos primeiros investidores na área que fizeram construir, no início dos anos 70, uma série de apartamentos em escada e um "beach club" com Piscina, Bar e Restaurante (demolido há cerca de 10 anos, infelizmente). Esta zona é bem conhecida desde então para a minha família próxima, pois uma amiga de uma das minhas tias recebeu um Ap. de presente e por várias vezes iam para lá passar fins-de-semana ou alguns dias.
As suas fotos estão lindas, a do mar com vegetação em primeiro plano e a que tem alguns rochedos visíveis fazem muito lembrar a paisagem aqui perto de casa.
Uma riquíssima semana.
Olá AV,
Também acredito nisso. Com esta casa onde agora estou aconteceu o mesmo. Vi a casa e senti imediatamente que estava à minha espera, Foi um processo tão curioso... Já aqui o contei. O dono não queria vender. Andei atrás dele, quis tanto, tanto. Uma casa mesmo a querer que eu a habitasse. Moldamo-nos, sim, ao espaço e o espaço a nós. E eu acho isso fantástico.
Gostei do que escreveu. Identifiquei-me completamente.
Dias felizes, AV.
Olá Francisco,
Não. São as praias do Meco e o pinhal a que me refiro é nas redondezas da Lagoa da Albufeira. Uma zona de campo em que, em alguns bocados, conserva o ar de campo. Mas antes era campo até à praia, agora são condomínios e moradias e comércio quase até à praia. As praias que eram selvagens parece que continuam selvagens mas há grandes parques de estacionamento. Não sei de onde aparece tanta gente para haver tanta casa.
A Praia d'El Rey também era assim, do que me lembro, mas tenho ideia de que não tinha aquelas falésias altas, pois não? Tenho mais ideia de areal. Mas posso estar a fazer confusão.
Temos um país muito bonito, tantos lugares tão bonitos.
Uma bela terça-feira, Francisco!
Eu sabia que não era aqui, mas tem parecenças as falésias com a minha freguesia entre a Foz e Salir do Porto.
Vale de Janelas/P. D'El Rey não se caracteriza tanto pelas falésias como disse.
Bom serão!
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