by Tim Wlaker |
No outro dia uma menina do escritório cruzou-se comigo, apressada, e eu também apressada, de entrada para uma reunião, e disse-me: a Cláudia tem uma pergunta para lhe fazer. De passagem pela secretária da Cláudia, abrandei o passo e perguntei-lhe o que era. Estava sentada mas rodou na minha direcção, chegando-se à frente para me segurar nos braços e perguntar: 'Cheira sempre tão bem... Mas ontem, então, deixou um cheirinho tão bom... Mesmo. Quando entrei na sala onde tinha estado, senti aquele cheirinho que pensei logo que tinha que ganhar coragem para lhe perguntar qual era o perfume'. Pensei um bocado e disse-lhe. Pela expressão, vi que nunca de tal tinha ouvido falar. De facto, é pouco divulgado.
Sou incapaz de sair de casa para o trabalho sem me perfumar. Que me lembre, nunca me esqueço. Dos brincos já me esqueci. Ainda no outro dia. Estava carregada de coisas e, ainda por cima, com sombrinha. Tinha umas calças pretas e uma camisa também preta com flores azuis. Levava uma écharpe também preta e também com flores azuis mas num azul mais forte que o da camisa. Olhei para mim no elevador e reparei que me tinha esquecido dos brincos. Olhei para o relógio. Ficaria apertado se voltasse a casa. Consolei-me: não tenho brincos mas tenho o piercing, sempre dá um ar de sua graça, e, além disso, o contraste das flores azuis sobre fundo preto talvez seja motivo suficiente para disfarçar. Quando cheguei à rua, ao fazer o movimento de passar o casaco de um braço para o outro, on the fly (como soi dizer-se), reparei que o colar que tinha posto puxava para o turquesa e não para o alfazema como o azul das flores da camisa. Foi um sobressalto. Impossível ir assim. Se há coisa a que sou excessivamente sensível é à harmonia cromática. Furiosa, dei meia volta e voltei a casa. A luz artificial é traiçoeira para estas nuances. A correr, mudei de colar e, claro está, aproveitei para resolver a outra lacuna: coloquei uns brinquinhos mínimos, duas bolinhas de azulinho transparente.
Coisas que acontecem. Pode parecer que são coisas que não interessam para nada mas é ilusão: interessam e muito. Se vou com alguma coisa que não me parece bem, é razão suficiente para ficar a tender para o indisposto e, com isso, o dia pode ficar irreversivelmente toldado e, lá está, pode até haver o risco de, com a minha indisposição, toldar o dia a quem não tem nada a ver com o assunto. É, em ponto pequeno, aquilo da borboleta que espirra na China e o gato no Chile, sem saber por quê, ficar com o pelo eriçado.
Coisas que acontecem. Pode parecer que são coisas que não interessam para nada mas é ilusão: interessam e muito. Se vou com alguma coisa que não me parece bem, é razão suficiente para ficar a tender para o indisposto e, com isso, o dia pode ficar irreversivelmente toldado e, lá está, pode até haver o risco de, com a minha indisposição, toldar o dia a quem não tem nada a ver com o assunto. É, em ponto pequeno, aquilo da borboleta que espirra na China e o gato no Chile, sem saber por quê, ficar com o pelo eriçado.
E também escolho o perfume em função do dia, de como vai ser o programa de festas, da roupa que visto, da disposição que antecipo: o perfume é uma peça relevante do cenário que monto em mim.
Aos poucos, tenho-me vindo a transformar. Depois da extrema lealdade, agora vario completamente. O Nº 5 continua o ser o special one até porque, em mim, se transforma de uma maneira que me agrada muito. Não é pesado, não é quente, não é cansativo. Pelo contrário, é leve, subtil, íntimo. Tenho lido muito sobre perfumes e sei que os perfumes são diferentes, ou melhor, evoluem diferentemente ao longo do dia, consoante a pele em que pousam. Mas a partir do momento em que comecei a ousar, primeiro dentro dos Chanel, depois com um que consumi com o maior prazer e que infelizmente deixou de ser comercializado (pelo menos nas perfumarias que costumo frequentar), o She Wood da DSquared2, fui-me libertando.
for Bulgari |
Creio que já contei: no outro dia, deixei-me tentar por um da Elizabeth Arden: figo e chá verde. Uma coisa... Invulgar e, no entanto, de tal maneira cativante...
Reza assim a sua descrição:
Inspired by the lusciously sweet fruit, Elizabeth Arden Green Tea Fig takes you to a rustic countryside full of sparkle, warmth and laughter. A burst of Clementine, Green Tea Accord, Kadota Fig, Violet Leaf and Musk wrap you in the refreshing simplicity of this musky fruity floral. Green Tea Fig. Delight your senses.
E só estas palavras já contêm, em si, o perfume de todo um bouquet de emoções. Isto dos perfumes é uma arte. Cada vez mais acho isso.
Penso que é por descender dos bichos do interior da terra que tenho os sentidos todos muito activos.
Nunca me deu para me doutorar e acho que nunca dará. Não teria paciência para perseguir um tema, um único tema, e aprofundá-lo, dissecá-lo, mumificá-lo, transpô-lo para um texto encavalitado por números e deitado sobre um rodapé sempre pejado de anotações que não são senão a ferramentaria transformada em bibelot. Coisa boa para gente paciente e muito dada ao intelecto, coisa que duplamente não sou. Eu é mais sentidos. Os seis.
© Gabriella for Vogue IT |
Há bocado vi um artigo que pensei que me ia interessar: Il rapporto fra profumi, libri e letteratura. Mas não, nada do que eu pensaria. Estabelecer uma relação entre literatura e perfumes parece-me uma boa ideia mas uma coisa mais na base de um quizz. A gente dizia os livros de que gosta e um algoritmo adivinhava qual a fragrância que melhor nos assenta. Fiz agora uma pesquisa e há vários quizz para identificar a fragrância que melhor nos assenta mas tudo na base da banalidade, nada na base das preferências literárias. Portanto, o artigo desiludiu-me: é chato e não me traz dicas interessantes.
Um blog que gosto de espreitar é o Bois de Jasmin. Tudo ali é de bom gosto. E depois há muita gente a comentar, com conversas curiosas, todo um mundo.
Há muitos mundos paralelos. A todo o momento me apercebo disto. Habitamos o mesmo planeta, um planeta em exaustão, mas, sabe-se lá como, ainda assim conseguimos habitar mundos diferentes, mundos que se ignoram e que, na maior parte das vezes, se excluem mutuamente. Eu não sei bem qual o meu mundo. Talvez um limbo resultante da intersecção de vários outros mundos.
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Hoje estou assim, sem energia. Durante estes dias, muita gente enervada à minha volta, embora alguns negando-o, dizendo que estão tranquilos, um ou outro provavelmente naquilo que dantes se dizia que era esgotamento -- e que agora se internacionalizou para burnout -- a chorar compulsivamente à minha frente, e, em cima disso, muita decisão para tomar, muitas vezes ter que fechar os olhos para não arranjar chatice e bola para a frente, e, ao mesmo tempo, em alguns aspectos, muita indefinição, muita procrastinação -- ou seja, alguma canseira.
by Tim Wlaker |
E, para ajudar à festa, um mau jeito que me traz dores. Ontem à noite, ao preparar-me para sair do carro, já a segurar na tralha que ia transportar, toca-me o telefone. E que é dele? Estiquei-me para o lado, para baixo e para o lado, para trás, em diagonal, toda esticada a apalpar até onde o braço atingia. Até que o telefone se calou. Felizmente, a seguir veio nova chamada e baixando-me mais, para perceber de onde vinha o toque, lá o descobri. A seguir a esses alongamentos forçados, foi vir carregada para casa. Conclusão: algum dos músculos que se esticou não gostou da ginástica.
Vou tomar um ben-u-ron e vou dormir a ver se, durante o sono, os músculos de desensarilham. Hoje não estou nos meus dias. Que me desculpem os autores dos comentários mas hoje não vai dar. Logo hoje que são tantos e tão bons, tão sumarentos. Mas, para mal dos meus pecados, hoje não dá mesmo.
Mas, para que não sintam que aqui vieram para nada, permitam que partilhe convosco dois vídeos de Jonna Jinton, aquela jovem que vive uma vida que deve ser uma maravilha, num lugar fantástico. Este de colocar as pedras (que me faz lembrar aquele senhor que está ali no Terreiro do Paço, à beira de água) dá-me vontade de, lá in heaven, ir experimentar. Parece-me uma coisa muito interessante.
E este do banho no gelo também me parece uma boa coisa, bonito, embora não me imagine a ter tal coragem. Fogo...
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E é isto. Peace and love, minha gente.
4 comentários:
Como mulher que escolheu fazer um doutoramento, não percebi a incompatibilidade entre ele e o uso do perfume...Isso não será um bocadinho preconceito? As mulheres que gostam de se enfeitar não podem também gostar de aprofundar conhecimento(s)? Não senti nada do que diz sobre o doutoramento, de facto é um esforço e todo o esforço dói, mas também temos o prazer de descobrir, saber mais, contactar pessoas que sabem, desafiar-nos a nós próprias, olhe, pode ser um grande prazer...e podemos na mesma usar perfume:)
~CC~
“Nunca me deu para me doutorar e acho que nunca dará. Não teria paciência para perseguir um tema, um único tema, e aprofundá-lo, dissecá-lo, «mumificá-lo» (!), transpô-lo para um texto encavalitado por números e deitado sobre um rodapé sempre pejado de anotações que não são senão a ferramentaria transformada em bibelot (!). Coisa boa para gente paciente e muito dada ao intelecto (!), coisa que duplamente não sou. Eu é mais sentidos. Os seis.”
2. Esta sua posição e misto de definição do que é um doutoramento chega a chocar, UJM! Mais vale sermos honestos, nestas coisas, e dar outras explicações: “ou porque não quis fazer o doutoramento, ou porque tal lhe exigia demasiada entrega, que eu não estava ou não podia dar, ou porque não seria capaz de conseguir uma nota alta, ou porque não estava interessada, etc, etc e tal.
Tal como coloca a questão, fica a impressão de querer desvalorizar o doutoramento, o que é estranho e pouco compreensível.
Nestas coisas mais vale ir-se “strait to the point” e dizer que simplesmente não se quis tirar um doutoramento (ou não se era capaz, ou outra coisa qualquer – o que nada tem de mal!). Ou então nem se mencionar tal. Porquê revelar isso, essa desistência, ou desinteresse, nesses termos, tão pouco elegantes?
“Mumificá-lo”??? “transpô-lo para um texto »encavalitado» (!) por números…”ferramenta transformada em Bibelot” (!)
“Coisa boa para gente paciente e dada ao intelecto (!)”…”coisa que –duplamente – não sou, eu é mais os sentidos, seis (!)”
Que Diabo, mas que lhe passou na cabeça para dizer tais coisas? Eu tenho, quer familiares, quer amigos, quer filhos de amigos, que – esforçada e empenhadamente – tiraram um mestrado e depois um Doutoramento, o que só os valoriza nos seus “curricula”, e até a eles/elas próprios, pessoalmente. Houve ali muita entrega, muito estudo, muita dedicação, muita investigação, muita pesquisa e muitas horas com pouco sono, etc.
E depois, estas opções, como no caso daqueles que me são mais próximos, só lhes trouxe vantagens...no plano profissional!
P.
~CC~ fartei-me de rir com a expressão da sua perplexidade. Até fui reler o que escrevi pois já nem me lembrava bem. Releve. Estava sem me poder mexer, nem os neurónios. Mas a explicação está no post que acabei de escrever. E uma friday sem compras nem sequer um perfuminho, ouviu, senhora doutora perfumada...?
P. (creio que Rufino): esticou-se um bocadinho na sua perplexidade, certo, P.?
Um dia feliz a ambos!
Ah, ah...releve:) Claro que sei do que fala, há pessoas escravas da sua vida profissional, creio que é mais essa a questão.Venham os seis sentidos! E o fds!
~CC~
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