domingo, setembro 22, 2019

Que fazer quando a nossa casa está em chamas?





Seria fácil se a solução estivesse apenas na florestação. Mas, infelizmente, não é bem assim. Florestar é importante, muito importante, mas, tal como se refere no vídeo que partilhei no outro dia (o segundo do post), não haveria superfície terrestre suficiente para todas as árvores necessárias para produzir o efeito indispensável. Além disso, não é qualquer árvore, em qualquer sítio. É preciso muito, muito mais que isso. 

A questão é complexa: a globalização pôs as coisas a percorrerem longas distâncias. Queremos muita oferta, muito barata. Para isso, os produtores fazem o que podem. Onde são produzidas as peças de roupa que compramos na Zara ou em qualquer outra grande marca? No Paquistão, no Chile, onde calhar. E as matérias primas para fazer essas peças? Sabe-se lá de onde vêm. Da Índia, de Marrocos, you name it. Tudo percorre grande distâncias. Compra-se a matéria prima onde for mais barata, transporta-se de lá, leva-se até onde a mão-de-obra for mais barata, depois transporta-se de lá até onde existir consumo. E quem diz roupas, diz ténis, diz carteiras, diz brinquedos, diz electrodomésticos...  diz quase tudo. 


E as empresas e demais organizações, para terem escala e 'eficiência', têm que ter os serviços centralizados e as pessoas que antes estavam noutras repartições mudam de local de trabalho, se calhar ficando a quarenta ou cinquenta quilómetros da sua residência e para a qual terão que se deslocar pendular e diariamente, usando transportes, tantas vezes viatura individual.
E não me ponho de fora. Não, sou um dos pequenos seres que, em toda a linha, se integra nesta cadeia. 
E, por isto, aquilo ou o outro, a poluição aumenta, aumenta, aumenta.

E isto já para não falar no crédito fácil e nos hábitos de consumo que fizeram com que as cidades fossem devoradas pelos carros. Um carro para a mãe, outro para o pai, outro para cada filho.

Ou o crédito também fácil para viajar que criou a procura necessária para as viagens de avião low cost com os aeroportos saturados e os ares cheios de ruído e porcaria.


E os hábitos da picanha brasileira, da carne argentina, e os restaurantes de all you can eat cheios de carnes e enchidos e trinta por uma linha vindos sabe-se lá de onde mas, certamente, de longe... e tudo a oito ou nove euros. E, portanto, tudo tem que ser barato pelo que os criadores de gado têm que baixar o preço da carne, ter muitas cabeças de gado e, para isso, têm que ter espaço e vá de acabar com florestas. E isso e o escambau, porque estou a dar meros exemplos mas isto é generalizado.

E é tudo descartável porque não é prático andar a aproveitar coisas, ter que lavá-las. Nem se vendem coisas a granel. Mais simples e barato tudo de plástico. E como não? Como compraríamos o gel de banho, o detergente, o shampoo, a água, tudo, tudo, tudo? E tanta coisa que não se recicla, que vai para o lixo, ficando por aí, poluindo mares, terras.

E nem falo da indústria que, por cá, vai sendo menos poluente mas que, em tantas partes do mundo, é criminosamente poluente. Tintas, resinas, metais pesados, produtos altamente poluentes a irem para os leitos de rios ou para a atmosfera. Em tanto lado.


E tudo nas nossas vidas é assim. Não é de hoje nem de ontem. Tem sido uma longa e estúpida trajectória. 

E nem falo da maior derrota dos nossos tempos, esse flagelo, essa dor que nos crava o coração de mágoa e impotência, essa tragédia que são os desgraçados bandos humanos às portas do mundo dito civilizado, gente que foge à guerra (alimentada pela sinistra indústria de armamento e fomentada pelos mais funestos e gananciosos exemplares da espécie humana, gente que se alimenta de petróleo e de todo o tipo de sórdidas ambições), gente que foge à seca, à fome, a um destino miserável -- deixando para trás terras esventradas ou ressequidas ou mortas.

Por isso, agora que o planeta está como está, a nossa casa em chamas, não é uma medida -- uma medida única, avulsa, voluntarista --  que resolve o que quer que seja. Têm que ser muitas. E bem estudadas, articuladas, planeadas. É toda uma civilização que tem que fazer a agulha num outro sentido.


De novo partilho um vídeo que me parece bem feito, apelativo, credível.

David Attenborough, Greta Thunberg and Jane Goodall 

want to talk to you about climate change


Todos somos poucos para, através de uma consciencialização colectiva, tentarmos ajudar a mudar este triste estado de coisas.
Que cada um de nós seja porta voz desta consciência, desta vontade de salvar o planeta, de nos salvarmos a nós próprios.


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No outro dia falei do espaço e ainda não é hoje que explico porque o digo (digo apenas que se é sabido que dos céus nos vem a luz e o vento -- aproveitados, entre outras coisas, através das fotovoltaicas e das eólicas -- não nos esqueçamos que é também de lá que nos vem a chuva que pode ser estimulada).

Mas hoje falo também do mar. E se Portugal tem mar... Note-se: não é a solução. Mas pode ser uma das soluções. veja-se como um exemplo das muitas possíveis soluções que, volto a dizer, cientificamente estudadas, articuladas, planeadas, etc, podem vir a contribuir para mudar a trajectória de destruição que estamos a percorrer.

This incredible underwater farm could be the future of food



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Fotografias feitas este sábado in heaven nas quais se pode ver uma abençoada amostra de chuva. 

Lá em cima, nuns belos jardins australianos, é o concerto N°24 na interpretação de Piotr Anderszews

6 comentários:

Anónimo disse...

«E se muitos mais como ele ( HFord ) forem levantando a voz e se a mobilização for relevante, anormais como Trump ou Bolsonaro -- que desprezam o ambiente, a ciência, que não estão nem aí para as alterações climáticas -- sentir-se-ão mais isolados e com menos força para as suas criminosas políticas.»

Sem dúvida, UJM. São importantes vozes como a de HFord. Ou como a de Leonardo diCaprio, que há tempos nos fez saber que tinha deixado de usar jacto privado e instalara paineis solares nas suas casas para ajudar a combater o AGW. Gostava de lhe seguir o exemplo, mas...

Peço desculpa pela ironia, que o assunto é sério.Exactamente por ser sério, é que gostava de ver este debate ser conduzido de forma séria. Ora quando se mistura politica ambiental ( catastrófica em inúmeras frentes ) com ciência climática, o resultado tende a resvalar para o anedótico. E isso não me parece que seja bom nem para o ambiente nem para a ciencia.

No seu post anterior a UJM publica um gráfico de barras com a evolução das temperaturas desde mil oitocentos e qq coisa. Mas cuidou de saber se os instrumentos,os métodos, e os locais de recolha, se mantiveram idênticos, de forma a não contaminar o comparativo ? Teve uma palavra critica quanto ao facto de a alegada reconstituição ter tido inicio no final de um perido climático particular que ficou conhecido por Little Ice Age (LIA) ? Comparou a actual subida das temperaturas com as do Periodo Quente Medieval ( MWP) ? Encontrou quem explique ( que explique, sublinho ! ) a génese da LIA ou o MWP ? Se não, pq decide dar crédito à explicação CO2 para este perido de aquecimento climático em detrimento de outra hipotese ?

Resumindo. Há ( ainda ) demasiada ignorância em redor das dinâmicas climáticas. Mas relativamente aos impactos de más politicas ambientais sobre a água, os solos, o ar, a fauna e a flora, eles são evidentes desde há décadas e estão bem documentados por todo o lado. Misturar os dois debates só serve para dispensar os responsáveis directos por erros politicos grosseiros das suas responsabilidades. Quando se constrói dentro de ribeiras ou sobre a costa, não é preciso que o clima mude para que as coisas corram mal. Quando se opta por comprar lá fora o que se come cá dentro, dando lugar ao abandono do campo, não é preciso que o clima mude para que tudo arda. Não foi o clima quem nos plastificou a vida nem quem fez dos mares depósito do lixo que produzimos. Não é o clima quem obriga a que cada telemovel tenha de ter um carregador de modelo diferente. Os exemplos não acabam. E é lamentável o recurso a idiotas úteis ´( Trump ou Bolsonaro )para bodes expiatórios de responsabilidades pessoais e colectivas de todos e de cada um. Ou acha mesmo que são os acordos das cimeiras do clima que vão alterar as práticas de consumo alimentar, de férias, de energia, de ( name it..), instaladas ?

Cump.

MRocha






Anónimo disse...

Um pequenissimo exemplo das contradições humanas.

Quando me deparo com laranjas sul-africanas vendidas nas grandes superficies de Faro (Pingo Doce, Auchan, Continente e Minipreço)) ao dobro do preço das laranjas algarvias e de qualidade muito inferior, pergunto-me se alguem já realizou o que anda a fazer...

Anónimo disse...

Pois, também acho graça aos "amigos do ambiente" que não estão dispostos a comprar roupa que não em Zaras, Stradivarius, Primarks... Que compram carne de porco importada. E de vaca. E ovos. E os chiques que bebem aquela água espanhola em garrafas azuis. Compreendo que quem nasce tenha poucos meios compre roupa e comida mais barata. Não compreendo que a malta prefira comprar 3 pares de calças por 20€ cada, made in Vietname, em vez de um par de calças por 50€ made in Italy ou mesmo made in Portugal. Quando o sacrifício implica comprar mais caro a malta não está nem aí.
Um abraço
JV

Um Jeito Manso disse...

Olá MRocha,

Não sou especialista em matéria de clima mas os gráficos e os dados devem ser credíveis ou não seriam referidos pela BBC, Economist, Guardian, etc.

Seja como for, por ser necessário que sejam os cientistas a validar opções é que tanto bato nessa tecla. É matéria diversa, complexa e que toca muitas áreas.

E é bom que personalidades públicas, também credíveis, saibam dar voz aos problemas e às soluções.

Não são atitudes individuais que farão alguma coisa. Mas uma consciência colectiva e activa poderá forçar os poderes políticos a legislar no sentido de fazer inflectir a tendência.

Como referi no post não é de hoje. Nem de hoje nem daqui. É uma tendência generalizada, civilizacional.

E não menosprezemos o efeito danoso da má governação de animais como Trump ou Bolsonaro. Não são bodes expiatórios pois o mal vem muito de antes deles. Não são bodes expiatórios: são entraves, são retrocessos, são bloqueios.

Quando há um problema sério a última coisa que é precisa é que nos prendamos com discussões sobre se a culpa é deste ou daquele ou se é da ribeira ou do saco de plástico, do palhaço louro ou do papagaio italiano. É de todos. Mas é o que é. O mal está feito. Há que dar a volta e inverter o rumo.

E mudar o rumo de uma tendência civilizacional requer o empenho, o envolvimento, a compreensão de todos. Claro que o medo e o sentido de urgência ajudarão muito.

Desejo-lhe uma boa semana e agradeço as suas palavras pois nada melhor do que discutir questões que interessam a todos.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a

Concordo em absoluto. Foi no tempo do famigerado Aníbal que começaram as cavaquices do género de se receber subsídios para não cultivar. Foi a célebre política do set aside. Receber dinheiro para pôr de lado. Claro que muita gente abandonou os cultivos. Portanto, recebemos laranjas do Cu de Judas, kiwis de Trás do Sol Posto. Fruta (e carne e peixe e enlatados e tudo o mais que por aí anda a passear de continente para continente).

Claro que o que poupamos em comprar produtos mais baratos haveremos de pagar de outra maneira...

Um Jeito Manso disse...

Olá JV,

Isto é daqueles desafios que temos pela frente que não sei se estamos à altura dele pois exige dramáticas alterações culturais (e económicas e sociais e etc, etc, etc). É todo o nosso padrão comportamental que forçosamente irá mudar. Não sei como. Nestas coisas a criatividade e as resistências e os compromissos moldam as decisões.

Nada será fácil. Mas também não é fácil ter temperaturas acima dos 40º ou furacões ou a água subir ou a água a rarear ou com populações a abandonar territórios inabitáveis e a invadir o 'nosso' espaço.

Os tempos que estão por vir não vão ser fáceis.

Resta saber se saberemos mostrar que somos animais racionais.

Abraço, JV!