domingo, junho 23, 2019

Um dia invadido por mistérios -- e um quase desmaio


Árvore queimada em Monchique



Só para dizer que nem sempre uma grande ideia é, de facto, uma grande ideia. Pessoa cuja opinião prezo falou-me na qualidade, na arquitectura e decoração arte nova. Sugeri em casa. Pois que sim, podia ser. Pois bem, para todo o lado desses para que ligássemos, estava cheio. Na net pareceu-me que, por aqui, onde estamos, não, que haveria lugar. O meu marido: não será melhor ligares já? Deixa isso para mim e eu prefiro porque assim informo-me sobre a vista, tiro dúvidas. Ele não, quando liga é a despachar e depois não sabe responder a uma única das minhas questões. Então, como é manhoso, diz que ligo eu pois só assim fico totalmente esclarecida. Mas no dia feriado estive preguiçosa. Só liguei a confirmar na própria sexta. Hélàs, o último quarto fora-se. Incompreensível. Claro que o meu marido teve que se controlar muito para não dizer: 'bem te disse'. E então foi de cernelha: 'eu poderia dizer que bem te avisei que era melhor ligares... mas não vale a pena' ao que esclareci que, vendo-me sem vontade, poderia ele ter facilmente resolvido a questão. Se não quis, não se queixe.


Então tentei outro lugar, fora do complexo termal, moderno, recente, e ainda por cima bem mais caro. Tinha uma suite. Ficou esse, pronto.

Longe de mar, de rios, sem praia senão ao longe -- e, para vê-la, só com o zoom bem puxadinho. Serra. Serra pura. Serra recém-ardida, ainda ar de luto, aqui e ali em recuperação. 

E nós, a toda a hora, muito admirados: tão grande... como é possível estar cheio, ainda por cima numa sexta, dia útil?


Mas é possível: está cheio. E é enorme. Um exemplo de boa arquitectura. Apesar de tão grande, ajustado à orografia. E actividades de campo, caminhada, trilhos na serra, ioga, coisas assim. A garagem é enorme, tem dois pisos, e está sempre cheia. Tem lugares de estacionamento na rua mas também estranhamente cheios. Mas mais estranho ainda: jovens. Essencialmente jovens. Alemães, franceses, espanhóis. Alguns casais jovens com crianças, alguns casais com ar ecológico, outros com ar de artistas, mas a predominância são simplesmente jovens, jovenzinhos ou em casalinhos ou em grupos. O meu marido diz: crianças. Volta e meia, quando nos cruzamos com alguns, segreda-me: mas que idade terão? Uns dezasseis? Olho de soslaio. Talvez não quinze ou dezasseis mas muito pouco mais. Hoje, na esplanada onde jantámos, um casalinho que nos pareceu ser alemão, ao nosso lado, não teria mais que uns dezoito anos. E o hotel, sendo de cinco estrelas, não é nenhuma barateza. Mas cheio. Um mistério. Ao regressarmos agora ao quarto para virmos dormir, no corredor, três jovens, elas de vestido de alças, sem costas e até aos pés, perfumadas, ele um verdadeiro dandy. Riam, no maior divertimento, abraçavam-se. Uma cena digna de filme. Nestas ocasiões tenho pena de não poder fotografar.

E reparem: isto no meio da serra, de uma serra quase toda ardida.


De tarde, fomos passear até ao complexo termal, o tal em que nem um quarto. Muito bonito, muito bem arranjado.

No pátio, sob as árvores, uma boa música, jazz ou por aí. Fotografei antes da música e antes dos veraneantes se instalarem. Inúmeros jovens. Um casal que andaria pelas nossas idades quase destoava ali. Árvores gigantes, majestosas. Tão bonito, tão de sonho.

Pátio entre os hotéis na Estância Termal de Monchique

Andamos perplexos. Vêm lá das Europas para se virem enfiar aqui no meio da serra, ainda só agora o verão começou. Ocorreu-me: será isto do planeta?

O meu marido disse que só se for. O amor ao planeta, a vontade de viver de forma saudável, na natureza, um turismo diferente.

Seja o que for, penso que deve ter muito a ver com esta interculturalidade, esta liberdade de movimentos, esta via verde para os jovens estudarem em qualquer país da UE, para se deslocarem a baixo custo. Um mundo aberto, alegre, talvez mais consciente da finitude dos recursos à nossa disposição.

Rua em Monchique

E para nós é muito bom: o turismo cria postos de trabalho onde os não haveria não fossem estes hotéis bonitos e bons. E não apenas nas grandes cidades ou nas praias: também aqui, quase no meio do nada.

E para a economia também é bom: uma verdadeira alavanca de liquidez. E culturalmente é dos melhores antídotos contra o chauvinismo.


E eu, de manhã, estreei-me no ioga. Ao princípio, tudo bem, Claro que quando cruzo as pernas, os joelhos não tocam o chão, claro que, ao sentar-me de pernas bem esticadas e abertas, se me dobrar sobre elas, fico longe de conseguir chegar com as mãos aos pés. Claro que, ao fim de estar a fazer respirações, já não me lembro se a barriga enche na inspiração e esvazia na expiração ou se é o contrário, porque no ioga se respira com a barriga e não com o peito. E depois aquele ritmo. Lento. Lento. À socapa, abria os olhos à espera que houvesse algum movimento e, para meu desânimo, tudo muito compenetrado, de olhos fechados, ainda naquela disciplina da respiração. Muito em slow motion para o meu gosto. Sinto que preciso de desacelerar mas isto é tão, tão, tão paradinho. E então senti que estava a acontecer-me uma coisa.

Quando faço respiração funda baixa-se-me a tensão arterial. E foi isso que comecei a sentir ali na sala de ioga: aquela coisa de começar a ver tudo branco, a consciència a querer sumir, como que a começar a sentir aquele nem frio, nem quente, aquela quase transpiração na testa. E desidratada. É certo que antes de irmos para o ioga tínhamos andado a fazer caminhada e estava sol e calor e aquele sobe e desce puxa pelo corpo. Mas tinha bebido água. 
Levantei-me discretamente, fui ao fundo buscar a minha garafa, bebi, levei para o pé de mim como aliás, os outros, mais experientes, tinham feito. Mas, mal voltei a sentar-me, senti que estava quase a desmaiar. Segredei ao meu marido que ia sair mas que ele ficasse. E saí. E ele veio logo atrás. Bebi água mas tive que me deitar num sofá que, em boa hora, ali estava. Já não voltei à aula: regressei ao quarto, muito zonza. Portanto, também não fui ao ioga e aos alongamentos da tarde. Queria que o meu marido fosse mas não quis ir e deixar-me sozinha. 

Igreja em Monchique

Fomos passear à vila, vi a bonita igreja (e estava na hora da missa), andámos a ver artesanato, trouxémos um licor regional, mel da serra, biscoitinhos da fruta daqui. E, bem entendido, andei nas fotografias.

De volta, fui ler. Nas espreguiçadeiras da varanda, a ouvir passarinhos, a ouvir as crianças a brincarem lá em baixo e o livro a andar devagar, num lento exercício de degustação.

Convento em Monchique

De manhã, como eu temia, fui despertada bem cedo. Desculpou-se que eu é que tinha deixado os cortinados da sala abertos e que o sol, mal nasceu, entrou no quarto e o tinha acordado. E como, quando acorda, não é capaz de parar sossegado, acordou-me a mim. Ainda tentei adormecer mas, do duche, vinham cantigas (estava numa de José Afonso). E de dia, não deu para recuperar. Por isso, agora para aqui estou mais a dormir que acordada.

Ainda não é hoje que vou poder conversar com os Leitores a quem devo no mínimo um agradecimento ou uma rresposta. Estou mais off do que quando trabalho de sol a sol.


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As fotografias são deste sábado e o Devendra Banhart está aqui porque sim, porque gosto.

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E um belo dia de domingo para todos

5 comentários:

Paulo Batista disse...

O interior dessa região é uma beleza, que os estrangeiros descobriram faz muito tempo e que nós tardamos em valorizar.

É realmente estranha essa concentração de malta nova (ainda que o turismo de natureza / bem estar esteja muito em voga nas jovens elites). Conte-nos mais sobre isso. Solte a veia jornalística e traga-nos factos sobre esse fenómeno, se possível!

Quanto à economia do turismo, concedo a relevância, mas discordo na bondade com que olha para os seus efeitos. A lógica de transformar em produto a paisagem, as gentes, as culturas é bizarra e destruidora. Ainda que a encenação possa mascarar isso durante algum tempo.
Faltam-nos viajantes e não tantos turistas.


Também gosto: https://youtu.be/KSsW9ALDcKI

Boas férias!


Ps: Sabe, hoje ao ler este post, lembrei-me desta história https://www.noticiasmagazine.pt/2016/as-4-bruxas-de-aljezur-2/ e, sobretudo, dos seus folhetins! Tenho saudades! :)

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Tal como o Paulo Batista intriga-me esse quórum de juventude, bem jovem, passando o pleonasmo num local que manifestamente não corresponderá ao típico destino do viajante que parte à aventura, mas sim de um turismo planificado e objetivo.
Parece-me que talvez a juventude de posses esteja a somar ou a trocar destinos com muita balada a ou por estas experiências.
Um bom estudo de caso!

Ioga comigo, vade retro, aquilo é completamente entediante.

Que lindas fotos.

Que tenha tido uma rica estada.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Estive a ver como é que o hotel se apresenta e, de facto, tem a ver com trilhos de montanha em percursos bonitos, bicicleta, actividades diversas ao ar livre (incluindo uma prática de tipo 'treino militar', tiro ao alvo, etc), ioga, alongamentos, etc. Presumo que seja isso.

Um hotel enorme, cheio e sobretudo cheio de jovens, não é comum.

E eu não receio os turistas porque acho que a terra não é propriedade de quem vive nos lugares mas de todos, e todos os que vêm por bem devem ser bem vindos. Quando vou a outras terras gosto de ser bem recebida, gosto de conhecer e de poder lá voltar, se quiser.

Claro que os viajantes encaram os lugares de uma outra maneira mas ser viajante exige uma disponibilidade maior, mais tempo, muitas vezes não ter emprego fixo.

Claro que há turismos selvagens e esses não fazem falta. Por exemplo, o turismo massificado pode ser opressivo. Mas pratica-o quem gosta dele e compete às terras tentar refreá-lo um pouco. Mas o mundo é de todos e é bom que sejamos abertos à diversidade.

Quanto aos meus folhetins, sabe, também tenho saudades. Mas são involuntários. Volta e meia aparece-me um personagem que me leva pela mão. Não é coisa que eu possa carregar num botão e decidir: vou escrever um folhetim. Mas, acredite, tenho saudades. É que, quando ando a escrever, é como se estivesse a conhecer gente nova e fico sempre curiosa em saber o que vão fazer a seguir.

Abraço, Paulo

PS: Estou a ouvir o Foolin. Gosto. E não é só da música. É da voz. E dos vídeos. Thanks, Paulo.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Já respondi, em parte, ao falar com o Paulo.

E hoje, ao passearmos pela envolvência, vimos outra coisa que nos deixou admirados: alguns fatos de surf a secar nas varandas. Para praticarem surf vão alojar-se nas Caldas de Monchique...?

Bicicletas para andarem na serra, surf nas praias (que ainda estão longe), piscinas. E vi que também faziam os percursos de spa. De roupão a caminho da sauna com Rocha de Sal dos Himalaias, espreguiçadeiras aquecidas, etc.

Uma surpresa: uma população muito jovem costumava ver, por exemplo, em Sagres, não em hotéis deste género no meio de uma serra.

Quanto ao ioga, acredito mesmo que, quem faz, se sinta bem, tranquilo. Aquilo obriga mesmo a parar, a simplesmente respirar em cada posição. Para mim, pelo menos nesta fase desta minha vida, uma seca. E a minha tensão vai-se abaixo de uma maneira... Eu a querer aguentar e a sentir que me estava a esvair. Um disparate, isto meu.

Acho que para mim será mais na base da aeróbica, danças, coisa com mais vida.

E consigo, Francisco? Algum desporto ou alguma actividade física?

Abraço, Francisco, e uma boa semana.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Rica UJM, para mim também tem de ter movimento, danças e afins.
Gosto de dar umas corridas mesmo aqui dentro do terreno, 30 min, dia sim, dia não, com algumas baldas pelo meio.

Uma rica 4.a.