quarta-feira, maio 23, 2018

Júlio Pomar, o homem que sempre gostou de riscos



Conheci o seu trabalho quando recebi uma vez, de presente, uma edição encadernada a pele verde, um livro grande, muito bonito, com umas extraordinárias ilustrações de Júlio Pomar. Foi fascínio á primeira vista.


Depois, encantei-me com as suas pinturas de Graça Lobo. Humor e sensualidade em cores fortes. Ela a falar dele, qualquer coisa de apaixonante. Ela a fazer-se de indignada, aqueles sorrisos bem humorados: 'Cuidado... nem todos os cus eram meus... quer dizer, alguns eram mas aqueles assim mais... com pilinhas... esses não eram meus... ou ménages à trois... cuidado... esses não eram meus'.

E aquela dos falos, ele a rir, divertido, contando do marchand a perguntar para outro: 'Olha lá, tu eras capaz de ter um c... na casa de jantar?'

Depois os bichos. Depois as touradas.

E tudo. Uma tal liberdade, uma tal joie de vivre.

Uma vez fui a uma festa muito bonita. Havia o lançamento de um livro especial e ele era um dos convidados. Muita gente presa às suas palavras. Conversa boa a dele, toda rolando risos e irreverências entre as palavras, ironia, graça.

Não há muito tempo andei pelo seu Atelier-Museu e disso aqui dei conta.

Muitas vezes o trouxe aqui e, certamente, muitas mais hei-de trazer, assim me mantenha eu por aqui. 


Como sempre, saí muito tarde e, como sempre, nada sabia do que se tinha passado à superfície da terra. Foi a minha mãe que, mal me atendeu e, em resposta à minha pergunta habitual ('Então? Tudo bem?'), me disse logo 'Olha, morreu o Júlio Pomar'. Como se fosse um amigo. E eu senti um baque. 'Ah... mas de quê? Estava doente?'. A minha mãe disse: 'Tinha 92 anos. Estava no hospital'. Depois pensei que era irrelevante. Saber a causa da morte para quê? Pena é ter deixado de existir um pintor tão extraordinário. Havia ele, há a Graça Morais, há a Paula Rego. Grandes vivos poucos mais há. Muito poucos. Alguns estão ainda a fazer-se, outros nunca serão nada mais senão o seu efémero nome. Júlio Pomar é enorme, eterno.

Li há não muito um livro sobre ele, uma espécie de entrevista. Luminoso. Gosto de ler as palavras dos pintores. Quando verdadeiros artistas, os pintores são geralmente pessoas modernas. Júlio Pomar foi um moderno. 


Este documentário é imperdível. Gostei muito quando o vi pela primeira vez e gostei muito de agora o rever. Não, acho que agora ainda gostei mais pois revi algumas pessoas de quem já sentia saudades. Gostava muito que o vissem também.

Júlio Pomar -- O risco



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