quinta-feira, fevereiro 15, 2018

Precisamos de um S. Valentim para amar melhor?
[Reflexões de uma camponesa numa noite dita de Namorados]




Fomos almoçar a um restaurante numa pequena aldeia aqui perto. Chegámos bem já depois das duas. Os trabalhos no campo têm disto. Há uma sequência que deve ser cumprida. E banho antes de almoçar e fechar a casa e mais a viagem... e deu nisto. Nestas terras almoça-se cedo. Fomos os últimos a chegar, já o restaurante estava quase vazio e, naturalmente, também fomos os últimos a sair, passava das três da tarde. O dono da casa e os empregados estudavam a disposição das mesas e a mulher do cozinheiro compunha umas jarras na entrada. E tantos os cuidados que perguntei: 'Vai haver festa ao jantar, não?'. Com ar de quem estava a ceder a uma imposição com a qual não se identificava lá muito, respondeu-me ela, enquanto encolhia os ombros e arqueava as sobrancelhas: 'Vamos fazer a Noite dos Namorados... Vamos ter música ao vivo. Estamos a decorar para dar um arzinho assim mais... romântico'. Parecia tímida ao assumir a cedência aos ditames comerciais.

Nem nos tínhamos lembrado. Dia dos Namorados.

Depois do restaurante e antes de virmos para casa, fomos a um mini-mercado. Passámos pela florista. Uma lojinha pequenina com uns quantos vasinhos à porta. O meu marido leu o nome: Belinha Florista. Olhei. Reparei que, por dentro da pequena montra, tinham uns fios suspensos com uns quantos coraçãozinhos encarnados. A Belinha não se tinha esquecido do Dia dos Namorados. Pelo aspecto dos homens que costumo ver por ali, conversando no passeio junto ao café ou à loja que vende máquinas agrícolas, diria que a registadora da Belinha não notará grande incremento mas, que sei eu?, quem vê caras não vê corações.

Tirando isso, não dei conta de outras comemorações.

Já acertámos com o senhor da máquina a limpeza daquela nesga de terreno lá ao fundo, a seguir à serventia. Em tempos havia lá colmeias. Presumo que o senhor que nos pediu para lá as ter já não se dedique a isso. Nem sei se ainda vive. Naquela altura, quase há vinte anos, já não era nada novo. O senhor da máquina vem no sábado quase de madrugada. Por aqui a alvorada é sempre cedo. E quero acompanhar, não vá alinhar pelo meu marido e também ser do clube do 'vai tudo abaixo'.

Entretanto, dando continuidade à nossa labuta, já se cortaram mais um monte de ramos dos cedros que estão relativamente perto da casa para que a copa fique bem mais alta que os beirais. Já se cortou em troncos para a lareira tudo o que se conseguiu. Já se desbastou mais tojo, é uma praga o tojo. Já se fizeram grandes fogueiras, uma de manhã e outra de tarde. 

A quantidade de ramos e mato que já queimámos é brutal e, no entanto, olha-se e parece um bosque em estado virgem. Tínhamos que estar cá um ou dois meses de seguida, dedicados a isto. E tínhamos que estar fisicamente habituados a tanto esforço. Ao quarto dia estamos exaustos. 

Ao fim do dia, começou a cair uma humidade que era quase uma chuvinha tímida. Anoitecia, as árvores já eram apenas vultos, e vinha da terra um perfume bom, orgânico. A fogueira ainda estava viva e deixava no ar o cheiro bom do cedro a arder. O prazer de estar ali é difícil de descrever. E é curioso como os nossos olhos se habituam à luz a esvanecer-se. Ou porque os passos já conhecem os caminhos ou porque os olhos aprendem a desvendar os vultos que se escondem na escuridão, a verdade é que regressámos às escuras sem qualquer problema.

Quando chegámos ao pé da casa, o meu marido lembrou-se que tinha deixado a escada encostada a um dos cedros que está do lado de lá do estúdio. Fui buscar uma lanterna para o ajudar a encontrá-la e fiquei a apontar enquanto ele ia até lá. De repente, um barulho, um sobressalto, várias asas a baterem em uníssono, com força. Assustámo-nos. Mas os pássaros, de certeza, que se assustaram ainda mais tal o alarido do bater de asas.

Agora que cheguei à etapa lúdica da jornada computacional (ou seja, depois de responder a mails de trabalho e de autorizações e outras cenas), dei com uma selecção de músicas românticas.

Lá está, Dia de S. Valentim que se preze pede banda sonora.

Conheço umas, não conheço outras.

Se eu tivesse que escolher a 'nossa' música haveria de me ver grega. Se lhe perguntasse a ele, diria que me deixasse de perguntas sem sentido. Talvez a muito custo lhe arrancasse alguma coisa. E eu lembro-me de uma ou duas mas não que sejam especialmente românticas, apenas as associo a momentos que, de alguma forma ficaram gravados na minha memória de uma forma muito intensa.

Mas, sim, Leonard Cohen seria um dos que teria numa selecção que fizesse. Contudo, talvez não com a dele que é considerada uma das mais românticas de todos os tempos, a So long, Marianne, mas com outra. Talvez I'm your man. O meu amor é sempre mais erotizado do que puramente romântico. Outra que eu quereria incluir seria Nina Simone. Contudo, não tinha presente a canção que vejo na selecção do The Guardian. Mas ouvi-a e gostei. Claro que gostei. Gosto sempre de Nina Simone.

Bem. E mais não me ocorre, por ora. Se calhar é porque, enquanto escrevo estou com um olho no burro e outro no cigano, encantada com as jóias alimentares que o José Avillez está a descrever. O seu menu de degustação, no Belcanto, tem fama e diz quem já lá foi que é manjar dos deuses. Mas 165 euros por pessoa é obra. Será que ele também lá festejou o Dia dos Namorados?

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Mas, sendo eu romântica pura ou não, apetece-me fechar este post com uma carta de amor.

“My dearest one" -- Benedict Cumberbatch lê uma carta escrita por Chris Barker (em 1945) para  Bessie Moore


(Porque gosto muito de receber cartas, poemas ou bilhetinhos de amor)

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Fotografia da Magnum e, a do banco, de Steve McCurry.
Pinturas de Picasso e Chagall.
Escultura (The Kiss) de Rodin

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PS: E já vos contei que aqui a net é a pedal...? Escrevo várias palavras e fico a vê-las a apareceeeeeer... devagariiiiinho.... Ou clico numa coisa e o ecrã fica em suspenso, a rodinha a rodar, a rodar, a rodar... e, muitas vezes, pede-me que faça o reload da página. Ou faço um post com imagens e vídeos e o que me aprece são espaços em branco, não consegue carregar imagens ou vídeos. Um desatino. Por isso, por muito que me apteceça escrever mais, acabo por desistir. Ah, os malefícios de se estar longe da civilização...

PS2: E volto aqui para comentar uma cena: aqui não temos cabo, é mesmo a TDT ou lá como se chama. Portanto, enquanto me entretinha a dar uma volta por alguns blogs, fui tenntando descobrir coisa que se visse. Fui dar à TVI e às Não sei Quantas Sombras de Grey. Só vi a última parte. Está bom de ver que não li o livro e em boa hora não tinha visto o filme. Uma sensaboria sem pitada de glamour ou sensualidade. Uma estopada metida a besta. Não dá para perceber o sucesso. Li, em tempos, que o sucesso provinha de donas de casa ou mulheres casadas ou coisa do género. Presumo que das que são pobres de espírito ou carentes até à última casa, daquele tipo de trepar pelas paredes ou matar cachorro a grito.