sexta-feira, janeiro 05, 2018

O debate entre Santana Lopes e Rui Rio e a cara de Vítor Gonçalves depois de ter entrevistado a Carla Bruni.

[E os dilemas intransponíveis que se levantam quando penso em tornar-me escritora]

-- E William Burroughs, John Irving, George Steiner e António Lobo Antunes --





Nem sabia que havia o debate. Quando percebi que estava a haver, o meu marido não quis ver. 'Era o que faltava.'. Insisti. Apetecia-me ver se, olhando para aqueles dois marretas durante uns instantes, conseguia perceber qual deles será eleito. O meu marido aborreceu-se: 'Tencionas votar neles?'. Percebi que não valia a pena explicar que se tratava apenas de uma questão conceptual. Disse apenas: 'Põe na 1 e cala-te'. Ripostou arreliado: 'És parva' e, para me ser simpático, lá mudou mas, lamentavelmente, o debate estava a acabar. Apenas vi o Rio a enterrar o Santana Lopes com base na vez em que Santana se enterrou a ele mesmo. Logo de seguida, o Vítor Gonçalves acabou o debate com um sorriso preso ao rosto. O meu marido disse: 'Aquele gajo, desde que entevistou a Bruni, ficou assim'. Olhei e achei que ele tinha razão. Quando vimos a dita entrevista, fartámo-nos os dois de rir com o baile que ela deu ao pobre coitado.

Pronto. A seguir ao debate, vieram os comentários mas, como é bom de ver, fugimos deles. Se eu fosse sipatizante do PSD andaria à nora: entre a fome a vontade de comer, escolher o quê? Velhos e relhos -- e nem tem a ver com a idade biológica dos dois. Comida da véspera. Roupa velha. Já os conhecemos, já os papámos noutras eras. Outra vez não. Não é possível que as hostes laranjas nestes anos todos não tenham parido ninguém que se afirme e que tenha sangue novo. Nada... nada...?

Felizmente não tenho nada a ver com aquela tristeza. Quem fez a cama que se deite nela.


Com isto e andando sem motivação para falar de nulidades, pus-me, como sempre, a cirandar pela net. Como já o contei, parece que apenas me sinto atraída por coisas bizarras. Volta e meia vejo links para outros blogues nos blogues que acompanho. Fico espantadíssima porque eu nunca descubro nada do que as outras pessoas descobrem. Em contrapartida, entretenho-me com coisas inenarráveis. É como quando os meus colegas ou amigos falam dos livros que andam a ler e todos os conhecem menos eu. Em contrapartida, se quiser limpar a face e não passar por completa iletrada, não apenas geralmente não me lembro do que ando a ler como, caso me lembre, ninguém nunca ouviu falar nos escritores que refiro.

Enfim.

Por exemplo, estive aqui a ver um vídeo que mostra a casa de William Burroughs e mais não sei o quê.

E estava a ver o vídeo e a pensar no que, na véspera, me tinha ocupado a mente na viagem à noite para casa depois de ter feito os meus telefonemas do costume. Conto. Vim a pensar que, um dia que tenha tempo, gostava mesmo de escrever. E, como sempre acontece, de imediato a minha mente mostrou como é fútil. Em vez de pensar no género que iria abraçar, nos temas que me cativariam, na disciplina que teria que ter, etc, não senhores: pus-me a pensar onde é que me iria instalar. E, como sempre, vou elencando possibilidades: na secretária do escritório? Não. Teria que limpar a secretária que está cheia de tralha (até um monitor dos antigos ainda lá jaz), teria que arranjar outra cadeira (a cadeira que lá está é muito clássica, de pele, pouco ergonómica), teria que arranjar um melhor candeeiro (o que lá está é lindo demais, tem um abat-jour em tecido plissado e um elegante pé de vidro mas é desapropriado para iluminar uma escritora). Depois pensei que me sentiria ali sozinha. Não gosto de me sentir sozinha. Talvez preferisse trabalhar na mesa redonda que está junto à janela aqui nesta sala mas, lá está, teria também que arranjar outra cadeira já que as cadeiras desta mesa são cadeiras seculares, que já vieram de casa dos meus avós. Mas não sei se aqui nesta sala teria concentração. Para já também que teria que tirar de cima da mesa todos os livros que ali se foram alojar. Aliás, estou a precisar de uma estante adicional. Mas não sei onde metê-la. Pensei então que o melhor mesmo seria se conseguíssemos comprar o andar ao lado do nosso, depois abrir passagem de uma casa para a outra e usar a outra como local de trabalho. Nessa altura, já estava a pensar onde haveria de abrir essa passagem e nenhum ponto me parecia adequado. 


Como se os dilemas não fossem poucos, dei comigo a pensar numa outra questão: se ficar em casa a escrever, será que depois tenho motivação para me levantar, escolher toilette, arranjar-me? Ou ficava com roupa caseira, confortável, cabelo apanhado, sem uma sombrazinha nos olhos? Esta hipótese, que me parece a mais provável, incomodou-me. Então toda a minha roupinha ficará, forever, inútil, arrumada no roupeiro e sem qualquer préstimo? Nem uns brinquinhos, nem uma pulseirinha a fazer pendant? E eu toda mal amanhada, fechada em casa, apenas transitando do quarto para a sala, da sala para a cozinha? Não...

E, conduzida por estes racicínios, pareceu-me que escrever, afinal, seria uma actividade desinteressante para mim.

E, ao chegar a esta conclusão, desiludi-me comigo. Mulherzinha fútil e burra. Então é com estas pepineiras que uma candidata a escritora se preocupa...?

Então, para tentar arranjar uma tábua de salvação, derivei. Devia era viver numa casa maravilhosa, no campo, onde tivesse uma espécie de um estúdio para onde pudesse ir como se fosse para o trabalho e onde pudesse abrir a janela e ouvir os pásaros. Mas, aí, pensei: mas, espera lá, já tenho uma casa no campo e até lá há um estúdio assim. Mas ia para um estúdio onde ficasse sozinha? Nem pensar. Mais: aposto que, em vez de ir escrever, ia mas era varrer, limpar as teias de aranha, dar cera de abelha nos móveis, lavar e estender roupa. Ou, então, tinha que ir inspeccionar o que o meu marido andaria a fazer. Às tantas andava de roçadora a cortar mato, levando alfazema, alecrim e orégãos tudo à frente. Nem pensar em ficar fechada num estúdio com ele à solta, a fazer estragos por todo o lado!


Portanto, já à chegada ao meu destino sem ter conseguido chegar a uma conclusão construtiva, vinha incomodada. Querem lá ver que não conseguirei ser escritora só porque não consigo escolher o lugar onde escrever...? E concluí: 'Não me parece normal. Coisa mais patética'.

E juro que isto se passou assim, tal e qual. Parece-vos normal? Acham que com esta cabecinha oca alguma vez daqui pode vir a sair escrita que se veja...? A mim não.


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John Giorno mostra o bunker de William Burroughs
[Step inside ‘The Bunker’ in New York, the windowless former apartment of the legendary writer William S. Burroughs, and let yourself be guided around – from Burroughs’ typewriter to his shooting target – by its current resident, the iconic poet John Giorno. (...)]


E John Irving em casa


E acabei por ir dar a Steiner. E se gosto de ler o que ele escreve, não é menos bom ver os seus olhos cintilantes e o seu rosto com um sorriso gaiato e ouvir as suas palavras sempre certeiras. O vídeo está legendado.

Aqui Steiner conversa com António Lobo Antunes


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As fotografias,  tão lindas que quase parecem abstractas, são da autoria do fotógrafo e arquitecto Tugo Cheng e mostram um método tradiconal de pesca no sudeste da China.

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