Tenho estado a reler a entrevista que a Anabela Lopes Ribeiro fez, já lá vão uns cinco anos, ao meu querido mestre Alberto Vaz da Silva, pessoa encantadora.
Transcrevo um pouco:
Como é que um rapaz com o seu percurso intelectual, cultural e pessoal não tinha dúvidas?
É muito o meu temperamento e o meu carácter. Há uma grande predominância de fogo na minha textura psicológica.
Olhando para si achei que podia ser água. Porque tem uma leveza, como água que corre. Porquê fogo?
(...)Porque sou um apaixonado, por temperamento. O apaixonado atira-se facilmente para as coisas com confiança, com certezas. Penso que sou uma pessoa modesta, não gosto de dar nas vistas. No entanto, na minha sombra, sempre fui muito seguro do que fiz. Sabia o que gostava, o que não gostava. Se fazia o que não gostava sabia porquê. Se fazia o que gostava ia até ao sétimo céu. Essa pergunta traz-me uma reflexão: tive muita sorte na vida. Muita coisa me foi dada, como a Helena. As coisas caíram-me em cima da cabeça, ou através de pessoas. No meu último livro, sobre a Sophia de Mello Breyner, pus em epígrafe Saint Martin, filósofo do século XVIII, que esteve na base da alquimia e de grandes conhecimentos esotéricos: “Houve certos seres através dos quais Deus me amou”. Aconteceu-me a vida inteira.
Por coincidência, antes de começarmos a gravar, perguntei-lhe o que é que significa a letra “f”, e disse-me que é a letra mais reveladora, mais importante.
É a mais sintetizadora. É sempre a primeira coisa de que se vai à procura, o “f” minúsculo. O “f” escolar tem um traço inicial, depois vai para cima (o espírito, a imaginação). Depois passa por uma linha (o real, a vida de todos os dias, a actividade). Vai para baixo (os instintos). Volta para cima (mostra como é que a pessoa dominou ou domina os instintos e volta aos outros). Outra vez a linha, agora para a direita. Percorre os quatro espaços da escrita, os quatro pontos cardeais. E também o passado, o presente e o futuro.
Há pessoas que escrevem “f” a mais. O inconsciente tem esta coisa espantosa de empregar despropositadamente uma determinada letra. Quando há “f” a mais é mau sinal: significa que a pessoa ainda não se encontrou. Quer desesperadamente encontrar-se, mas está a lutar contra moinhos de vento. Quando não há “f” é uma tragédia: a pessoa desistiu de si.
Sobre o f, que ele diz ser a letra mais reveladora, já aqui o contei mas repito-me. No fim da aula em que ele se referiu ao f, mostrei-lhe o meu. A sala estava na penumbra, ele rodeado das suas devotas, não me viu antes de observar a folha com a letra e de ter dito. Só depois olhou para mim e sorriu, dizendo-me que eu poderia saber se era ou não. Tinha dito: 'O f de uma sedutora'. Sim, sou. Mas só às vezes. E sei disfarçar.
[Um apontamento pessoal, irrelevante. Não consigo analisar a minha letra. Não quero, não me interessa]
Mas, de fez em quando, na blogosfera há quem mostre a sua forma de escrever. Mesmo sem querer, esboço logo uma opinião. A forma de escrever não engana e eu, que não sou dada a esoterismos de qualquer espécie, não olho isto como uma coisa do domínio da devinação. Somos a forma como nos manifestamos, incluindo através da escrita à mão, é a nossa impressão digital. Não me lembro de alguma vez me terem dito que a minha análise foi ao lado. Só me intimido um bocado quando me ponho a adentrar pelas miudezas das pessoas. Precisava de mais folhas escritas para poder ter a certeza de que não estou enganada e, geralmente, só tenho uma página. Não pode ser levianemente que se escreve que a pessoa é insegura, que disfarça e se arma importante porque receia que percebam o medo que tem que descubram que é frágil e pouco sabedora. Ou que a pessoa receia tomar decisões com medo de desagradar. E dizer isso a alguém que tem um poder enorme, incluindo o de me prejudicar. Neste caso, bastante tempo depois, esta pessoa ainda dizia, como se estivesse a brincar: 'Viu-me a escrita, deu cabo de mim'. E eu: 'Nada... Tanta coisa boa que vi' mas sabendo que o que lá vi o torna um erro de casting no que está a fazer e que, lamentando-o, tive que lho dizer, não explicitamente assim mas a bom entendedor... Ou a outro dizer que é como se fosse bipolar e que é mentiroso e que tem dúvidas quanto à sua sexualidade. Isto a um que encena ser um conquistador. Não é levianemente que se dizem coisas assim. Ou a alguém que parece muito bem disposta que tem que ter cuidado para não se deixar cair em depressão. É quase a medo que me arrisco a dizer. É que posso estar a ver mal...
Mas, de fez em quando, na blogosfera há quem mostre a sua forma de escrever. Mesmo sem querer, esboço logo uma opinião. A forma de escrever não engana e eu, que não sou dada a esoterismos de qualquer espécie, não olho isto como uma coisa do domínio da devinação. Somos a forma como nos manifestamos, incluindo através da escrita à mão, é a nossa impressão digital. Não me lembro de alguma vez me terem dito que a minha análise foi ao lado. Só me intimido um bocado quando me ponho a adentrar pelas miudezas das pessoas. Precisava de mais folhas escritas para poder ter a certeza de que não estou enganada e, geralmente, só tenho uma página. Não pode ser levianemente que se escreve que a pessoa é insegura, que disfarça e se arma importante porque receia que percebam o medo que tem que descubram que é frágil e pouco sabedora. Ou que a pessoa receia tomar decisões com medo de desagradar. E dizer isso a alguém que tem um poder enorme, incluindo o de me prejudicar. Neste caso, bastante tempo depois, esta pessoa ainda dizia, como se estivesse a brincar: 'Viu-me a escrita, deu cabo de mim'. E eu: 'Nada... Tanta coisa boa que vi' mas sabendo que o que lá vi o torna um erro de casting no que está a fazer e que, lamentando-o, tive que lho dizer, não explicitamente assim mas a bom entendedor... Ou a outro dizer que é como se fosse bipolar e que é mentiroso e que tem dúvidas quanto à sua sexualidade. Isto a um que encena ser um conquistador. Não é levianemente que se dizem coisas assim. Ou a alguém que parece muito bem disposta que tem que ter cuidado para não se deixar cair em depressão. É quase a medo que me arrisco a dizer. É que posso estar a ver mal...
Outras pessoas são solares. Uma escrita fluida, solta, arejada, bem estruturada na forma, no balanço, no andamento. Olha-se e vê-se ali uma pessoa motivada, realizada, boa companhia. Olha-se e vê-se que olha a direito, que sabe sorrir, que sabe amar, que sabe viver.
Ver a escrita e a assinatura de Trump é ver tudo. O disparate completo, as contradições, as tentativas de disfarce. Não engana. Compará-la com a de Obama é comparar a noite com o dia.
Já recebi, por mail, digitalizações de páginas manuscritas de leitores. Na medida do possível e apesar de a amostra ser curta, tenho ousado dizer o que vejo da pessoa que escreve. É como um blind date: arrisca-se tudo às cegas, sem conhecer a pessoa e sem ter como aferir se a leitura está a sair correcta.
E, note-se, sendo eu devota das letras, sou, na verdade, uma pessoa sobretudo dos números. A minha formação académica e a minha vida profissional sempre se moveram mais sobre a racionalidade, ou seja, mais sobre a objectividade da análise dos números do que em volta de subjectividades, emoções, sentimentos ou crenças.
Portanto, é colocando toda a minha racionalidade na análise da escrita que digo o que vejo, face ao que aprendi. E o que aprendi nisto da grafologia foi, sobretudo, a ver, a estar atenta aos sinais.
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Mas, enfim. Não era sobre isto que eu vinha aqui falar. Porque hoje tinha uma reunião com um senhor vereador e a reunião foi marcada para uma hora que tornava absurdo voltar ao trabalho, acabei por ficar com tempo livre e, como se estivesse de férias ou em dia feriado, feliz da vida, meti-me ao caminho e desabalei-me para o meu lugar de perdição. Dia de vendaval. Mas quando se gosta de um lugar, gosta-se no matter what. O rio picado, um friozinho intrusivo. Eu de verão, toda frescuras e o vento a percorrer-me a pele. Um sol magnífico, aquele sol dourado do fim da tarde. E eu, sentindo-me turista, a fotografar tudo -- paquetes, veleiros, cargueiros, namorados, gaivotas, gente solitária, o azul das águas e do céu -- por ali andei, matando saudades. Há tanto tempo que não conseguia estar no meu Ginjal.
Talvez seja uma questão de auto-disciplina e imposição mental: forçar-me a colocar em plano de igualdade a minha necessidade de caminhar à beira do rio, de fotografar, de ter tempo de qualidade para mim ao longo da semana e a minha responsabilidade profissional.
Talvez seja uma questão de auto-disciplina e imposição mental: forçar-me a colocar em plano de igualdade a minha necessidade de caminhar à beira do rio, de fotografar, de ter tempo de qualidade para mim ao longo da semana e a minha responsabilidade profissional.
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E agora?
(...)
the tree outside doesn't know:
I watch it moving with the wind
in the late afternoon sun.
there's nothing to declare here,
just a waiting.
each faces it alone.
Oh, I was once young,
Oh, I was once unbelievably
young!
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O post talvez tenha acabado por ter um tom nostálgico mas foi por acaso, mesmo sem querer. Se estivesse com mais tempo, escolhia um outro poema. Aliás, tinha escolhido outro mas era de uma tal sensualidade que me pareceu não ter muito a ver com o texto. Então, retirei-o e já sem grande cabeça para puxar por ela, ficou este que é desalentado mas que fica apenas por ser bonito. A verdade é que conjugado com a letra da música que escolhi lá para cima, envolve isto num véu de melancolia e despedida e não é assim que me sinto, caraças, muito longe disso. Não se deixem contagiar, ouviram? Se não fossem duas da manhã refazia isto tudo. Assim, olhem, não liguem.
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As fotografias foram feitas ao cair do dia no Ginjal
Lá em cima Patrick Watson interpreta Je te laisserai des mots
O poema So Now? de Charles Bukowski é lido por Tom O'Bedlam
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E queiram continuar a descer, caso desejem ver o Jim Carrey a sublimar o seu mal de coeur através da pintura.
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