quarta-feira, julho 12, 2017

As teses de Vasco Lourenço sobre o roubo de Tancos e a sua opinião sobre Miguel Sousa Tavares e sobre os jornalistas em geral.
E, de passagem, a opinião do meu marido sobre os conhecimentos de segurança de Pedro Mexia.
E a minha opinião sobre toda a espécie de papagaios pimpões que se alaparam ao comentário profissional e dali não saem, apesar de já não os podermos ver ou ouvir


No outro dia, íamos de carro e, ao fazer zapping radiofónico, o Pedro Mexia. Falava do roubo de Tancos e opinava em tom convicto dizendo coisas que, com aquele seu ar de rapaz culto e sensato, quase pareciam fazer sentido. Mas tive dúvidas que fizessem. Eram basicamente lugares comuns enroupados pelo seu tom conservador e moralista a que, o tempo excessivo como opinador, já dá um sabor a ranço populista. Logo o meu marido deitou a mão à rádio e mudou de canal, vociferando: 'Mas o que é que este gajo sabe de segurança, pá...? O que é que ele sabe de guardar uma instalação militar?! Falam sobre tudo e acabam a só dizer m..'.


Dei-lhe razão. Muito sinceramente já não consigo ouvir aquelas três araras, semana após semana, a disfarçar a sua ignorância ou futilidade com ironia bacoca, com um humor já usado e relho, com tiradas que tentam arremedar alguma cultura mas que mais parecem coisa de pipoca metida a besta. João Miguel Tavares, Pedro Mexia ou Ricardo Araújo Pereira não passam hoje, para mim, de três papagaios que repetem as mesmas larachas seja qual for o tema.


Outro que eu até gostava de ouvir, o Pedro Adão e Silva, tanto se desunha a opinar -- na televisão a toda a hora sobre actualidade, mas também sobre futebol, sobre música, e também na rádio, nos jornais -- que já enchi. Já chega. Uma picareta falante que, mal lhe dão o mote, desata a produzir opiniões como uma juke box. Não dá. Ou o Pedro Marques Lopes. Outro que tal: repetitivo, banal, saco de vento.


Não costumo ouvir o Miguel Sousa Tavares. Se calhar fala antes de nós, cá em casa, ligarmos a televisão. Como também não compro o Expresso, não o leio. Portanto, não faço ideia do que é que ele anda por aí a dizer.

Mas hoje, na SIC, vi Vasco Lourenço com o Pedro Mourinho e a sua partenaire de quem não sei o nome. E gostei de ver o eterno Capitão de Abril. Nem sempre gosto mas, desta vez, falando de temas que conhece, acho que Vasco Lourenço falou bem.


Disse ele aquilo que a mim me parece óbvio: dificilmente tanto material se rouba num único dia sem que ninguém dê por nada. Um roubo destes não é compaginável com a cena infantil do buraco na vedação, um larápio a fugir com uma granada em cada bolso e uns cartuchos nas mãos. Diz ele que, dada a quantidade do material em falta e não havendo arrombamentos ou violência, não se poderá falar em roubo ou assalto. Melhor chamar-lhe desaparecimento.

E diz Vasco Lourenço que, para ele, ou aquilo foi material roubado ao longo dos tempos e pelo qual ninguém deu (ou fechou os olhos) ou é material usado em treinos ou coisa assim e de que nunca ninguém deu baixa. Diz ele que seria interessante saber se não iria acontecer alguma passagem de testemunho no comando e que tivessem que ser passados os inventários. Diz ele que admite como possível que, estando o inventário de tal forma errado, algum furto teve que ser simulado para disfarçar a gravidade de tamanha incúria. É uma hipótese, diz ele. Outra, mais na linha da teoria da conspiração, é que tivessem engendrado esta macacada para ver se deitam abaixo o governo. Esta, a mim, parece-me um bocado too much. Mas, enfim, há malucos para tudo. Mas, está ele convicto, alguma coisa nesta base foi -- roubo é que não.

E que os responsáveis por isto foram os militares. Frisou: os militares.

O Pedro Mourinho e, ainda mais, a sua comadre de balcão, nem ouviam, só queiram saber se a culpa era do governo. Vasco Lourenço lá fez o enquadramento e lá referiu a responsabilidade política pelas linhas estratégicas do papel das Forças Armadas mas deixando claro o inegável: a responsabilidade por assegurar a segurança das instalações militares é dos militares. Ponto.


Só mais para o fim é que aqueles dois aéreos, fixados que estavam em arrancar a Vasco Lourenço que a culpa era do ministro, lá conseguiram captar o que ele dizia. E ele continuava dizendo que grande parte da responsabilidade na baderna que se armou, enchendo os canais de gente que não sabe nada do que fala, era da comunicação social, de vocês, dizia ele. E referiu o caso de Miguel Sousa Tavares que, segundo o próprio terá dito, nem cá estava e que nada sabe de Forças Armadas mas que, nem por isso, deixou de opinar, só dizendo disparates. Acredito. Miguel Sousa Tavares é outro dos que opina sobre futebol, sobre política, sobre fiscalidade, sobre touradas, sobre incêndios e, de passagem, sobre caça, sobre sentinelas e quartéis. 
E isto degrada a opinião, degrada a inteligência. É como a pornografia que, ao que dizem, queima os neurónios de quem a consome. Esta alarvidade de comentários a eito, dando a palavra a toda a espécie de catatuas, pseudos qualquer-coisa e marionetas para todos os gostos, mina a presciência colectiva. Não se aguenta, digo-vos eu. É que não há quem saiba tudo sobre tudo, por muito oleada que seja a prosa, por muito bem colocada que seja a voz, por muito telegénica que seja a sua presença.
E é isto. Repito-me, sei, mas entendam como um desabafo: não suporto que a toda a hora, sobre qualquer assunto, ad nauseam, as televisões (e as rádios e os jornais) estejam sempre cheias de caga-lumes, de palermas, de papagaios, de gente que vive de opinar, não tendo qualquer rebuço em falar sobre qualquer tema que lhes seja colocado à frente da boca mesmo que não faça a mínima sobre o assunto. 

O meu marido fez tropa durante dois anos e tal. Oficial de Marinha. Numa altura em que já ninguém fazia tropa, recrutaram-no a ele. Não é entendido na matéria mas tem mais experiência das regras nas instalações militares do que meio mundinho de pimpões que por aí anda a falar, sem um mínimo de conhecimentos e sem dois dedos de testa. E, ainda assim, e apesar de ser culto, experiente, de ser sensato e inteligente, de ter uma voz agradável e de ter uma presença bastante simpática, não se sentiria apto a ser opinador a granel. Mas qualquer puto, qualquer descarado, qualquer vendedor de banha-da-cobra, qualquer parvo aceita ser convidado para falar sobre qualquer tema a qualquer hora.

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Uma palavra agora para falar de um senhor que penso ser o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Artur Pina Monteiro. Na conferência de imprensa com António Costa e com o ministro Azeredo Lopes e outros senhores, disse o General Artur que o material roubado (ou parte do material) pouco mais é que obsoleto e que o seu valor não passa de 34.000 euros. Estando eu de fora, diria que também ele está a dizer meia-verdade, a verdade conveniente. Cá para mim, e nada mais é que um feeling,  aquele será o valor líquido daquele material. Sendo material adquirido há vários anos, por valor bem superior a isso, já estará quase totalmente amortizado e, portanto, terá uma valor remanescente baixo. Contudo, esse estará longe de ser o valor da reposição. Digo eu. Mas, enfim, quando se fala para o grande público, sabendo-se o quão relapsa é a comunicação social e quão débeis são as mentalidades de grande parte dos opinadores e avençados, qualquer coisa se pode dizer que ninguém questionará. De qualquer maneira, o que parece é que o fantástico aparato bélico que pareceu estar associado ao material roubado está longe de corresponder à verdade e, mais uma vez, o empolamento ficar-se-á a dever a um fenómeno frequente no micro-clima português: tudo se exponencia quando os pafiosos se juntam, nas suas motivações, aos jornalistas.


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Conclusão: concordo com Vasco Lourenço quando ele diz que esta é uma história mal contada. Provavelmente uma encenação. E digo: se anda o País inteiro enrolado e preocupado com uma história macaca que não passa de uma encenação para limpar culpas de alguém ainda mais sinistro é todo este mundinho mediático em que tudo se exponencia de forma descabelada. Tal como referi quando há uns dias aqui escrevi, penso que há que saber se o que desapareceu saíu na altura em que houve a divulgação do caso ou se aquilo lá é tipo bar aberto e dá para ir tirando aos bocadinhos, ou se, em vez disso, vão usando nos treinos e depois deixa para lá, podes levar para casa, mano, é um recuerdo que pode valer bom dinheiro. Tal como haverá que saber se aquilo saíu em camiões conduzidos por ladrões ou foi saindo às pinguinhas em porta-bagagens (ou mesmo em camiões da tropa...?). Ou o quê. Mas é coisa séria, para investigar a sério. Não é lume mediático para audiências. Não pode ser. Senão acabamos todos consumidos no fogo da estupidez.

E ainda mais desconfortável fico quando se vai sabendo que roubos de armamento, cá pelo burgo, é coisa frequente e que ninguém liga muito para isso. Nem os jornalistas. Até porque os jornalistas só salivam com o osso acabado de atirar: a demissão deste, a demissão daquele, a ministra que chorou e a gente não quer cá gente com sentimentos (por exemplo, os nervos que as lágrimas da ministra Constança Urbano de Sousa causaram à misógina Clara Ferreira Alves...). 


Finalmente: no calor da notícia pedi a demissão do ministro. O meu marido não concordou. A responsabilidade é de toda a linha de comando ligada à guarda do paiol e do quartel, dizia ele. O que é que esses gajos lá estão a fazer? Não é a guardar aquilo...? Se não é, então é o quê? Achas que é o ministro que sabe de quantas em quantas horas fazem rondas ou se há um buraco na vedação? - perguntava ele, irritado.

Seja. Contudo, para mim, tudo isto tem uma responsabilidade política e esta, num caso destes, deve ser assumida. Aliás Azeredo Lopes já a assumiu. É que não pode ficar a ideia que isto é uma rebaldaria, em que desaparece material que dá para encher dois camiões TIR e ninguém dá por nada. Seja um roubo one time shot ou um desaparecimento às pinguinhas, sejam mísseis de última geração ou sejam granadas de há dez anos, tanto faz. Material de guerra tem que estar guardado, à prova de bala. Não é responsabilidade do ministro andar a contar cartuxos mas tem que saber se há inventário permanente e auditorias, se há vigilância e alarmística, se os guardas estão guardados. Etc.


[E espera-se isso sobre os militares a propósito deste filme do roubo de material de Tancos, tal como se espera que alguém se sinta politicamente responsável por zelar por que não haja esquadras pejadas por polícias racistas e torturadores, ou por zelar que os tribunais não estejam infestados por juízes laxistas e abusadores, ou por zelar que a Procuradoria não esteja minada por gente que não se sente responsável por respeitar os cidadãos ou por ser lesta a agir em defesa dos interesses superiores do país. Espera-se isso, mesmo. Eu, pelo menos, espero]

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E um dia feliz a todos quantos por aqui passam.

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