Hoje trabalhei muito. Estou fisicamente cansada. Ou melhor, talvez não cansada mas com sono como se fosse um dia de semana e me tivesse levantado muito cedo. A questão é que, de facto, me levantei cedo e quase não parei. As azinheiras levaram um desbaste que apenas não foi assustador porque fui acompanhando a par e passo cada decisão. No final as árvores parecem ainda maiores e o que eu receava, que, no final, ficássemos sem sombra, não acontece pois as ramagens lá de cima alargam generosamente a sua sombra até aos humildes seres que andam cá em baixo. Agora já não há um ramo grande junto à chaminé nem outro enorme tombando até ao chão. Era deste grande ramo, um autêntido tronco, que eu menos me queria separar. Formava uma abóbada e eu gostava de estar lá debaixo. Mas na verdade estava a tapar (e a atrofiar) o diospireiro e, de facto, já quase não se podia andar ali. E, para além disso, o chão estava permanentemente coberto das suas folhinhas e, nesta altura, da sua baba. Chamo baba às flores amarelas que formam um pó porque é assim que lhe chama o senhor que foi cortar a árvore. Tem uma serra eléctrica eficientíssima que deixa os grandes ramos transformados em bocados de lenha.
No fim, andei a apanhar os maiores e coloquei-os sobre o murete que delimita aquela zona e para o qual está virado o meu jardim zen. Pesados. Madeira compacta. Fazer musculação para quê, a levantar pesos pesados destes?
Entre ramagens, folhas secas, terras que se juntam sob a folhagem caída, nem sei quantos carrinhos de mão enchi e transportei para um local que precisa de terra.
O meu marido pintou as zonas mais extensas ou mais difíceis e eu limitei-me aos retoques mas, ainda assim, foi mais uma coisa a fazer.
Mas este é um trabalho que faço com gosto. Faz-se e há sempre mais para fazer, arbustos para conter - e agora estou a pensar num loendro que abriu os braços e já comeu quase metade de um caminho -- árvores para serem podadas, ramos secos para serem cortados, folhas e flores mortas para limpar.
Hoje, debaixo dos ramos de baixo de um arbusto, descobri uma enorme pele de cobra ainda fresca e maleável. Estive a ver o que sobrava das escamas esverdeadas, muito bonitas.
Andava cá fora, nestas labutas e o almoço ao lume. Estar a trabalhar, sentindo os odores perfumados que da cozinha me chegavam, abre-me o apetite cá de uma maneira...
Para o almoço fiz um cozido simplificado.
Para o almoço fiz um cozido simplificado.
Num tacho coloquei um pouco de água, uma cebola fresca muito grande, um bocado de entrecosto, umas pernas de frango do campo e um pouco de sal. Deixei cozer em lume baixo (ie, depois de ter fervido, baixei). Quando vi que já estava quase, juntei feijão verde abundante, repolho, cenouras e batata doce e, por cima, uma farinheira. Depois de ferver, baixei e ficou em lume muito brando. Depois de cozinhar, ficou a descansar durante um bocado.
Modéstia à parte, estava bem bom. Como estou a fazer dieta, não comi batata doce e mal provei a farinheira.
Mas, dizia eu, que andava lá fora e a sentir o cheirinho bom que saía pela chaminé. Quando penso in heaven, há várias ideias boas que tenho cravadas em mim e uma delas é esta: estar na rua a varrer, a lavar tapetes ou a estender roupa e sentir o cheirinho apetitoso que sai pela chaminé.
Há uma outra: estar no quarto ou na sala e estar a ouvir os pássaros. Gosto tanto. Traz-me uma sensação de paz duradoura, daquela que ninguém no mundo poderá subverter.
Depois de almoço deixei-me estar, durante um bocado, a descansar na sala. Estive a ler sobre a heteronímia e fiquei com a dúvida que já tinha: é uma personalidade mais rica por se desdobrar em várias ou é o eu que é mais pobre porque nunca é completamente inteiro, uno? Claro que o texto girava em torno de Pessoa mas Pessoa não será o único exemplo.
Pensei em mim. UJM é um heterónimo? Acho que não. Acho que é apenas um facilitador. É que, apesar de não usar o meu nome, sou, na mesma, eu, eu igual a mim, múltipla mas una. Não sou poética sob uma persona autónoma, maluca com outro nome, terra a terra com outro, etc. Não. Acho que talvez seja isso tudo mas sendo eu e não um múltiplo ou parte de mim. Mas adiante que eu também não sou para aqui chamada.
Mas, portanto, estava na sala, a janela aberta, e os pássaros num concerto. Tantos pássaros que ali vêm cantar. Dá felicidade ouvir pássaros a cantarem ao desafio, tranquilos, apenas sendo pássaros.
Quando saímos de lá, já eram sete da tarde e ainda tínhamos que ir a casa dos meus pais e isto sabendo que, quando chegássemos à nossa, ainda haveria sopa para fazer e uma máquina de roupa para despachar. E já com fome. Portanto, parámos na tasquinha ao pé da bomba de gasolina e fomos petiscar. Belos petisquinhos entre gente da terra que via, animadamente, o futebol.
Com tudo isto, chegámos a casa tarde e só muito mais tarde consegui aterrar aqui.
Para combater o sono, pus-me a ver outros blogues ou jornais online.
E, no The Guardian, li que faz bem à saúde física e mental ter um diário. Ajuda a estruturar ideias, a desabafar (a quem disso sente falta) e até reforça o sistema imunitário. Em particular, parece que previne ou ajuda a ultrapassar a depressão.
Transcrevo uma parte (e desculpem por não traduzir mas, a esta hora e no estado que estou, adormeceria de imediato se me pusesse com traduções):
Professor James Pennebaker, who specialises in social psychology at the University of Texas, has spent many years looking at how writing down our feelings may boost immune functioning. In Opening Up by Writing it Down, which he co-authored with Joshua Smyth, Pennebaker says expressive writing improves health and eases emotional pain. He includes findings from hundreds of studies showing the health benefits of expressing emotions, particularly after trauma.
Pennebaker explains: “By writing, you put some structure and organisation to those anxious feelings. It helps you to get past them.”Pennebaker has also found that suppressing negative thoughts, rather than talking about them, can compromise immune functioning.
This is why the effect of writing journals can be so powerful for men. The single biggest killer of men between 20 and 49 is suicide. Part of the problem is that when men become depressed, they conceal their feelings and prefer not to seek help. While 67% of women will tell someone if they feel depressed, only 55% of men will confide in someone. This is slowly changing and men are speaking out – from Rio Ferdinand to Professor Green and Prince Harry.
While this work is hugely important, there are still plenty of other men out there who may not feel quite ready to talk and prefer to keep things private. This is where the power of keeping a journal can be so helpful. It’s the next step, without feeling too exposing, where men can communicate in private the highs, lows and all their emotions in between. Journals are a safe space to offload, without fear of being judged.
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Ah, é verdade, o mais importante: falei com a convalescente que já estava a pé, a voz animada e à espera de ir para casa. E eu fico muito contente por ela e por todos, porque quando um de nós tem um problema somos todos que o temos. Mas o pior já passou e bola para a frente porque para a frente é que é caminho.
E a vida é uma coisa extraordinária, um milagre permanente e eu fico em estado de encantamento com o que me é dado presenciar e viver.
[... E eu já escrevi que me fartei. Tenho que ter atenção. Se escrever um diário é uma terapia, então convém não abusar senão torna-se uma overdose. Cerrto?]
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Fotografias feitas in heaven, dentro e fora de casa
A música é um cover de The sounds of Silence numa interpretação de Nouela
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
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6 comentários:
Concordo em absoluto.
Escrever é uma terapia, lava-nos a alma, tal como as limpezas de Primavera ou o seu fim de semana moldando a Natureza a seu jeito. Uma terapia para o espírito a outra para o físico.
Há homens que não compreendem a leitura de blogs ou consideram uma perda de tempo escrever as emoçoes de uma viagem, um evento ou o resumo de um livro. Em pequena fui motivada a fazê-lo e já o transmiti aos netos.
O papel guarda aquilo que na memoria se desvanece.
Olá.
Isso do diário não sei. Acho que não tinha paciência.
Uma coisa - sei! Que bem faz uns dias, vá lá, um mês, em retiro, desse género, pois!
Concordo em absoluto ali com a pôr do sol
e não me alongo mais sobre isso :)
Numa de no fare niente clica aqui e ali fui ter a este blog que costumo ler
e pensei cá para om os meus botões
hummm acho que a jeitinho hoje vai falar disto :)
deixa-me cá partilhar isto com ela
http://porfalarnoutracoisa.sapo.pt/2017/05/globos-de-ouro-e-pessoas-com-pouca.html
já chorei de tanto rir
mas também sei que o "bôtê já tem queixas na cpcj
acho bem
Beijos
GG
esta versão também é muito bonita
https://www.youtube.com/watch?v=Bk7RVw3I8eg
Bom. Depois de um dia desses não sei como inda consegue escrever. Eu ficaria arruinada para tudinho:).
Como a maioria das pessoas, e não só os estudiosos do tema, julgo que a escrita pode ser um portentoso escape, evasão, e até, em alguns casos, redenção. Porque nasce e cresce no silêncio interior e ordena a mente; mas também porque, tanta vez, a desvia e dessincroniza de quotidianos assolapados.
A leitura de blogues não é de fácil compreensão, o que motiva este género de escrita e de leitor é demasiado díspar e nem todos os blogues e bloguers vivem da expressão escrita. A mim me agrada a permanência, a ideia de fixar algo como ele é para mim, o corporizá-lo vestindo roupa que me pertence (a escrita é também uma vaidade que, por vezes, se disfarça de sofrimento). E depois, não rasga, não envelhece ou amarela, e nem quase ocupa espaço. Nada do que fazemos em sinceridade é em vão, mesmo que sirva "para nada".
Para alguns, blogar é, sobretudo, um meio de comunicação de si considerado na sua exterioridade, o eu é demasiado dado à notícia. Mas esses já debandaram e hoje navegam noutras águas.
A existência de um diário...não se dá com todas as personalidades; e essa ideia de se descrever a si mesmo o mais inteiramente possível, parece-me coisa adolescente. Não consigo imaginar homens adultos a fazê-lo com perseverança, dia a dia. Mas imagino que um diário contando o que em nós existe de humano e comum a todos os homens, apesar de vivido individualmente, pode ter o seu interesse.
Maria
não vi os globos de ouro. E muitas daquelas pessoas, pareceram-me bem, não lhes achei defeito.
E gostei da versão musical. Obrigada.
Olá UJM, boa noite
Estava a ler este post e a reparar como as suas preocupações com as arvores são bem diferentes das minhas.
Eu adoro árvores. E tenho algumas. Plantei-as todas quase há vinte anos. E algumas estão enormes. De facto umas tapam outras e por vezes é necessário cortar um ou outro galho, e poda-las também.
Mas eu tenho uma outra preocupação com as árvores que crescem muito. Tenho medo que elas caiam. Sim, que caiam em cima da casa, da casa da vizinha, na rua, em cima de alguém. Por vezes, naqueles invernos de temporal com chuva e vento, chego a verificar se as raízes abanam. Então quando há noticias de estragos e até tragédias provocadas por quedas de arvores, penso logo nos meus ciprestes que estão ali no jardim já com uma altura de respeito. Terei de os cortar? Raios, se calhar sim. Eles são lindos, mas eu quero dormir descansada.
L.
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