Ontem falei da escrita de Marilyn Monroe em contraponto com a de Jacqueline Kennedy e, tendo ficado tão surpreendida com a escrita da primeira, não resisti a aprofundar um pouco (um pouco porque isto, aqui, tem que ser sempre coisa pela rama, e, além disso, o meu tempo para investigações detalhadas é nulo) a evolução da sua escrita ao longo do seu percurso de vida.
Marilyn nasceu em Junho de 1926 mas não nasceu Marilyn, isso foi depois. Ao nascer foi chamada Norma Jean.
A mãe era mentalmente instável, incapaz de tomar conta e de sustentar financeiramente a filha. Do pai não se ouve falar pois Gladys divorciou-se e, além disso, nunca ficou bem claro se aquele a que perfilhou Marilyn era, de facto, o seu pai.
Norma Jean em pequenina |
A mãe era mentalmente instável, incapaz de tomar conta e de sustentar financeiramente a filha. Do pai não se ouve falar pois Gladys divorciou-se e, além disso, nunca ficou bem claro se aquele a que perfilhou Marilyn era, de facto, o seu pai.
Na primeira infância, Norma Jean viveu com os avós ou com a mãe ou e assistiu a vários episódios traumatizantes. A mãe tão depressa a queria ter consigo e protagonizava verdadeiros raptos da filha, como reconhecia a impossibilidade de a ter e deixava que outros se preocupassem com ela. Norma Jean passou, pois, a infância em bolandas entre a casa de uma amiga da mãe que lhe incutiu o gosto pelo cinema (nomeadamente por Jean Harlow cujo look viria a querer imitar), uma tia da amiga, uma outra tia, e mais outra família, instituições, etc. Além disso, e como se isso fosse pouco, menina bonita e cativante, rapidamente despertou a gula dos homens com quem privava, levando a que tivesse que deixar a casa dessa grande amiga da mãe por o marido a ter assediado sexualmente. Não foi o único e não é claro que algum dos que tentou não o tenha conseguido.
Aliás foi a essa infância altamente problemática, em que se sentia indesejada, um fardo, e em que, tão depressa era assediada por uns como rejeitada por outros, que muitos atribuíram a hiperactividade sexual que mais tarde viria por vezes a demonstrar, e as insónias, e a instabilidade emocional de que viria mais tarde a sofrer.
Norma Jean sorria, sorria sempre, parecia a miúda mais feliz do mundo |
Aliás foi a essa infância altamente problemática, em que se sentia indesejada, um fardo, e em que, tão depressa era assediada por uns como rejeitada por outros, que muitos atribuíram a hiperactividade sexual que mais tarde viria por vezes a demonstrar, e as insónias, e a instabilidade emocional de que viria mais tarde a sofrer.
Quando entrou na adolescência, uma vez mais a família que, na altura, a acolhia teve que se mudar e, para Norma Jean não ter que ir para uma casa de acolhimento, foi convencida a casar-se com um jovem seu amigo, o filho de um vizinho. Foi o seu primeiro marido que, logo a seguir, foi para a guerra.
Norma Jean Baker, morena, nariz largo sorridente apesar de tudo o que lhe acontecia |
Era assim a letra de Marilyn por esta altura, a letra de uma jovem que vivia na defensiva, medrosa, hesitante |
Norma Jean foi então trabalhar para uma fábrica ligada à aeronáutica. Com o objectivo de figurar numa revista feminina dirigida às mulheres, especialmente àquelas cujos maridos estavam na guerra, Yank, the Army Weekly, foi-lhe sugerido que fosse fotografada, como modelo, para aparecer lá. Nessa altura era ainda morena mas disseram-lhe que seria preferível que se pusesse loura como a Jean Harlow. Norma Jean nem pensou duas vezes. As fotografias foram um sucesso.
Era uma segunda Jean Harlow e não tardou a despertar a atenção da gente do cinema.
Era uma segunda Jean Harlow e não tardou a despertar a atenção da gente do cinema.
Foi então que mudou de nome. Monroe era um dos nomes da mãe e, depois de alguma hesitação, aceitou ser Marilyn, um nome que soava sexy, disseram-lhe.
Começou, entretanto a dar nas vistas como actriz e começou a ter mais papéis. Em 1950, tendo assinado um contrato por sete anos com o estúdio 20th Century Fox, aceitou fazer uma pequena cirurgia plástica ao nariz para o tornar mais afilado, mais perfeito.
Em 1951 inscreveu-se University of California, Los Angeles, onde estudou literatura e crítica de arte.
Marilyn fotografada por Eve Arnold Marilyn tem numerosas fotografias a ler, gostava muito de ser fotografada com os seus livros |
Começou a fazer figuração em pequenos papéis enquanto começou a ter aulas de canto, dança e representação. Quando não tinha trabalho no cinema, trabalhava como modelo. Foi, por essas alturas, que aceitou posar nua por 50 dólares.
Marilyn e os nus da polémica que a ajudariam, afinal, a lançar-se Esta, em concreto, foi capa da Playboy Fotografia de Tom Kelley em 1952 |
Exuberante, irregular, impulsiva, insegura - assim era a letra de Marilyn nesta fase de descoberta e euforia |
Uns anos depois foram divulgadas as fotografias de nus, o que provocou um escândalo que fez vacilar o estúdio quanto à sua conduta. Marilyn resolveu assumir que eram de facto dela as fotografias mas que o tinha feito porque precisava de dinheiro para viver. O público desenvolveu uma simpatia ainda maior por ela e Hugh Hefner fez dela a 1ª Playmate of the Month, fazendo a capa da Playboy.
Passo a passo, acabou por se tornar internacionalmente conhecida mas, por outro, o seu aspecto sensual fazia com que frequentemente lhe atribuíssem papéis de loura burra, o que de todo não era.
Belíssima, os fotógrafos adoravam fotografá-la, diziam que não se percebia se a luz se reflectia nela como em ninguém mais ou se a luz vinha mesmo de dentro dela. Aqui fotografada por Milton Friedman |
Teve aulas com Lee Strasberg no Actor’s Studio que disse "Já trabalhei com centenas e centenas de actores e actrizes e só há dois que se destacaram dos outros. O número um é Marlon Brando e o número dois é Marilyn Monroe."
As câmaras adoravam-na, captando a sua subtileza, a sua sensualidade. A luz parecia reflectir-se no seu corpo e no seu rosto fazendo parecer que era dela que a luz irradiava.
Marilyn, uma material girl avant la lettre, aqui de novo segundo Milton Friedman |
A escrita de uma mulher bem sucedida, segura, exuberante na sua sensualidade, assim era a escrita de Marilyn |
Apesar de tímida, de ter medo do palco, de chegar atrasada ou de se esquecer das falas, querendo repetir as cenas vezes sem conta até se dar por satisfeita, o resultado era sempre um sucesso, tendo sido nomeada e agraciada com alguns prémios.
Contudo a nível pessoal as coisas não iam tão bem. Já ia no terceiro marido (Arthur Miller) e os sintomas de vulnerabilidade pareciam acentuar-se. Outra coisa a perturbava profundamente: queria ter filhos mas abortava, o que a deixava de rastos.
Pelo meio teve um breve caso com Yves Montand que não resultou pois ele não quis separar-se de Simone Signoret.
Simone Signoret, Marilyn Monroe e Yves Montant |
Falam-se de outros flirts, um ou outro algo mais que simples flirt, mas era ao segundo marido, a Joe DiMaggio que ela chamava quando estava mais em baixo.
É que, entretanto, os problemas de insónias tinham começado a acentuar-se e teve que começar a ser medicada. Mas ia a vários médicos, tomava medicamentos de mais. Tornou-se dependente também do psiquiatra Dr. Ralph Greenson. E, se ele não estava por perto, mais medicamentos e álcool ela ingeria. O último filme, The Misfits, os Inadaptados, já foi um calvário. Doente, chegando sempre atrasada, levando a equipa toda ao desespero, esquecida das suas falas, levou-a a ter inclusivamente a ser internada durante dez dias.
Foi por essa altura que Eve Arnold fez a fotografia que mostrei ontem. Vejo as fotografias e tirando uma ou outra em que algum cansaço é notório, as outras mostram uma Marilyn belíssima, alegre, com aquela sensualidade inocente e feliz que parecia caracterizá-la. Aquela sua duplicidade era qualquer coisa de extraordinário. Dá ideia que ao sentir-se olhada por uma câmara, se tornava outra, tomada pela leveza, sem quaisquer pesos a desgraçar-lhe a vida. Parecia irradiar serenidade.
Marilyn, por Eve Arnold, também por altura da rodagem de The Milfits Olha-se e parece ver-se uma mulher tranquila, confiante, feliz. E, no entanto... |
Depois do filme divorciou-se e voltou a ser internada, desta vez para ser operada às trompas de Falópio (não sei mas, provavelmente, outra gravidez mal sucedida).
E não dormia e sentia uma angústia que a quebrava por dentro. Estava péssima, infeliz, frustrada, dependente.
E não dormia e sentia uma angústia que a quebrava por dentro. Estava péssima, infeliz, frustrada, dependente.
O seu estado de ansiedade acentuava-se e tenha crises de pânico, e um verdadeiro pavor de representar.
Em Maio de 62, nessa altura em que já estava assim, foi convidada para cantar os parabéns a você a John Kennedy, Presidente dos EUA, a convite de um cunhado deste. Sexy e provocante, um vestido sobre o corpo que quase a deixava nua, sem roupa interior - ninguém diria o estado em que estava. Vejo o filme e pasmo. Esta era a pessoa que vivia quase à custa de medicação? Que não dormia senão drogada? Que bebia demais? Que se sentia miserável? De facto, no início, vê-se pela respiração que está tensa mas também era normal (eu, se fosse comigo, se perante aquela imensa plateia tivesse que actuar para um Presidente, ainda por cima, para um Presidente do qual fosse amante, estaria petrificada de terror - se bem que nem consigo imaginar tal situação sendo o Presidente o Cavaco. Credo).
Teve um caso com o Presidente e, apaixonadíssima por ele, ligava volta e meia para a Casa Branca, tendo chegado a dizer à própria Jackie Kennedy que ela, Marilyn, seria a próxima Primeira Dama. O estado de desnorte em que estaria para fazer uma coisa dessas… Jackie ter-lhe-ia respondido friamente que poderia ir andando. Farta de saber dos deslizes do marido estava Jackie. Vivia a aturar-lhe as insuportáveis dores nas costas e os descarados adultérios. E, perante o exterior, também sempre sorrindo suavemente - tal como vos mostrei ontem, assim a captou também Eve Arnold: Jackie, a sereníssima esposa, a orgulhosa mãe da filha Caroline que brincava com as flores.
Quando o Presidente deixou Marilyn (um Presidente não pode correr o risco de ter um caso com uma pessoa desequilibrada que mete na cabeça ser Primeira Dama), ela teve um profundo, profundo desgosto. Consta que amava John Kennedy com verdadeira paixão (o que também não é de estranhar já que John era uma criatura solar, um carismático líder, belo e sedutor) e que tinha idealizado poder viver com ele um grande e legitimado romance de amor.
Nesse período de turbulência consta que mantinha em simultâneo um caso com o irmão, Bob (que, segundo se diz, a teria visitado no dia em que ela apareceu morta) e que foi para este irmão que se virou mais intensamente quando abandonada por John. Marilyn estava, pois, a tornar-se incómoda para a Casa Branca: instável, sentindo-se abandonada, dependente de medicação, já não media bem o impacto dos seus actos. Um caso sério.
Marilyn vs Jackie (Não podiam ser mais diferentes) |
Nesse período de turbulência consta que mantinha em simultâneo um caso com o irmão, Bob (que, segundo se diz, a teria visitado no dia em que ela apareceu morta) e que foi para este irmão que se virou mais intensamente quando abandonada por John. Marilyn estava, pois, a tornar-se incómoda para a Casa Branca: instável, sentindo-se abandonada, dependente de medicação, já não media bem o impacto dos seus actos. Um caso sério.
Por essa altura conturbada, Marilyn faltava constantemente às filmagens. A consequência era inevitável: foi despedida e obrigada a indemnizar o estúdio.
Foi então que Marilyn desencadeou uma série de ofensivas mediáticas, aceitando entrevistas e sessões fotográficas para a Vogue (a última sessão, The Last Sitting, com Bert Stern é das mais famosas), para o Cosmopolitan e para a Life.
Sempre luminosa, um corpo belo, um rosto feliz. Não se vêem traços de noites em claro, se bebia demais isso não lhe alterava o semblante, se vivia deprimida, infeliz, isso não transparecia por entre o sorriso insinuante, os gestos soltos, descontraídos.
Sabemos que temia, sobretudo, a solidão. A mulher mais desejada do mundo não tinha, muitas vezes, com quem passar a noite, com quem festejar o aniversário, com quem conversar.
Mas, enfrentava uma câmara e nem rasto de tristezas, de medos, de dependências. Nada. Apenas beleza.
Marilyn fotografada por Bert Stern Bert Stern achou-a divertida, com sentido de humor, brincalhona, ousada, muito sensual, orgulhosa do seu corpo - uma deusa material Seis semanas depois morria |
Sempre luminosa, um corpo belo, um rosto feliz. Não se vêem traços de noites em claro, se bebia demais isso não lhe alterava o semblante, se vivia deprimida, infeliz, isso não transparecia por entre o sorriso insinuante, os gestos soltos, descontraídos.
Sabemos que temia, sobretudo, a solidão. A mulher mais desejada do mundo não tinha, muitas vezes, com quem passar a noite, com quem festejar o aniversário, com quem conversar.
Mas, enfrentava uma câmara e nem rasto de tristezas, de medos, de dependências. Nada. Apenas beleza.
Ainda de The last sitting, Marilyn por Bert Stern para a Vogue (finais de Junho de 1962) |
Entretanto, no meio de toda esta vida complicada, andava a estudar outras possíveis participações em filmes. Nada fazia prever que tencionasse pôr fim à vida. Aparentemente não o fez deliberadamente. A não ter ocorrido intervenção de alguém no infeliz desfecho (coisa que nunca se soube ao certo), o mais provável é que o álcool e o excesso de medicamentos tenham levado acidentalmente ao trágico final (embora tudo o que envolve esta triste situação esteja envolto em contradições).
No início de Agosto de 1962, com 36 anos, Marilyn, foi, pois, encontrada morta, nua, na cama, com um frasco de comprimidos ao lado. Diz-se que o seu último telefonema terá sido para o Presidente.
No início de Agosto de 1962, com 36 anos, Marilyn, foi, pois, encontrada morta, nua, na cama, com um frasco de comprimidos ao lado. Diz-se que o seu último telefonema terá sido para o Presidente.
Apenas 31 pessoas a acompanharam o enterro. A polícia vigiava de perto.
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Senhores, que isto ficou longo demais! Como é que eu vou conseguir reler tudo com o sono com que estou? A ver se me levanto mais cedo para o fazer. Desculpem, portanto, as gralhas que por aí encontraram.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta feira muito feliz.
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E, já depois de ter fechado este post, volto para aqui colocar um poema da Leitora Era uma Vez (a quem muito agradeço) sobre Marilyn
Quando aquela súbita ventania
nasceu do centro da terra
e soprou sensualidade no seu corpo de mulher
um aceno "iluminou o mundo"
tudo parecia belo e sem defeito
a brisa o branco a transparência
tudo tão perfeito
o olhar deslumbrante e deslumbrado
então
que nome
que tédio
que segredo
que mistério
desenhou um traço a negro
na alvura do momento errado???
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4 comentários:
O que sempre me surpreende é a actualidade das imagens e das produções fotográficas de Marilyn.
E os cortes de cabelo. Até os vestidos. Nada passou de moda. Poderia ter sido ontem, hoje.
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Diante da mais conhecida foto(da imortal "lufada de ar fresco") pergunto:
Quando aquela súbita ventania
nasceu do centro da terra
e soprou sensualidade no seu corpo de mulher
um aceno "iluminou o mundo"
tudo parecia belo e sem defeito
a brisa o branco a transparência
tudo tão perfeito
o olhar deslumbrante e deslumbrado
então
que nome
que tédio
que segredo
que mistério
desenhou um traço a negro
na alvura do momento errado???
Norma Jean foi sempre uma inadaptada e não obstante a sua admirável beleza e sensualidade, entende-se bem a opção de Ives Montand por Simone Signoret.
Erinha,
Concordo. Mantém-se estranhamente moderna. E sabe uma outra coisa que me surpreende nela? Ela tinha cabelo escuro que pintava de louro platinado. Como é que não há uma única fotografia, e tão fotografada que ela foi, que a mostre de raízes escuras à vista? Será que mesmo nos períodos de angústia, depressão, internamento, tinha mesmo assim o cuidado de se manter sempre arranjada? Pelos vistos sim. Sempre bela e sorridente como se o drama não a atormentasse.
Vou colocar o seu poema no fim do meu texto.
Obrigada.
jrd,
Percebo o que diz. Marilyn era bela e sensual mas viver com ela devia ser um carrossel emocional, nada, nada fácil.
A Signoret era uma companhia bem mais serena e estável, certamente.
Um abraço.
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