quarta-feira, junho 05, 2013

'Por vezes, tento dar vida a essas plantas que morreram, deito-lhes a água das lágrimas antigas. Mas elas morrem de novo.'. Tempos de cinza, estes.


No post abaixo conto como, ao ver Nuno Crato a ser entrevistado pelo Paulo Magalhães na TVI 24, me recordei da visão aterradora que tive um dia, ao assistir à dormência e antecipada rendição de um ratinho que se deixou devorar por uma cobra. Tomara que os professores não se portem como ratos. Ou melhor que não se deixem devorar, que lutem de pé, de frente, sem medo. 

Mas isso é a seguir. Agora, aqui, a conversa é outra.


Música, por favor, ouçamos o chubinho do mar




Podia falar-vos da estranheza que é para mim pensar que o Diário de Notícias ou a TSF, tão portuguesas, com uma história que se confunde com a de Portugal nos tempos mais recentes, vão passar a pertencer maioritariamente a um empresário angolano, Mosquito de seu nome, que, pelo que percebi está nisto como investidor e não pelo amor à Comunicação Social.

Podia falar-vos também da estranheza que é para mim pensar que os CTT, uma empresa lucrativa e tão enraizada na sociedade portuguesa, podem (se ninguém travar este desalmado governo) passar a ser propriedade de uma empresa de transportes e mudanças ou, então, propriedade da empresa de correios do Brasil, uma empresa estatal, mais uma empresa estatal de outro país a ficar com uma outra das nossas maiores empresas públicas, imagine-se.

Podia falar-vos da estranheza que ainda me causa saber da perfídia de quererem publicar a lista de pessoas assistidas, dos que recebem apoios sociais, habitação social. Podia falar-vos do espanto que ainda me causa perceber que a atracção pela desonra destes seres que nos governam não tem limites. Podia falar-vos disso. 

Podia falar-vos da revolta que vai alastrando na sociedade perante tantas e tantas coisas estranhas e inquietantes, da violência que vai crescendo, uma violência surda, uma raiva. Podia falar-vos da angústia que sinto quando leio os comentários tão desalentados, tão sofridos, tão cansados, que vocês, meus queridos leitores, escrevem aqui neste vosso espaço.

Mas hoje não o vou fazer mais. As coisas concretas começam a assustar-me. É tudo tão assustadoramente mau e o mal alastra a uma velocidade tal e de forma tão sorrateira que me assusto. Não quero, pois, falar de coisas concretas. 




                                              Por vezes, tento
                                              dar vida a essas plantas que morreram, deito-lhes
                                              a água das lágrimas antigas, despejo sobre as suas raízes
                                              o álcool dos copos bebidos até meio, e vejo-as
                                              animarem-se como o rosto cuja palidez ganhou
                                              um fulgor de sol no dia de névoa. Mas
                                              elas morrem de novo; e recomeça a viagem, para
                                              que o vento da memória me obrigue a fechar
                                              os mapas que me deram, para nunca saber o caminho.


Quero procurar a abstracção, perder-me no infinito abstracto, ignorar as muitas dimensões do espaço, deixar-me ir. Não quero ficar presa na mediocridade que alastra, não quero falar mais da leviandade impiedosa, da maldade gratuita (ou pensada - não sei). Juro que não quero. Hoje quero ir à toa, quero ser levada. Que passe por aqui um anjo ou um pássaro ou um sonho e que me levem por umas horas. 

Vou abrir a janela, esperar que um sopro me traga alguma serenidade ou me leve por caminhos que ignoro. Quero percorrer, na noite, os caminhos das palavras, quero que sigam o seu autónomo caminho, livres, leves.

Mas não é fácil. O peso dos dias prende-me o voo.




                                                              os jovens afastaram os velhos
                                                              e agora achincalham os velhos
                                                              Isto não fica esquecido
                                                              até a vossa juventude ser esquecida:
                                                              o que aos velhos fizerdes os vossos jovens vo-lo farão


Mas a incerteza que oculta a luz, os labirintos obscuros, os gemidos nas esquinas, o medo, o muito medo, tudo me prende o passo. 

                                                                                    O dinheiro nunca teve cor, mas agora
                                                                                    não tem mundo nem maneiras

A realidade é pesada. Teima em vir agarrar-se às minhas pernas, impede-me de abrir as asas. Tento afastá-la mas não consigo.

- Não. Isto não.

Não quero rostos de cinza, palavras velhas, lamentos sofridos, rugas e tristezas, esgares amargos, lágrimas - não quero.

Quero a largueza de um voo, a doçura de um sorriso, o calor de um corpo livre.

Mas não consigo.




Um abraço com risos, flores cheias de sol, esperança e bondade, inocência - quero tanto isso agora. 

Onde estão vocês, meus amigos, que não vêm agora até aqui para me levarem convosco por essa noite fora, pelos vastos céus, por caminhos limpos, por entre estrelas e palavras puras?

Onde estão vocês, meus amigos, que não entram por esta janela para me ensinarem a esquecer por momentos o negrume que cresce do chão?


*

Fico-me por aqui. Por mais que tente, hoje  não consigo escrever palavras alegres. Desisto.

As pinturas são de Ilda David. A música é composta e interpretada pelo talentoso Vasco Duarte Abranches e desejo que, de tão bela que é, tenha atenuado o negrume das palavras.

O primeiro poema é um excerto de 'Registo', de Nuno Júdice. O segundo é de Walther von der Vogelweide e é citado por Eugénio Lisboa. O último é um excerto de 'Os derrotados de Abril' de Luís Filipe Castro Mendes. Todos eles constam da última edição do JL.

*

Relembro, embora não seja agradável: para lerem sobre o mamar doce da cobra Crato é descerem até ao post seguinte.

Caso queiram aligeirar um pouco o ambiente, convido-vos a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa, a love affair. Aí, pelas mãos do Poeta-Embaixador, escrevo sobre a noite de um certo Poeta. A música por lá é do mais desconcertante que há. Ou melhor, hoje nem é bem a música que é desconcertante: é a intérprete. Verão porquê.

*

E, portanto, não conseguindo animar-me e não vindo vocês aqui dançar comigo ou conversar e rir, vou-me deitar.

Tenham, meus Caros Leitores, uma boa quarta feira. Saúde e esperança é o que vos desejo.


2 comentários:

jrd disse...

Ocorre-me que me indignei quando a TSF foi fechada pela dupla Cavaco/Carlos Barbosa (o do ACP).
Depois reabriu, mas nunca mais foi a mesma, principalmente, desde que passou para as mãos do “Oliveirinha”.
Também lamento que passe para mãos estrangeiras, mas prefiro aguardar pela linha editorial antes de estabelecer comparações.

Pôr do Sol disse...

Olá Querida Jeitinho!

Estamos na mesma onda.
Fartas e receosas, resta-nos a esperança de que muito brevemente passe por aqui a tal nave dos loucos que deixou cair o grupo de inqualificaveis,(já não sei que lhes chamar)que teima em destruir o País levando-nos a todos para o fundo.

Vou animar-me um pouco na sua outra casa e levar-lhe um presente.