quarta-feira, novembro 21, 2012

A música e as cores dos nossos pensamentos ou quando a alma se desprende dos campos de girassóis e, com um grito, se lança numa cavalgada celeste ao som do piano






Como soam os meus pensamentos quando os penso em silêncio? Ou, se falo, soa a minha voz da mesma forma que soariam os meus pensamentos se lhes fosse dado ter voz?

Não sei. 

Sabia que os pensamentos têm  cor e que as suas imagens tantas vezes parecem obras de arte. Sabia que, dentro de nós, no mais misterioso dos territórios, a paisagem é fantástica, abstracta. Os neurónios, as suas ligações, as suas formas ou deformações, tudo é desenhado à mão livre, pintado com liberdade imensa.



«O Grito» de Edvard Munch (esq.) e «Cortes de bulbo olfativo de ratinho» (dir)
por M. M. Gabellec e M. Alonso do Institut Pasteur Paris, França, conseguido
através da marcação por imunofluorescência com anticorpos dirigidos contra moléculas



Não há muito tempo a Gulbenkian mostrou-nos pinturas junto de imagens do cérebro. Belas, coloridas, estas imagens, colhidas por cientistas, investigadores, neurologistas, quase parecem as que os pintores sonham.



Os Girassóis, de Gustav Klimt (Viena, 1862 – Neunau, 1918) e um neurónio em cultura,
produzindo dopamina, do Institut du Cerveau et de la Moelle Epinière
 Université Pierre et Marie Curie, Paris, França.

O grito, campos de girassóis, imagens que não nos são exteriores, imagens que se estendem como paisagens ou como sustos e que habitam dentro de nós. Misturam-se estas imagens com a nossa alma? Ou são estas imagens a nossa alma?

O que é a alma? Tal como alguns cientistas admitem, forças quânticas que circulam, invisíveis e poderosas, dentro de nós e que se evolam do nosso corpo, mal ao pó voltamos?



Cavalgada Celeste, um óleo sobre tela de Salvador Dalí (Figueras, 1904 – 1989)
e a Fase II da diferenciação de neuroblastoma por Torsten Wittmann,
UCSF, Dept of Cell & Tissue Biology, San Francisco, EUA.


Um dia a nossa alma cavalgará, transparente, pelos céus, parecendo-se, se a conseguíssemos ver, com as imagens secretas que nos habitam e que os cientistas desvendam, deslumbrados?

Sabemos também que o cérebro se ilumina mais quando há paixão ou quando se vêem obras de arte. 

Sabemos, no extremo oposto, que o cérebro definha, quase desaparece, quando a mente se obscurece.

Um cérebro com Alzheimer é um cérebro que se cansou, devorado pelo cansaço de existir.



Um cérebro normal à esquerda e com Alzheimer à direita


Misteriosos desígnios que, mais fortes que nós, insensíveis à nossa vontade, agem à rédea solta. Dentro de nós.

Pois bem, conforme se pode ler no site Ciência Hoje, um novo passo foi agora dado por  Jing Lu e Yao Dezhong: 'compuseram' música a partir da observação da actividade neurológica. Os impulsos eléctricos desencadeados pelos neurónios podem ser vistos como ondas que se movem no interior do cérebro e que podem ser registadas e transformadas numa pauta musical.

Para converter as ondas em música, os cientistas utilizaram imagens de eletroencefalograma e de ressonâncias magnéticas de uma mulher de 31 anos e de uma rapariga de 14. Com os primeiros, criaram os tons e a duração das notas. As ressonâncias magnéticas serviram para controlar a intensidade.

O estudo reflecte dois tipos de ondas cerebrais (EEG e fMRI) para que tom e intensidade se registem separadamente.


A música do cérebro


Há quem a descreva como música erudita, piano. Estive a ouvi-la e parece-me jazz, um improviso ao piano. Sons muito livres, sons que se soltam em cavalgadas celestes, pétalas que deslizam levadas pela aragem em campos coloridos e perfumados. Ou gritos.

Agora que vos escrevo, que música se estará a desprender dos meus pensamentos? 

As ondas que se desprendem do meu cérebro voam, pelos largos espaços, atravessam a noite escura, atravessam cidades, mares, continentes  e, como uma música suave, chegam intactas até vós? Chegam?

Vocês que estão aí, escondidos de mim, tão escondidos como as paisagens que se escondem dentro do meu cérebro, agora que lêem estas minhas palavras, as palavras que o meu cérebro me fez escrever, ouvem também a cor e a melodia da minha alma?

Conhecem-me vocês melhor do que eu me conheço a mim própria?


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A música, muito pura, uma música que um cérebro muito puro um dia sonhou, é Promessas de Bernardo Sassetti.

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Convido-vos ainda a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje uma pantera de olhar cansado olha-nos, entristecida. São assim as minhas palavras que se desenham em volta de um poema de Ana Luísa Amaral. A música é de Henry Purcell e escolhi um baile para ver se animo as nossas almas.

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Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, que esta quarta feira seja um dia feliz. 
Que os vossos pensamentos sejam coloridos, os vossos sentimentos sejam calorosos e que, das vossas almas, se soltem melodias muito suaves (ou divertidas).

19 comentários:

JOAQUIM CASTILHO disse...

Mais uma excelente "reportagem" de quem está atenta ao que, no meio da crise e da destruição geral, ainda vai acontecendo de belo e interessante na nossa cidade.
Eu, que tenho o hábito de fotografar exposições, fiquei duplamente agradado pelo seu texto e pelas belas fotos e ainda mais por ver que não sou só eu "o louco" que anda por aí a fotografar exposições!

Mais uma vez um sereno obrigado!

Anónimo disse...

Olá,

A Daphne du Maurier foi uma escritora fantástica, com uma imaginação prodigiosa e uma vida muito interessante, que pode ser lida no livro 'Daphne' da Justine Picardie.

Nasceu em Londres, em 1907, filha de Sir Gerald du Maurier, Lady Browning por casamento, mais tarde Dame por condecoração, morreu na sua amada e muito retratada Cornualha em 1989.

Foi uma mulher livre e aventurosa, como só algumas mulheres da alta burguesia inglesa conseguiam ser.

Foi também fonte de inspiração para o mestre Hitchcock, que adaptou para o cinema, por exemplo,
Rebecca, A Pousada da Jamaica e Os Pássaros.

Do livro Rebecca, transcrevo:
"Faz falta um invento que permita encerrar, enfrascar as memórias, como se faz aos perfumes, para que nunca perdessem o aroma, nunca se deteriorassem.

Para que, quando o desejássemos, pudéssemos abrir o frasco e respirar de novo o momento feliz ali conservado."

Achei a ideia fantástica!
Mas pouco prática, onde iria pôr tanta frascaria?

Claro que quando falei na minha colecção de frascos de memórias no 'Ginjal', estava a referir-me a uma colecção imaginária que guardo, precisamente, no cérebro.

Só que, com a idade, corro o risco de esquecer a maior parte deles...

A jeitinho tem a sua colecção de frasquinhos (e que maravilhosa ela é) guardada nos seus blogues.
E que generosa é ao partilhá-la connosco!

Voltando à Du Maurier, a maior parte dos livros dela está esgotada em Portugal, tenho alguns em inglês.

Mais uma vez, recorri à bib e encontrei 3 ou 4, muito velhos e sujos (que pena nem todos os leitores da bib tratarem os livros com estima e carinho!), mas consegui o meu propósito: conhecer melhor esta autora!

A minha Rebecca (National Book Award em 1938) é uma edição de 75, com letrinhas minúsculas, mas de que nunca me vou separar (esta é para a Isabel: beijinho, Isabel!), pois está cheia de sublinhados muito pessoais.

Para terminar, e para uma pessoa que 'ainda é mais bonita do que a Julie Christie', recomendo um filme retirado do conto 'Don't Look Now', uma história algo assustadora sobre premonições, passada em Veneza, precisamente com a Julie Christie e o Donald Sutherland.

Vi-o nos anos 70, no cinema, não me lembro do nome em português, lembro-me sim que o filme ficou famoso cá por razões que não tinham nada a ver com a história.
E mais não digo!

Beijinho,

Antonieta

Maria disse...

Amiga:
"O Grito" de Munch, apavora-me, porque já o vi e ouvi.
Há poucos anos, a mãe da minha cunhada estava a agonizar. Fui vê-la e vi o "Grito". Saí de lá apavorada e a pedir que aquela agonia terminasse.
Aquele rosto contorcido, as feições transtornadas, gritavam em silêncio.
Foi horrível. Saí de lá, com a sensação de ter ouvido um grito agudo, doloroso.
As descobertas que fazem do cérebro humano, são espantosas.
Não consigo dizer mais nada. O meu cérebro, hoje, só consegue ver e ouvir "O grito", aquele Grito, que vi, um dia.
Ouvi a música, sem ouvir. Tenho que voltar mais tarde.
Abraço grande
Mary

João disse...

um do melhores textos do blog!
J

O Puma disse...

Grato pela viagem belíssima

Mar Arável disse...

Excelente texto partilhado

jrd disse...

Escreve quem sabe. Lê quem quer apreender.Ouve quem sente.

Obrigado

Um abraço

GL disse...

Passei por aqui, numa viagem sem destino, numa viagem de descoberta.
E gostei, muito. E vou ficar.



Um Jeito Manso disse...

Olá Joaquim Castilho,

Por onde ande, ando de máquina (às vezes para arrelia de quem me acompanha...). Tenho sempre cuidado para ver se não apanho as pessoas de forma a que sejam identificáveis. Outras vezes não há muita luz e, em grande parte dos casos, não dá para usar flash pelo que tendem a ficar desfocadas. Mas eu até parece que não consigo apreciar bem o que vejo, seja em exposições, sejam paisagens, seja o que for, se não andar de máquina.

No caso destas da cor do pensamento as fotografias não são minhas pois queria tê-las encostadas umas às outras e o meu tempo e habilidade não chega para tanto. Estas arranjei-as na net. As do Palácio da Ajuda e todas as outras, em geral, são minhas.

Já estive a ver as suas no seu blogue e gostei muito, como já lhe disse também no Ginjal.

Muito obrigada pela gentileza das suas palavras. são palavras que também respiram serenidade.



Um Jeito Manso disse...

Olá Antonieta,

Como sempre é um prazer ler o que escreve. O seu conhecimento sobre livros (e sobre cinema) é vasto e, na forma como escreve, sente-se o seu prazer em partilhá-lo. Seria, certamente, uma fantástica professora de literatura. Dá vontade ir ler os livros que refere e ir tentar encontrar as partes que cita.

Quanto àquilo da Julie Christie, tenha um consideração que foi dito por um jovem encalorado, numa noite caliente, e que eu, nessa altura também era muito jovem. E, até custa a dizê-lo, mas é verdade: passou-se nos idos do século passado. E dito assim quase sinto que devo ser muito velha, uma velha do século passado.

(Mas não sou... ou pelo menos, não me sinto.)

Agora, ao dizer isto, lembrei-me do que um amigo meu costuma dizer quando alguém (homem ou mulher) o vê passado algum tempo sem o ver e lhe diz, 'que bem que estás!'. Responde ele: 'isso é porque ainda não dormiste comigo...'. Quem já o conhece, não se admira mas, quem não está habituado e não é muito íntimo, geralmente reage com algum desconcerto - o que fica divertido de observar.

Mas é melhor eu não dizer isto aqui, até porque não vem a propósito, já que ninguém me disse: 'apesar de ser do século passado, ainda está muito benzinho...'.

Quanto ao Don't look now, se é o filme de que me estou a lembrar, um bocado mórbido, lembro-me, então, em especial, de uma certa cena que não era muito usual na altura, a nudez no masculino. Aliás, ainda agora, quando vejo algum filme com o Donald Sutherland, vem-me à memória isso. Se calhar eu nem devia estar a dizer isto aqui, imagine-se uma criatura do século passado a dizer uma coisa destas.

Um beijinho, Antonieta!

Um Jeito Manso disse...

Olá Mary,

Que horror o que descreve. O rosto das pessoas em sofrimento é doloroso. Há algum tempo, um colega meu falou-me de um outro colega que eu não via há algum tempo. Disse-me que estava estranho, que parecia que estava muito doente mas que não queria falar disso e que continuava a ir trabalhar, que, às vezes, saía do edifício e ia para o carro e depois voltava. Eu não sabia de nada. Algum tempo depois, cruzei-me com ele no corredor e fiquei quase estarrecida. Estava muito magro, o rosto parecia quase uma caveira, muito branco, ou cinzento, nem sei dizer, e com o estômago ou a barriga muito inchada e andava a custo. Cumprimentou-me sorrindo e a voz era a mesma, o que me fez muita impressão porque ele já não era o mesmo. A cara dele não me sai da cabeça. Morreu dias depois.

Mas não falemos agora disto. O Grito é terrível mas o campo florido é lindo, as criaturas do dali são fantásticas, a música do cérebro é uma coisa inesperada e a vida está cheia de surpresas.

E a música do Sassetti é linda, uma música toda ela feita de alma, tocada com a alma - e digo isto sem saber o que é a alma, imagine-se.

Um abraço, Mary, e festejemos a vida!

Um Jeito Manso disse...

João,

Muito obrigada. E, se é o João que eu penso que seja, um beijinho com todo o carinho do mundo.

Se for outro João e não o que eu penso, então, se faz favor, fique com este carinho todo com que, certamente, não estava à espera e pense que há dias de sorte (claro que, sorte por sorte, mais valia que tivesse ganho o euromilhões...), mas não fique à espera desta efusividade em próximas ocasiões, está bem?

Um Jeito Manso disse...

Olá Puma,

Que grande nome o seu. Gosto. Obrigada pelas suas palavras.

Volte sempre.

Um Jeito Manso disse...

Olá, Autor de Mar Arável,

Já tinha visto este nome em comentários a outros blogues mas nunca tinha 'ido atrás' do nome, não sabia que há também um blogue com esse belo nome. E vejo lá poemas que presumo que sejam seus. Gostei. Vou visitar.

E, claro, muito obrigada pelas suas palavras. Partilhar é mesmo a palavra certa pois, se há prazer que tenho, é, justamente o de partilhar.

Volte sempre que quem fala de mar ou junto ao mar é, por aqui, sempre muito bem vindo.

Um Jeito Manso disse...

jrd,

Ou sou eu que hoje estou muito sensível ou são as suas palavras que hoje me estão a tocar mais do que é costume.

Muito obrigada, eu.

Um abraço, jrd.

Um Jeito Manso disse...

Olá GL,

Ainda bem que veio dar aqui pois será sempre muito bem vinda.

Já vi que tem um blogue muito recente e que começou logo escrevendo sobre bibliotecas. Bom tema. Também me atraem, e muito, bibliotecas.

Volte sempre e muita inspiração para o seu blogue. E muito obrigada pelas suas palavras.

Anónimo disse...

Olá Jeitinho,

Não me lembro desse pormenor do Sutherland, lembro-me de ter ficado perplexa com a duração da cena (a mais longa até à data, segundo li depois), uma vez que tinha lido o livro em versão integral (Don't Look Now and Other Stories) e não havia lá nenhuma cena de 'sexo escaldante'!

Apenas isto, que transcrevo do livro Contos, Relógio d'Água, pag. 20:

"Agora finalmente chegou o momento de fazer amor, e voltou para o quarto, e ela compreendeu, abriu os braços e sorriu. Que bendito alívio, após tantas semanas de contenção."

Ridículo, não é?

Mas foi a visão que o Nicolas Roeg teve, em 1973, de um casal que se reencontra na cama algum tempo depois da morte da filhota de 5 anos.

Achei o filme opressivo, assustador, com uma Veneza deprimente e nunca mais o quis ver.
Prefiro o livro!

Mas agora aqui que ninguém nos ouve, e entre 'duas velhotas do século passado' (ahahah), lembro-me bem do pormenor do 'Ricardo Giro' no American Gigolo!

Viu esse filme? Eu acho que o vi no Tivoli, depois de um lanchinho na Veneza...

Acho que o Richard Gere, também ele um velhote do século passado, continua muito bem, apesar de eu não ter dormido com ele ultimamente (outro ahahah).

Para terminar, e para quem gosta do Gere e de cães,
recomendo:
"Hachico: A Dog's Story", do Lasse Hallström.

É a história verídica do amor incondicional de um cão pelo seu dono.

É um filme lindíssimo, que me fez chorar, coisa que há muito não me acontecia.

Ainda bem que estava sózinha em casa e ninguém viu!

Beijinho,

Antonieta

Um Jeito Manso disse...

Olá Antonieta,

Pois bem. Confesso. Durante muito tempo achei o Richard Gere um dos homens mais sensuais do mundo.

E o meu xodó começou justamente com o Amercian Gigolo. aquela forma de andar, aquele sorriso malandro, aquela meiguice, aquele corpo (que, quando estava vestido, vestia Armani), tudo aquilo me encantava.

Depois também me encantei com o Oficial e Cvalheiro, O Último Fôlego. E o Pretty Woman e o outro em que ele era bipolar. Sempre sexy, simpático, lindo.

Agora grisalho, com uns óculos, continua uma graça.

Não conheço esse filme de que aqui fala mas amanhã já vou ver se o descubro. E, se o descobrir, no fim de semana já vou ver se ele ainda continua um charme.

Obrigada!

Um beijinho, Antonieta.

Isabel disse...

Achei este post interessantíssimo!

Também gosto da Daphne du Maurier. Li algumas coisas há anos (não li muito). Tenho a Rebecca e O outro eu, dos Livros do Brasil e tenho mais um ou dois que não sei por onde poisam...

Um beijinho para si Antonieta. Eu por enquanto não me consigo separar de livro nenhum. E continuo a comprar...

Um beijinho UJM