De tarde, sob um sol ameno de outono, uma borboleta linda, com muitas cores - laranja, dourado, ocre, preto, asas aveludadas e suavemente brilhantes - pousou no meu ombro. Fui andando e a borboleta ia levantando voo ao de leve e depois voltava a pousar em mim. Eu tinha a máquina fotográfica na mão, não podia fotografar-me. Depois, levantou voo de novo, um voo maior, mas voltou para pousar na minha mão, a mão que segurava a máquina. Eu não queria acreditar. Mexi a mão devagar e ela ali estava, pousada, tranquila, andei e ela ali continuou a passear na minha mão, como se eu fosse uma flor na qual ela pousasse ou como se eu fosse borboleta como ela. Foram alguns minutos assim. Até que levantou voo e não voltou. Senti-me uma butterfly woman. Lembrei-me das vezes em que sonho que voo, tão bom, tão bom voar. Quando a borboleta de rica coloração levantou voo, gostava de ter podido também levantar voo e voar com ela voando ao meu lado.
(coisas de casa)
O poder ainda puro das tuas mãos
é mesmo agora o que mais me comove
descobrem devagar um destino que passa
e não passa por aqui
à mesa do café trocamos palavras
que trazem harmonias
tantas vezes negadas:
aquilo que nem ao vento sequer segredamos
mas se hoje me puderes ouvir
recomeça, medita numa viagem longa
ou num amor
talvez o mais belo.
(Se me puderes ouvir, in Baldios de José Tolentino Mendonça)
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