terça-feira, março 18, 2025

Uma surpresa muitos anos depois

 

A beleza das coisas é que, mesmo quando pensamos que já não há mais nada a saber, descobrimos algo que nos deixa espantados.

O que se passa com o meu cadeirão, aquele em que mais me sento, é um caso de estudo. 

Foi adquirido, há muito tempo, para uma salinha pequena in heaven, a salinha em que se está maravilhosamente quando, no verão, está muito calor cá fora. É um cadeirão relax, num material que parece camurça, que se reclina quando se puxa uma patilha num dos braços. Nessa altura, levanta-se a parte de baixo da frente, onde ficam as nossas pernas, e o cadeirão inclina-se. 

Anos depois dele lá estar, trocámos de bergères na casa da cidade e as antigas foram para o campo. Portanto, não apenas o cadeirão-relax estava um bocado pouco aproveitado como aquela salinha ficava um bocado atravancada. Resolvemos, pois, levá-lo para a a cidade.

Ninguém imagina o pesadelo que aquilo é. Pesadelo no sentido de pesar toneladas. O meu marido tentou ver se dava para separá-lo em partes para ser mais fácil de transportar mas não era decomponível. A custo, conseguimos enfiá-lo na carrinha que tínhamos na altura, que era larga e grande. Ainda não havia cão que ocupasse lugar no carro pelo que quase desmanchámos a carrinha e, a muito, muito custo, conseguimos lá enfiar o cadeirão.

O fim da picada para o tirar e para o levar para o prédio, para o elevador. Mas o pior foi o que se seguiu. Aconteceu um grande dissabor. O cadeirão, embora individual, é grande, largo. E não coube de maneira nenhuma. Pusemo-lo ao lado, de lado, em diagonal. Não cabia de maneira nenhuma no elevador.

Morávamos no último piso de um prédio alto. O meu marido e eu voltámos a tentar perceber se daria para desencaixar alguma coisa, não só para ver se o conseguíamos enfiar no elevador como para o conseguirmos manobrar. Não descobrimos.

De noite, estafados, e sem alternativa. Não íamos deixá-lo lá em baixo, no hall do prédio. Resolvemos levá-lo escada acima. 

Não há explicação. O meu marido na parte de cima, içando-o degrau a degrau, eu, em baixo, impedindo-o de caírem escada abaixo, ele e o cadeirão. No lugar em que a escada dá a volta, quase nos íamos abaixo, sem força. Tínhamos que levantá-lo, virá-lo, fazer a manobra. Por diversas vezes, julgámos que não íamos aguentar até lá acima.

Mas, não sei como, conseguimos. 

Ficou anos no escritório, junto à janela, costas viradas para a janela. Geralmente só eu me sentava ali, a ler, a luz entrando por trás, iluminando os livros.

Quando nos mudámos para esta casa, claro que contratámos uma empresa de mudanças. Todos brasileiros, eficientíssimos. 

Outra vez a mesma tourada. Os 'minino' não davam conta do bicho, não cabia no elevador, não se desmanchava, um pesadelo para levar escada abaixo. Mas, aí, eis que aconteceu o milagre: o chefe da brigada, um homem jovem, educadíssimo, eficientíssimo, decretou que tinha que se conseguir desmanchar. 'Tem qui dá', teimava ele. 'Força, m'irmão', diziam os cépticos minino. 

Em conjunto, viraram-no de patas para o ar. E aí ele foi buscar a sua mala de ferramentas e, em três tempos, tirou-lhe o pé e e engrenagem metálica. 

'Feito!'

E, num ápice, enfiaram-no no elevador.

Está agora lá em cima, junto ao janelão onde costumo sentar-me. Está de costas para a parede, quase paralelo em relação à janela. Esqueci-me de dizer que também é giratório. Por vezes, giro-o para ficar mais de frente para a janela e aí fica com as costas quase encostadas a uma estante.

Geralmente, assim que me sento, solto a patilha e ali fico reclinada.

Mas hoje aconteceu uma coisa extraordinária. Tinha levado uma caneca de chá (de urtiga) e, para a pousar e ficar-me à distância de braço sem ter que me soerguer, rodei-o mais para pôr a caneca em cima do radiador que está na parede, usualmente nas costas do cadeirão. Ou seja, desta vez, o cadeirão ficou sem nada por trás. 

Sentei-me, reclinei-me, e, não sei como, para me ajeitar melhor, fiz mais força para trás. E aí deu-se o milagre. As costas desceram até onde, em décadas, jamais tinham descido. A parte de baixo igualmente subiu. Ou seja, surpresa!, surpresa!, ficou todo na horizontal, uma verdadeira cama. 

Em tantos anos nunca me tinha apercebido disto. Pela primeira vez na sua vida, o cadeirão não tinha nada atrás que o impedisse de se reclinar ao máximo. Fiquei ali maravilhosamente, confortabilíssima. Não fiquei deitada, deitada, mas quase. Que coisa incrível!

Ora se isto acontece com um cadeirão, o que dizer de uma pessoa? Como, por vezes, não ficarmos surpreendidos com facetas que nem intuíramos em alguém? Quem nos diz que, mudando as circunstâncias, o comportamento não é diferente? Quem nos diz que, passados muitos anos, quando julgamos que o que há para saber já está mais do que sabido, não somos surpreendidos de todo?

Enfim. 

E é o que hoje tenho a dizer.

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Ah, não. 

Outra surpresa: um texto que não conhecia e que tem que se lhe diga. 

Um conselho que me parece indispensável -- em especial a quem ainda vai a tempo:

Don't Fall In Love With A Woman Who Reads, Martha Rivera Garrido

“Don’t fall in love with a woman who reads, a woman who feels too much, a woman who writes...

Don’t fall in love with an educated, magical, delusional, crazy woman. Don’t fall in love with a woman who thinks, who knows what she knows and also knows how to fly; a woman sure of herself.

Don’t fall in love with a woman who laughs or cries making love, knows how to turn her spirit into flesh; let alone one that loves poetry (these are the most dangerous), or spends half an hour contemplating a painting and isn't able to live without music.

Don’t fall in love with a woman who is interested in politics and is rebellious and feel a huge horror from injustice. One who does not like to watch television at all. Or a woman who is beautiful no matter the features of her face or her body.

Don’t fall in love with a woman who is intense, entertaining, lucid and irreverent. Don’t wish to fall in love with a woman like that. Because when you fall in love with a woman like that, whether she stays with you or not, whether she loves you or not, from a woman like that, you never come back.”

― Martha Rivera-Garrido

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