domingo, março 16, 2025

Mas ainda há esperança. Há sempre esperança.
A prova é o rebentinho que a figueira já nos mostra

 

Até chuva de granizo tivemos. Este tempo não nos dá tréguas. Chuva, chuva, chuva. Frio, frio, frio. 

A terra está coberta de musgo, as flores irrompem em toda a sua audácia, os campos mostram vigor. E as rochas estão lustrosas de tão lavadas que têm sido.

Estava a almoçar, uma chamada. 

Interrompi o almoço. 

As conversas costumam ser demoradas, vim cá para fora. Costumam ser notícias de conhecidos, pequenas intrigas, coisas divertidas. Mas desta vez a voz estava fechada. Depois de ouvir a conversa habitual, comentei: 'Está constipada? Está com uma voz...'. Ouvi, então, o que jamais poderia esperar: 'Não estou nada bem. Acho que estou com uma depressão.'. Fiquei quase sem saber o que dizer. Era a última pessoa a quem poderia esperar ouvir tal coisa. Pessoa mais prática, mais despachada, mais habituada a levar a vida com uma perna às costas, tudo sempre levado para a brincadeira. Só consegui pronunciar um 'Então...?'. 

E então veio a explicação: 'O meu filho está com um cancro.'. Fiquei para morrer. Um rapaz novo. Tem trabalhado fora, de vez em quando vem e depois vai. Agora está cá. Perdeu 40 kg. De homem jovem e forte passou, em pouco tempo, para uma pessoa que, diz ela, está quase irreconhecível. Magro, os olhos a saltarem do rosto, sem cabelo. Diz que não sabe como não caiu ao vê-lo, como não desatou a chorar. Aguentou-se para ele não a ver a ir-se abaixo. Mas, depois, ficou com a cabeça a rebentar, nem sabia onde tinha a cabeça. Diz que não consegue pensar em nada, não consegue saber o que fazer. Sentiu-se mal, foi ao hospital. Receitaram-lhe ansiolíticos e recomendaram que passe a ter acompanhamento psicológico. 

Tentei animar: 'Não operam? Pode ser que a operação resulte... A taxa de mortalidade já não é o que era, já há tratamentos eficazes.'. Quase sem voz disse-me que a médica explicou que não dá para operar, que é de um tipo que pode aparecer em todo o lado. Estava enervadíssima, não se explicou bem nem eu quis aprofundar. Dor maior. O sofrimentos dos filhos é muitas mil vezes mais esmagador que o nosso próprio sofrimento, é uma angústia, uma impotência. Quando se supõe que é um sofrimento sem esperança, pior, muitas mil vezes pior, uma dor infinita e trituradora.

Despedi-me, 'Força'. Ela disse: 'Bem preciso dela'. Depois, disse-lhe 'Um beijinho'. Com uma voz sumida, sumida, agradeceu.

Voltei a casa, o meu marido já tinha acabado de almoçar, já estava a ver televisão. Contei-lhe. Só disse: 'Coitada...'. Vi que estava consternado.

Acabei de almoçar, já sem vontade nenhuma.

Depois fui dar uma volta.

Reparei que na figueira começam a despontar as primeiras folhinhas. 

Pensei que a natureza é sábia. Mesmo quando a árvore parece morta, a vida reaparece.

Há sempre esperança. 

Tem que haver.


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