O meu dia foi muito ocupado. Nem consegui tempo para pegar no livro que estou a ler, A Escrita ou a Vida de Jorge Semprún. Há tempos o meu filho interrogava-se como seria se eu ainda estivesse a trabalhar. Não sei. O tempo que se perde nestas coisas não se imagina.
Outra coisa que ele me perguntou e que também é de difícil resposta é como é que se gerem situações complexas a nível de saúde e que requerem muitos cuidados e acompanhamento a tempo inteiro quando não se tem dinheiro para residências assistidas privadas.
No caso da minha mãe esteve durante quase quatro semanas num hospital privado pois no dia em que foi internada ia a uma consulta num médico que dava lá consulta e, por estar tão mal, foi desviada para as Urgências e daí imediatamente internada. Felizmente podíamos pagar. Mas, se não pudéssemos, e, estando-se em pleno pico de Gripe A, a minha mãe teria estado horas nos corredores, em macas, provavelmente sem eu poder estar ao pé dela, certamente muitas horas até que se concluísse pelo seu internamento. E mal como de repente ficou nem consigo imaginar como seria... E digo isto pois passei várias vezes pela experiência, quer com a minha mãe quer com o meu pai, de estar com eles nas Urgências de hospitais públicos. Depois de internadas, as pessoas ficam bem amparadas nos hospitais públicos. Mas até que lá cheguem é um calvário. Qualquer coisa vai muito mal na organização das Urgências. Talvez agora com a integração que aí vem com os Centros de Saúde, talvez conseguindo retirar os que lá vão sem necessidade disso, talvez se consiga melhorar.
A minha mãe esteve na ala dos paliativos com um acompanhamento de excelência e esteve até que se considerou que o tratamento que estava a receber lá poderia recebê-lo num lugar em que houvesse enfermagem vinte quatro horas por dia e médico diário. Mas, uma vez mais, o lugar que encontrámos é privado e igualmente muito caro. Muito bom mas caro. Se não pudéssemos pagar não sei como faríamos pois, a nível público, só há Cuidados Paliativos através de referenciação ou pelo hospital público ou pelo médico de família. Mas, após ser referenciada (e isso, em si, também leva tempo), poderiam decorrer um ou dois meses (ou, se calhar, mais). Ora a minha mãe não viveria para lá chegar. E até lá? Impossível estar em casa pois o seu estado requeria cuidados permanentes de enfermagem.
Por isso, com o envelhecimento da população, cada vez (felizmente) havendo mais velhos, cada vez com mais doenças, a sociedade não está apetrechada para acolher tantos idosos com tantas maleitas. É necessário mais clínicas de cuidados continuados e paliativos e residências assistidas para quem não tem posses. Ao ver o estado em que a minha mãe estava pensei muitas vezes como seria se não houvesse recursos para pagar o que foi pago.
Se calhar só se pensa nisto quando se passa por elas mas, se não morrermos novos e saudáveis, um dia lá chegaremos. É urgente pensar-se nisso quando se pensam em políticas públicas no domínio da geriatria.
A par das creches gratuitas, essenciais para que haja mais nascimentos e para que os pais tenham qualidade de vida, é indispensável que o Estado invista mais em instalações para tratamento e acompanhamento de idosos que requerem tratamento e/ou acompanhamento clínico. E, certamente, também mais lares normais para quem não tem posses.
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Alguns dos meus amigos têm a sorte de ainda terem mães vivas (por acaso só mães, não pais) e, talvez pelo frio que é mau amigo dos idosos, vivem tempos duros. Hoje morreu uma senhora e outras duas estão doentes. E eu vejo-os a passarem pelo que passei. É muito complicado e triste quando percebemos que já ninguém deseja as melhoras das nossas mães. Sabemos todos que, quando se começa a descer a rampa inexorável que leva ao esvaimento absoluto, o melhor que se pode desejar é que não sofra muito.
Por isso, cada vez mais me convenço que a vida tem que ser vivida, o melhor que se saiba e possa, enquanto há vida com um mínimo de qualidade. Há que dar valor à vida. Há que agradecer a vida que se tem enquanto não se entra na rampa descendente.
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Se há pessoa que mostra dar valor à vida é Helena Sacadura Cabral. Podemos nem sempre concordar com ela, podemos não apreciar grandemente os seus dotes literários, podemos não elegê-la como a nossa guru intelectual ou espiritual. Não tem mal. Não deve haver muita gente que cumpra todos os nossos requisitos.
Helena Sacadura Cabral tem 89 anos e vejo-a com alegria, com motivação, com planos, com energia, com sentido de humor, com prazer em partilhar memórias, experiência, acções. E acho isso notável. Penso que é exemplar e todos nós deveríamos pôr os olhos nela.
Por isso, hoje partilho este vídeo que é longo mas que é um gosto ver e ouvir.
N'A Caravana com Helena Sacadura Cabral #226 Charutos, 89 anos de amor e sacos de alfazema
É licenciada em Economia e ocupou vários lugares de chefia na Administração Pública. Colunista de diversos jornais e revistas e comentadora em televisão, é também autora de vários livros (talvez já vá em 50). Concilia ainda a participação cívica com a atualização dos seus blogues.
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