quinta-feira, novembro 16, 2023

Quem é que anda a fazer de tudo para que voltemos aos tempos (AC) em que se dizia haver, por aqui, um povo que nem se governava nem se deixava governar?

 

Na sequência da última inventona, no outro dia, no balneário da piscina, uma senhora que, quase de certeza, não paga um cêntimo de IRS e que, do que percebo, também nunca deve ter descontado um cêntimo para a Segurança Social, queixava-se dos governantes, que são todos uns corruptos, uns ladrões, que só lá estão para encher os bolsos enquanto ela e 'nós' (leia-se, as presentes no balneário) não temos direito a nada.

Na sequência desta conversa, e em total incoerência, relatou que há uns três ou quatro anos teve um enfarte e que esteve num hospital público e que foi muito bem tratada e acompanhada, que não tem nada a apontar.

Chamei-lhe a atenção: mas era um hospital público e foi bem tratada... (isto sem nunca ter contribuído com um cêntimo). Portanto, de que se queixa? Disse-me, taxativamente, que se fosse hoje deixavam-na morrer à porta. Respondi-lhe que não, que o nosso SNS até funciona bem, como ela constatou, e que não há notícia da população andar toda a morrer à porta dos hospitais. Falou-me das notícias. Um caso de alguém que teve essa pouca sorte entre centenas de casos (senão milhares) por dia é uma infelicidade mas é uma insignificância estatística.

Dir-me-ão que, se a senhora não pagou impostos, é porque tinha baixos rendimentos ou, mesmo, zero rendimentos. 

E eu responderei que talvez não. Neste caso em concreto, do que nos conta, passeia pela Europa, faz cruzeiros, etc. Não vou entrar em pormenores mas posso dizer que, do que percebo, terá sido mais um daqueles infinitos casos de 'pequena' economia paralela. Agora percebo que o marido já não trabalha mas, do que vou ouvindo, intuo que devem ter vivido à margem das suas reais obrigações.

Uma outra dizia que tinha tido um cancro, que se tinha tratado no IPO e que tinham sido impecáveis, amorosos, atenciosos. Não tinha pago um cêntimo. E, no entanto, fazia coro com a outra, quanto à 'ladroagem que por aí anda nos governos e no parlamento' fazendo com que 'nós' tenhamos que pagar tudo, e tudo cada vez mais caro, e 'eles' nada, só a ficarem ricos. Quando a interpelei: mas os tratamentos no seu caso, com cirurgias, tratamentos, etc, devem ser bem caros e não pagou nada. Ficou a olhar para mim muito admirada como se tudo aquilo tivesse caído do céu, ou seja, como se nunca lhe tivesse ocorrido que usufruiu de dinheiro que outros descontaram e que os ditos governantes (e respectiva máquina administrativa) administraram.

Num outro dia, era uma outra que dizia que não ia levar vacinas, que estava farta de levar vacinas (gripe e covid) e que o que corria nos grupos de facebook de que fazia parte era que isto das vacinas é só para uns quantos se andarem a encher de dinheiro à nossa custa e que já estava farta de dar para aquele peditório. Perguntei-lhe se alguma vez tinha pago alguma coisa e ficou também admirada com a minha pergunta. Que não... E eu disse-lhe que levar vacinas era uma questão de saúde pública e, ao mesmo tempo, de defesa individual e que era um serviço gratuito para todos os utentes, que saía do orçamento do SNS. Vi que estava espantada e quase aposto que concluiu que eu devia estar 'feita' com os que só querem roubar. Isto quando usufrui gratuitamente dos serviços.

Num desses dias, cansada de ouvir tanta alarvidade, falei-lhes nas estradas, nas esquadras, nas escolas, nos hospitais e centros de saúde, por exemplo, em que se usufrui de vias de comunicação,  de saúde e de ensino gratuitos e que temos muita sorte em que assim seja e ainda mais porque mesmo as pessoas que não pagam impostos ou que não descontam para a segurança social, ou descontam muito pouco, tenham todos os seus direitos assegurados.

Ora, o que constato é que muitas pessoas, sendo usufrutuárias líquidas de benefícios não negligenciáveis, em vez de estarem agradecidas, mostram-se revoltadas como se alguém estivesse a roubá-las.

E isto, creio eu, deve-se a esta campanha orquestrada (deliberada ou não) entre o Ministério Público, os populistas como o Chega, as franjas mais ignorantes, embrutecidas e fundamentalistas do BE e do PCP,  alguns trogloditas do PSD e a comunicação social que, de manhã à noite, convocam para o palco da maledicência toda a espécie de jornalistas/comentadores que parece que, para assegurarem a sua avença, apostam no bota-abaixo, no discurso da desgraça e da fatalidade. Isto, exponenciado, pelas redes sociais. Vejo pelos grupos de whatsapp de que agora faço parte como cai lá todo o lixo possível e imaginário. Notícias falsas, truncadas, memes ridicularizando e caluniando políticos e governantes -- em permanência.

Há pouco, uma jornalista falava do 'caso' Data Center de Sines. Tudo o que ela dizia eram banalidades sem um pingo de suspeição. Tudo o que ouvi tinha a ver com aquelas pessoas quererem resolver encalhamentos, entraves, descoordenações, tretas irrelevantes. Contudo, ela lia a notícia com um tal ênfase e com um gesticular de mãos que, quem não conseguisse descodificar o que ela dizia, julgaria que ela estava a destapar uma caldeira de corrupção ou a desvendar uma perigosa teia. 

Sobre a deriva paranoica, persecutória e justicialista do Ministério Público quer o meu marido quer eu já aqui falámos bastamente (post anteriores). Cinjo-me agora à divulgação noticiosa da 'inventona'. Ora, desde quem escreveu a notícia que ouvi, a quem a aprovou e a quem a leu apenas revela que não fazem ideia do que é gerir investimentos. É que é isto mesmo que se espera de quem tem prazos e orçamentos a cumprir: que, dentro do respeito pela lei e pelos bons costumes, não descanse, que escave debaixo dos pés, que levante pedras, que salte muros, que vá atrás de tudo o que permita que se chegue com o projecto a bom porto. 

Tudo o que ouvi neste 'caso' foi gente que lutou pela prossecução de objectivos e não de vantagem pessoal. Ninguém ali, que se tenha ouvido, recebeu um tostão.

Fala-se em almoços ou jantares como se fosse obtenção de vantagem ou lá que treta é que é. Disparate. Toda a minha vida presenciei os meus colegas a tratarem do que calhava durante refeições. Quando se tem uma agenda cheia, por vezes encaixam-se novas reuniões no espaço livre para o almoço ou jantar. Por acaso, eu sempre fugi disso a sete pés mas não foi por achar que alguém me iria corromper ou que eu poderia ser acusada de querer corromper alguém, foi apenas porque não tenho pachorra para tratar de assuntos de trabalho durante o que considero ser um direito meu a um período de descanso. Mas, note-se, eu era vista como uma excêntrica por precisar de intervalar e precisar de descansar a cabeça enquanto como.

Mas pela cabeça de que tarado ou fora-de-lei é que passa que alguém, tendo que tratar de projectos de milhões, se deixa influenciar ao tratar de assuntos de trabalho durante um almoço de vinte ou cem ou duzentos euros? 

Que procuradores, que inspectores, que agentes e que jornalistas temos que não saibam discernir tais evidências e que, para cúmulo dos cúmulos, achem por bem destruir, na praça pública, reputações... por nada?

É absurdo, ridículo.

A que ignorantes e a que gente mal intencionada estamos nós entregues?

O que me chateia é que é isto que está por aí instalado. E não venham dizer-me que estou a exagerar ou que, sendo todos gente tão bronca, são inócuos. Não são. Foi este ambiente e estes agentes -- que medram no clima malsão que criam -- que conseguiram interromper uma legislatura, deitar abaixo um governo de maioria absoluta, insinuar infâmias, atirar lama para cima de pessoas que estavam apenas a zelar pelo bom andamento dos projectos (o que, diga-se, só beneficia o País).

Não falei até este ponto no nosso Presidente. Mas muita da responsabilidade disto tem o cunho de Marcelo. Ao comentar tudo a toda a hora, ao 'mandar bocas', ao estar sempre a insinuar remoques ao Governo, ao ameaçar durante meses com a dissolução da Assembleia, banalizando esse gesto, ao colocar-se frequentemente ao lado dos baderneiros, ao não fazer a pedagogia da análise séria, ao não se demarcar das análises cegas e populistas dos assuntos, alimentou este ambiente.

Tenho pena. 

Aquilo de Portugal ser uma terra em que a gente não se governa nem se deixa governar parece que está outra vez na ordem do dia. E está-o pela mão dos acima referidos.

3 comentários:

Maria Santana disse...

Completamente de acordo!!!!

JOAQUIM CASTILHO disse...

Mais uma vez 200% de acordo!Vou roubar o seu post para a minha pagina de Facebook memo sem a sua autorização! Espero que não me leve a mal!! Um abração!

Anónimo disse...

Haja um pouco de tento nessa cabeça e menos emoção. Mais racional e menos emoção. Parece uma adepta de um clube de futebol, no caso, o seu Partido (PS).
Nada pior do que alguém argumentar com o coração nas mãos, em vez de usar o racional. Tanto disparate!