terça-feira, dezembro 06, 2022

Patti

 



Para mim, durante algum tempo, Patti Smith era apenas a amiga especial de Robert Mapplethorpe. Sendo ele homossexual, não era claro para mim se alguma vez tinham sido friends with benefits ou se eram almas que se completavam sobretudo por partilharem aquele registo alternativo, chique, decadente, com agudo sentido estético.

Dela pouco sabia, pois. Era (e sou) grande apreciadora da obra dele e não senti curiosidade em conhecê-la. Era a amiga, o suporte e a musa dele e isso chegava-me. De aspecto andrógino, com feições ambíguas, com um corpo que não segue os cânones da feminilidade, Patti Smith tornava-se interessante sob a lente de Robert Mapplethorpe.

Depois foi envelhecendo e o seu carisma foi-se acentuando. Não sei se não se preocupa com a imagem ou se o que parece quase negligência é um produto trabalhado para ser assim. 

Seja como for, é uma pessoa interessante. E, estranhamente, já tem 75 anos. Estas pessoas quando envelhecem surpreendem-me. Patti Smith bem podia ter ficado para sempre naquela idade indefinida em que já tinha um passado bem desfrutado e ainda muita vida para viver. E olho para ela e é assim que a vejo. Não consigo pensar nela como uma idosa ou a caminho disso. Os seus cabelos caídos e compridos são um pouco estranhos, dir-se-ia que não a favorecem, dir-se-ia também que as suas feições são cada vez mais toscas. E, no entanto, olho para ela e não reparo nisso. Reparo, sim, na forma como sorri ao falar, na ternura e na serenidade da sua maneira de conversar. Creio que até a acho bela. É certo que é uma beleza não convencional, não óbvia. É uma beleza intemporal. E é uma simpatia. Gosta de arte, vive para a arte. E isso dá a quem assim vive aquela leveza e luz que abre os corações de quem a ouve.

Como cantora não a acho extraordinária. Mas acho-a uma intérprete especial. Gosto do grão da sua voz e das pausas e da densidade com que desfia as canções. 

Gosto de ouvi-la porque transporta a diferença. E transporta também a indiferença perante a banalidade. Não procura a perfeição e toda ela parece assumir orgulho, em toda a linha, na sua magnífica imperfeição. Faz o que quer e isso é do melhor que há. 

Salve Patti.

O vídeo abaixo mostra uma entrevista muito interessante e penso que dá uma boa ideia de quem é Patti Smith.

Patti Smith On Losing Her Voice & Mainstream Recognition | Explains It All | Harper's BAZAAR

Patti Smith's life changed when she stepped foot into an art museum as a little girl- and from that moment on, she committed her life to creation. Watch as Patti recalls her experiences with mainstream recognition, using Instagram for the first time, and what it was like losing her voice as a vocalist. 

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E queiram descer até Noé & Deus - uma parceria win-win

É caso para dizer: benza-os Deus.

2 comentários:

APS disse...

Acho que esta senhora sempre foi um erro de "casting", onde quer que apareça. Até em Estocolmo, para substituir o tímido Dylan...
Mas, e como diz o povo, "mais vale cair em graça, do que ser engraçado".

Um Jeito Manso disse...

Olá APS,

Durante muito tempo também achei isso. Não lhe prestava atenção pois é capaz de ser o que diz: não percebia qual a dela, parecia-me um erro de casting.

Mas depois fui achando que há qualquer coisa nela que prende. Se calhar, se fosse mais bonita, mais 'normal', talvez aí passasse despercebida. Assim, há qualquer coisa de insólito na sua presença. E apesar de ter aquele aspecto um bocado surreal, depois fala sorrindo, com uma simplicidade algo desarmante. Passei a achar-lhe graça. E uma vez mais acho que tem razão: caiu-me em graça. Por isso nem precisa de ser engraçada...

Um bom dia para si, APS.