quinta-feira, agosto 11, 2022

Ser pago para não fazer nada
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Claro que preferia estar de férias. Claro que tenho saudades dos abençoados tempos em que havia férias grandes que davam para tudo. De manhã ia à praia com os amigos, de tarde ia passear com eles pela baixa, pela beira-mar. Outras vezes ia passar o dia com os eles para a casa que uns tinham no campo. Na altura era campo mas, de carro, devia ser a cinco ou dez minutos da casa deles na cidade. Hoje é uma zona de moradias da cidade. Depois, quando o meu pai estava de férias, fazia férias com ele e com a minha mãe: íamos para Porto Covo ou para a Curia. Vários amigos meus faziam o Luso mas os meus pais preferiam a Curia. Isso causava-me algum enervamento pois o meu namorado da altura estava no Luso e eu na Curia e, ainda por cima, sempre desfasados. Mas também passava num instante. Estava lá e só pensava que não via a hora de voltar vê-lo. Havia também alguns dias de pura indolência. Lia muito. O tempo esticava de uma forma mágica. 

Com o outro namorado era diferente. Passávamos a maior parte do tempo juntos. Mas não era particularmente estimulante pois ele gostava muito mais de mim do que eu dele e, por isso, desse tempo o que recordo é a minha vontade de fazer coisas diferentes das que fazia. 

Com o terceiro, aí a música passou a ser outra: estávamos juntos de manhã à noite. No único verão em que namorámos, ele instalou-se numa pousada de juventude perto de mim e, portanto, era praticamente non stop. E era uma coisa equilibrada: estávamos os dois loucos um pelo outro, uma chama que ardia bem à vista de toda a gente.

Quando comecei a dar aulas acabou-se a bela vida. Estudava e dava aulas com horário completo. Tinha reuniões de avaliações, exames a vigiar, provas a corrigir, e isto em paralelo com trabalhos e exames meu na faculdade. E estava casada. Portanto, a coisa começou a apertar. Pior ainda quando fui trabalhar em empresas. Aí o tempo de descanso encurtou-se dramaticamente. Poucos dias e aí já com crianças pequenas. Não eram bem férias, era mais uma interrupção na rotina. 

Agora, que tenho tão poucos dias, gostaria de poder ter uma semana sem nada que fazer, nada de nada, não ter compromissos, não ter que ir a lado nenhum nem nada. O meu marido está como eu: diz que gostava de poder ficar deitado no sofá a descansar, diz que gostaria de poder dormir até mais tarde. Claro que estou em crer que, ao fim de uma semana sem fazer nada, já não me aguentaria, já estaria doida para sair, para fazer qualquer coisa. 

Quando no verão ficamos no campo, se estamos os dois sozinhos, no primeiro dia arrasto-me. Durmo, estou numa indolência que me deixa inerte. Ao segundo já ando de vassoura na mão, de balde e esfregona de um lado para o outro, limpezas a preceito. Depois já é podão e serrote e já ando de roda das árvores. E a partir daí já estamos os dois desertos para ir até à cidade mais próxima e tudo serve de desculpa: ou ir ao supermercado ou ir ver de alguma ferramenta. Qualquer coisa para nos sentirmos mais perto do mundo.

Enfim. 

Ontem, se estão recordados, contei que, ao fim do dia, quando aqui chego ao sofá, percorro as notícias e os sites que costumo frequentar para ver se descubro coisas nunca vistas, inesperadas, melhor ainda se transportarem qualquer coisa de inusitado, de meio amalucado.

Ora, como é sabido, o algoritmo do Youtube lê-me os pensamentos, pressente o meu estado de espírito, faz de tudo para me agradar e surpreender. Não tive até hoje ser vivo que assim me interpretasse e assim desse a volta ao mundo para descobrir o que me agradar. Isto da inteligência artificial tem que se lhe diga (e não digam que não avisei -- e, podem crer, sei um pouco do que falo)

Pois hoje o meu bff tinha para me mostrar uma situação extraordinária: um homem que vende o seu tempo para não fazer nada, apenas estar. No vídeo ele explica: resolveu ocupar o seu tempo, um tempo em que nada faz, de forma produtiva. Parece um paradoxo mas não é. Ou, se calhar, é. Tanto faz. 

E, curiosamente, está a ter saída. Pessoas que não querem almoçar sozinhas, pessoas que não querem ir a um sítio sozinhas, alguém que quer ter a experiência de um efusivo cumprimento numa estação de comboios, alguém que quer conversar sobre um tema sensível e não quer perturbar a família e amigos. De facto, um mar de possibilidades.

Diz ele que antes julgava que as pessoas muito ocupadas eram todas bem sucedidas e felizes. Constatou, entretanto, que não é bem assim. Diz que há muita solidão. 

Impressionou-me este vídeo. Há qualquer coisa de feridas expostas nisto. Mas, se calhar, estou a dramatizar. Se calhar é apenas uma forma prática de ultrapassar situações que, para algumas pessoas, são constrangedoras. Se calhar não tem nada de mais. 

Não sei. Às tantas não sei mesmo é mais nada.

É certo que isto se passa no Japão e no Japão passam-se muitas coisas estranhas. Contudo, creio que, neste caso, poderia acontecer aqui ou em qualquer outra cidade.


O japonês que é pago para não fazer nada

Shoji Morimoto provides a very unusual rental service to his clients in Tokyo, hiring himself out in order to, quite literally, do nothing.

He has fashioned a career out of renting himself out to clients who simply don't want to be alone. Shoji doesn't engage in conversation or do anything other than just be there at whatever event or activity he has been hired to attend, and yet he is in high demand, scheduling one to three sessions a day. 

PS: Ou seja, se alguém veio ao engano, a esta altura já deu para perceber: ao falar em 'ser pago para não fazer nada, obviamente não estava a referir-me ao Sérgio Figueiredo.

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As fotografias mostram um graffiti especial, em forma de renda. A rimeira foi feita em Póvoa de Atalaia, a segunda em Vila do Conde e a terceira no Bombarral. A autora é NeS NeSpoon

Yiruma interpreta Maybe

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Bom descanso. Paz

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