Este mundo é cheio de mistérios e eu não sei é mais nada. A gente vai andando e, se estiver com atenção, é surpresa atrás de surpresa. Só se ficarmos fechados sobre nós mesmos é que não divisamos nada do que, à nossa volta, aparece. Quando olhamos e vemos ficamos a pensar que devemos ter nascido na véspera ontem para nunca antes termos dado por nada.
Comigo é assim.
Sempre achei que sabia pouco e até ficava a recear que se descobrisse que ainda sabia menos do que eu e toda a gente pensava. E, talvez até por isso, sempre tive uma insaciável vontade de aprender. Sempre com curiosidade e sempre a querer descobrir coisas novas. Sempre aflita por haver tanta coisa ainda para aprender. Mas, desde há algum tempo, comecei a perceber que o tempo é curto demais para tudo o que há para saber. Não vale a pena. Vale a pena é prestar atenção, dedicar carinho e cuidado ao que nos rodeia, aproveitar bem o prazer dos instantes.
E achar graça às coisas, às pequenas coisas: à graça dos pássaros, à graça das flores, à graça das palavras, à graça das crianças, à graça das sombras que as árvores desenham nos muros, à graça dos sons perfeitos, à graça dos momentos felizes.
Hoje estive no campo, trabalhei a partir de lá. À hora de almoço fui dar uma volta e surpreendi-me com a suave carnadura que os figos já mostravam. Deitei mão a um e, nisto dos figos, da mão à boca vai menos que um segundo. Estão com aquela gota que brilha ao sol. Figos pingo de mel. Comi vários. Todas as épocas do ano são tentadoras para quem é dado a tentações. O natal é porque é o natal, depois são os aquários que aparecem a pedir parabéns, depois os carneiros, algures por aí a páscoa, dos caranguejos nem se fala, festas, bolos de anos, férias, leões à mão cheia, e, como se não bastasse, pelo meio, os figos. Um e outro e outro e outro, uma fiada deles a caminho da boca. Gordos, carnudos, doces, dulcíssimos.
Claro que a seguir virão as uvas, pérolas sumarentas, doces, macias. E antes já tinham vindo as nêsperas, néctar suave e dourado a desfazer-se na boca.
Como resistir-lhes?
Ao fim do dia, reguei as laranjeiras que estão tão secas. Que pena me dão. Receio que passem muito mal até ao fim desta secura. A terra está toda ela uma tristeza, ressequida. Até os arbustos mais campestres dão mostras de desidratação. Olhei para o céu na esperança de descobrir uma nuvem, mesmo que furtiva. Nada. Uma aflição.
Depois fui apanhar figos. O urso felpudo andava maluco, também a querer apanhá-los, a mordiscá-los. Enchi um saco e estou com vontade de comê-los em todas as formas e feitios: com kefir, no forno a acompanhar assados, com queijo e mel. Uma irresistível tentação.
No regresso, já de noite, deu-me uma daquelas vontades. Yoggy cherry. Bom, com aquela acidez boa do iogurte e o travo intensificado da cereja, mas muito doce, devem ter-se distraído na quantidade de açúcar. Mas comi-o todo, na mesma.
Claro que jantámos tardíssimo.
Aqui, fui espreitar as notícias. Tenho sempre aquela curiosidade de ver se aconteceu uma grande descoberta, um feito inaudito, uma inspiração divina. Qualquer coisa que faça com que o dia tenta valido a pena. É isso que procuro. Aconteceu alguma coisa que mude o rumo dos acontecimentos? Que mude a nossa perspectiva sobre os grandes dilemas da existência?
E... não é que aconteceu...?
Étienne Klein, um cientista, tirou uma fotografia a uma rodela de chouriço e inventou que era um novo astro fotografado pelo Webb. E a malta caiu. E a graça maior é que o cientista não é um qualquer cientista maluco. Não senhor. É, imagine-se, físico e filósofo (uma mistura explosiva): é francês, diretor de investigação da Comissão Francesa de Energia Atómica.
E depois de ter caído que nem uma pata, já babando perante a Proxima Centauri, a malta, para não dar parte de fraca, virou virgem ofendida -- e agora o pobre do Étienne teve que vir pedir desculpa. Sentido de humor é coisa que as virgens ofendidas não têm.
Pedir desculpa por uma ideia tão genial? Tirar uma fotografia a uma rodela de chouriço e anunciar ao mundo que o telescópio tinha feito uma sensacional descoberta...? Caraças. Como é que alguém se ofende com uma destas...? Eu acho o máximo. Uma rodela de chouriço a ser tomada por uma estrela em vias de ser descoberta. O máximo. Tão de excepção que até me apetece encher o texto de lol, lol, lol, loh. Ou ahahahahaha.
Ao que comecei por não achar o máximo mas a que acabei achando foi uma outra que quase parece brincadeira de mau gosto.
Saco de plástico, daqueles do lixo, a lembrar os sacos que os refugiados enchem de pertences quando fogem em busca de um destino mais seguro -- mas vendido pela marca Balenciaga. No fim do desfile, até houve um piscar de olhos de solidariedade para com a Ucrânia.
Ou seja, pensando bem, há malucos para tudo e se calhar a mais maluca de todos sou eu que ainda não percebi bem isso.
Tirando isso, está tudo bem. Ou seja, tá-se.
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Desejo-vos uma boa quarta-feira
Saúde. Coragem. Paz.
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