Já o conhecem, pois. Não resisti a mostrá-lo mal liguei o computador.
Tínhamos resolvido que queríamos adoptar. Mas, já numa tentativa anterior, tínhamos tido uma má experiência. Pensámos que uma vez não são vezes e reincidimos.
Agora, num dos casos, a minha filha viu uma ninhada de fofuras. Informou-se e já estávamos para lá ir quando, no meio da conversa, a gerente lá daquilo perguntou se não era para ela. Quando disse que era para os pais, veio de lá a resposta que, nesse caso, não podia ser. Cachorros só para gente sem o fim à vista. Quando ela, indignada, me contou fiz contas de cabeça: a criatura estava a decretar-me um remanescente de esperança de vida inferior à do cão....? Pensei que a dita criatura não deve conhecer as estatísticas relativas à esperança de vida. Mas mesmo que não estivesse a decretar-me uma morte prematura, estava, no mínimo, a decretar a minha incapacidade para tomar conta de um cão daqui por meia dúzia de anos. Fiz às contas à idade da minha mãe. Vai a caminho dos oitenta e nove, anda na ginástica, na universidade sénior, faz caminhada, trata da casa e está fresca e pronta para tratar de meia dúzia de cães.
Mandámos bugiar a matrafona do canil (que é daqueles canis com página de facebook e muito apoio e muita divulgação) e virámo-nos para um muito conhecido, muito amplo, com muito boas condições e largas centenas de cães para adoção.
Consultei numa noite e vi um Serra de Aires que me encantou. Quando, no dia seguinte, fui confirmar e marcar uma visita, já lá não o vi no site. Tentei perceber o que se tinha passado mas não me explicaram. Vi um outro, rafeiro, com meia dúzia de meses, que me pareceu vivo e bonito. Quando lá chegámos, disseram que estava reservado e que iam umas pessoas vê-lo nesse dia. Vimos, então, uma outra, já com mais de um ano, mas doce e linda. Veio ter connosco, dócil. Gostámos muito dela. De notar que nem a gerente nem a funcionária que começou por nos acompanhar mostrou qualquer interesse em que adoptássemos um cão. Ou não nos ligavam nenhuma e nós que andássemos por ali, sozinhos, no meio de dezenas de cães à solta, ou respindiam laconica e algo displicentemente. De cada vez que pedíamos informação, respondiam de forma desinteressada. O meu marido, numa de ir conversando enquanto andávamos, perguntou se havia muita gente a querer adoptar. A gerente respondeu secamente que ela é que não dava os cães a qualquer pessoa. Uma resposta algo intrigante. O meu marido explicou que queríamos um cão minimamente de guarda, que desse alerta caso algum intruso entrasse no terreno mas que, ao mesmo tempo, fosse meigo e cuidadoso com as crianças. A gerente disse que aquela de que tínhamos gostado não era nem um pouco de guarda, que se entrasse um ladrão, ela iria acompanhá-lo só para receber festas.
Face a isso, dissemos que íamos pensar, que a reservassem e que, no dia seguinte, também veríamos se o outro cachorro sempre tinha sido adoptado; e resolveríamos.
No dia seguinte, enviei mail a saber do cachorro.
Não responderam e, em contrapartida, disseram que déssemos o contacto para que viessem cá inspeccionar a casa. Outra vez. Essa tinha sido a razão pela qual há uns meses tínhamos desistido. Achei aquilo um abuso. Falei com o meu marido que disse para eu dizer que em casa não entravam. Como estava mesmo resolvida a adoptar um cão, fui cuidadosa na resposta. Disse que, por causa da pandemia, não recebíamos estranhos à família dentro de casa mas que poderiam ver por fora e ver o jardim já que o cão iria ficar numa casota no jardim. E voltei a perguntar se o outro cachorro sempre tinha sido adoptado.
De volta recebi um mail espantoso: diziam que não dariam o cachorro se era para ficar numa casota na rua, exigiriam que ficasse dentro de casa, e se um cão poderia ficar dentro, não achavam bem que a cadela ficasse na rua. E que, por isso, para evitar perder tempo, cancelavam o processo de adopção.
Fiquei vesga a olhar para aquilo. Vesga e de olhos em bico, sem conseguir alcançar a lógica do que estava a passar-se. Encaminhei o mail para o meu marido. Respondeu: 'manda-as à m...', com todas as letras.
E os meus filhos e a minha mãe disseram o mesmo (por outras palavras). Gente doida. Com centenas de cães supostamente por adoptar e depois impedem a adopção.
A minha filha falou com uma cunhada que é veterinária que lhe disse que a malta destas associações é gente passada, que é para esquecer. E que o melhor seria os canis municipais.
Virámo-nos para aí. Mas a maior parte dos cães já têm alguma idade e, com crianças pequenas que, na brincadeira, volta e meia andam engalfinhadas, receamos que os cães interpretem mal e se assanhem e os magoem.
Então, virámo-nos para o olx. O meu filho viu um pointer muito bonito mas puxou para o lado dos boxers. Já os conhecemos, sabemos que é gente boa. O meu marido na dúvida. Mas eu não queria pensar em ter um cão igual à minha cãzinha linda. Iria fazer-me impressão. Parecer-me-ia uma reencarnação. E o pointer parece ser meigo, inteligente, leal, territorial. Focámo-nos, pois, no pointer e marcámos uma ida até ao criador.
Mas, então, o meu marido foi ler melhor as características: enérgico, precisa de muito exercício, de desafios, que não lhe bastaria brincar no jardim, quereria ter missões, correr muito, corresponder aos reptos. E que, se não tivesse isso, poderia provocar desmandos e ser algo destruidor. E seria um cão muito grande. Então ele pensou que, na volta, estaríamos a meter-nos em trabalhos. Desistimos do pointer.
Então, fui eu para o olx. E eis senão quando dou com um cachorrinho Serra de Aires. Voltei a sentir aquela coisa. Há também coup de foudre com animais. Pelo menos comigo há. Enviei mensagem. Passado um bocado, do Alentejo alto e profundo, recebi uma chamada. Por entre o som de badalos, o senhor elucidou-me. Quando o meu marido chegou, falou com ele. Fez perguntas. E combinou que esta sexta-feira, ao fim da tarde, lá estaríamos. Ele avisou que, quando anda com os rebanhos, em muitos sítios não tem rede mas que a gente esperasse ou fosse tentando.
De notar que eu, como premissa, tinha só uma. Ou melhor: duas. Não queria boxer e não queria cães com pêlo.
Acontece-me isto às vezes: parto de um pressuposto, tudo menos isto. No entanto, não sei como, dou voltas e voltas e vou acabar rompendo o que era o único pressuposto. Cão mais cabeludo que o Serra de Aires não pode haver.
E, então, lá fomos. Quando vimos o cachorrinho imediatamente, por instinto, peguei nele ao colo. O meu marido é que é entendido em cães mas nem teve hipótese pois nem pensei nem por um segundo, agarrei-me logo a ele. O meu marido viu aquele amor súbito e converteu-se. Além do mais, também achou que o cão é lindo. Entretanto, tinha lido as características e tinha concluído que assentava como uma luva nas características pretendidas.
Para o trazermos, o meu marido arranjou uma caixa de cartão que tínhamos na garagem e, pelo caminho, comprámos um colchãozinho. Foi assim que veio.
Entretanto, pedimos ao meu filho que fizesse o favor de lhe ir comprar uma casota. Temos a casa do cão, de cimento, mas fica mais longe e é muito grande. Além do mais não é espaço vedado e ele ainda é muito pequeno. E, de noite, algum bicho poderia fazer-lhe mal. Esta casota é mais pequena e fica no terraço, debaixo do toldo da cozinha, num pequeno recinto fechado.
Quando viemos do Alentejo, fomos buscar a casota e o meu marido já a montou.
Cão de campo e de rebanho não é cão amaricado, que chora se está sozinho. Este, coisa mais fofa, quando apagámos a luz, ficou a dormir sossegadinho. Antes comeu um bocadinho de ração, bebeu água, brincou, deu ao rabinho, esteve ao meu colo.
Este sábado a ver se vamos ao veterinário: não tem vacinas nem está desparasitado nem nada. É bebé, bebé. Supostamente é um puro mas não interessa. Interessa é que é uma doçura e que os miúdos vão adorar.
Pelo caminho íamos falando em nomes. O meu marido dizia Beat (de beatle, pelo cabelo e pela franja). Gostei mas achei que deveria ser o nome do cão da princesa Margaret das histórias que invento pois seria a materialização de um velho conhecido. O meu marido achou bem. Os meninos também. E acho que ele, o bebé mais fofo, também. Chamo-o e ele olha e dá ao rabinho. Coisa mais, mais fofa.
Amanhã já vou ter, com certeza, mais fotografias. Hoje ainda não tenho.
E agora vou dormir. São duas da manhã e o dia foi para lá de puxado. E este sábado o programa vai ser animado. Tenho que descansar.
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Tenham, por favor, um belo sábado
4 comentários:
Vai ser uma loucura com os netinhos ( e os donos...). Mas que fofo, tão lindo! Puxa, não sabia que as associações eram assim, até me indignei só de ler. Incrível! Bom fim de semana, certo que vai ser fantástico. Maria
Um cão muda a nossa vida mais do que pensamos, é a experiência do amor incondicional.
Quando o Argos entrou na nossa vida há quinze anos, nunca pensei no potencial de ternura, amizade e devoção que aquelas quatro patas de puro vira lata transportavam. Hoje, velhote mas activo, continua a ser da família, e nem quero pensar ....
Parabéns pela escolha
José Manuel Morais
O cachorrinho é adorável. Tal como um comentador anterior disse, um cão muda a nossa vida - para muito melhor.
Quanto à inspeção de casas como condição de adopção creio que, entre outras condições, faz parte dos regulamentos a que as associações estão obrigadas em muitos países.
Faz bem em não deixar o seu cachorrinho dormir num espaço aberto no jardim. É muito cedo, por duas razões: os cachorrinhos não têm a capacidade de regular a temperatura como os cães adultos e são mais vulneráveis a doenças e parasitas, sobretudo antes de completarem as vacinações. Por isso faz bem em deixá-lo num espaço fechado anexo à casa.
Desejo-lhe anos muito felizes com o seu cão. Eu tive muitos com o meu.
PS - esqueci-me de acrescentar que nessa idade é bom tê-los em casa, mas acho que estava implícito.
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