quarta-feira, setembro 29, 2021

Paulo B. desanca a liberal UJM
(a qual subitamente saiu do armário para se revelar uma potencial candidata ao programa da Cristina)

 


Tudo muito bem, mas... "É o mercado, nada a fazer." ?! 

Será a UJM uma liberal (no sentido português do termo) no "armário"? Qualquer dia teremos uma revelação da UJM liberal no programa da Cristina? :D

Discordo. Claro que há muito a fazer. 

Especialmente quando se reclama como um socialista (ou até um social democrata!). A intervenção urbanística é uma das mais poderosas máquinas de imprimir e distribuir riqueza. O mercado imobiliário é ainda por cima dos mais ineficientes e cheios de externalidades negativas. Conjugar estas duas observações e concluir que não há nada a fazer é desistir de um qualquer programa político que promova a coesão, equidade e justiça socioeconómica.

O programa de desenvolvimento territorial de A. Costa e de Medina é, essencialmente, uma célebre ideia neoliberal - conhecida como "trickle down" - com um óbvio empurrão do orçamento camarário. Eu percebo: não havia (e não há) propriamente capacidade (financeira e política) para o necessário investimento pública em habitação e na necessária infraestrutura básica da cidade, mas daí a aclamar esta nova cidade como um modelo de desenvolvimento... acho exagerado. E apesar de tudo, os que ainda resistem na cidade, rejeitaram-no.

PS: 

Quando uma câmara municipal executa obras de requalificação profundas no espaço público isso gera renda fundiária aos proprietários envolventes. Essa renda fundiária não tem uma materialização óbvia e é difícil de tributar (nem sequer o IMI é um mecanismo eficiente...). 

Assim, um programa de grandes obras de requalificação urbana tendem a ser uma distribuição de riqueza não tributável a uma parte específica da população. 

Mais, como essas operações urbanísticas ocorrem em pontos específicos do espaço, geram dinâmicas de distribuição de valor muito diferentes espacialmente - ou seja, se se reabilitarem áreas premium tendemos a oferecer renda fundiária a quem já tem, per si, mais rendimento (sendo, portanto, uma política nada progressista!). 

Acresce que Lisboa é das cidades portuguesas onde há uma maior proporção de residentes que são arrendatários e, logo, há uma proporção significativa que não beneficia dessa distribuição de renda fundiária sofrendo ainda a pressão dos proprietários que procuram capturar mais uma parte do valor gerado com a intervenção pública através do aumento das rendas justificando-o com o valor intrínseco da localização (que aumentou, também por uma política ativa pública de promoção dessa localização).

É verdade que as soluções para isto são complexas e não dependem só da câmara municipal. Mas é verdade que se pode fazer mais. Sobretudo, é verdade que se pode fazer diferente.


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Lisboa em aguarelas de Paulo Ossião ao som da Gaivota segundo Carlos do Carmo

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E obrigada, Paulo. Como sabe, aprecio bastante os seus sempre oportunos comentários. Dão que pensar.

Claro que, na pureza das ideias, lhe dou razão. Só que as coisas não são assim tão simples. Mil interesses contraditórios se levantam e a gestão disso é daqueles equilíbrios instáveis que ao mínimo deslize se perdem. Mas quando disse 'nada a fazer' não queria dizer que nada se pode corrigir. Pode e deve. O que queria dizer é que o 'alojamento local' ao nível 'viralizado' a que chegou é um fenómeno recente, comum a inúmeros polos urbanos, um pouco por todo o lado. Perante a explosão da procura, antes que os poderes políticos conseguissem reagir com a necessária regulação, já a oferta estava a reagir. É sempre assim. Os fenómenos imprevisíveis que assentam no mercado  desenvolvem-se sempre mais rapidamente do que a reflexão social e a legislação. Mas a pandemia veio acelerar a evidência da fragilidade do que parecia ser uma galinha de ovos de ouro e agora as eleições vieram também mostrar que alguns residentes identicamente não apreciam a invasão que se verificava.

Nada do que é exagerado perdura. Apenas o que é equilibrado é aceite como natural.

Vejamos o que o Moedas tem para oferecer a esta Lisboa que já começa a refazer-se da pandemia e que, pelo clima, pela beleza e pela hospitalidade, tanta gente de fora atrai.


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Desejo-vos uma bela quarta-feira

4 comentários:

Anónimo disse...

De acordo com UJM. A solução do Paulo seria, mesmo, nada fazer?? A obra pública tem sido feita, bem e em quantidade em Lisboa - por toda a Lisboa. Só quem não viva cá não vê. Desde ciclovias a recuperação de edifícios históricos e aumento do parque habitacional de renda acessível.
PS: conheço casos em que o IMI funcionou ao contrário: tributos demais fruto de alterações favoráveis na "zona", só que demais a zona e demais o tributo. Passou-se isto no Algarve, porque nem sempre se compreende as especificidades turísticas da "zona".

atalhos disse...

Lisboa já não me atrai. Nem vou dizer quantos anos ali vivi, nem onde, nem o que vivi. Lisboa é como deus, um dia morreu. Talvez um dia volte para um concerto. Ou para um funeral. Mas se for muito ajaezado, à andaluza.

Paulo B disse...

Olá UJM e Olá "Anónimo".

Eu percebo o vosso ponto. A sério. Aliás, eu compreendo - parcialmente - as opções políticas que foram sendo tomadas. Mas na política (como na vida?) há sempre alternativa. O problema é complexo e, como referi, muitas das medidas necessárias até dependem mais do governo do que do executivo camarário!
Mas, vejamos uma ideia simples: e se, ao invés da ideia do "trickle down" (na verdade, é mais política do reboque... é política que vai a reboque dos acontecimentos ao invés de os tentar regular...), dizia eu... e porque não uma idea ao estilo "keyenisiano"?
Podemos até aceitar que a turisficação (comodificação do ambiente urbano, da cultura, das "gentes", etc - para darmos aqui um útil (mas desprezado) tom marxista - entenda-se, na linha de análise sociológica e não da ideológica!) é um processo de tal forma imparável que dificilmente o conseguiríamos travar ou até refrear. Mas, sabendo isso, e sabendo-se o que ele causa, importa então tomar medidas noutros domínios que o contrariem. Por exemplo, na obra pública, urge fazer escolhas criteriosas e estabelecer muito bem as prioridades. Claro que Lisboa precisava das profundas obras de requalificação urbana da frente ribeirinha (por exemplo). Mas dado que são exatamente essas as áreas onde a turisficação se intensificou porque não colocá-las em pausa e criar um programa de requalificação ambicioso em áreas mais esquecidas ou fora desses circuitos? Santa clara? Lumiar? Mais, nas zonas "premium", porque não começar com um programa de aquisição de edificios degradados, proceder à sua requalificação integrada e, depois, sim, um programa de requalificação urbanística global (ou seja, deixando para ultimo o espaço e infraestrutura pública). Desta forma, a geração de renda fundiária que a requalificação (e animação!) urbanística gera, é capitalizado no parque público e em famílias residentes proprietárias eventualmente de menores rendimentos.
O problema da perspetiva keynesiana é a dificuldade de a implementar num contexto de ciclos políticos curtos, onde importa meter alcatrão na rua (nem que seja para passar bicicletas ao invés de carros), mobiliário urbano novo, arrancar árvores velhas e meter novas, transmitindo essa sensação de "desenvolvimento". Repare-se que não estou "contra" a obra - é preciso requalificação urbana - o problema é o plano com que é executada. Ou melhor, a ausência desse plano, dessa visão integrada e estratégica da cidade. E uma cidade é, em primeiro, um lugar para viver. E essa deve ser a preocupação central. Claro que sim: deve ser uma cidade inteligente, empreendedora, amiga dos negócios, etc etc. Essas são as áreas onde o "mercado" eventualmente até funciona melhor.



Paulo B disse...

Algumas notas adicionais:

- Programas como o arrendamento acessível são meritórios (as regras do de Lisboa têm a vantagem de ser ligeiramente melhores - justas, equitativas, eficazes - que o programa do governo) mas surge claramente a reboque dos acontecimentos. Resultado? Incapazes de contribuir para uma solução (neste momento, dada a dimensão so problema, acaba por ser uma gota no oceano... a que acresce que é um programa cada vez mais caro de implementar nesta fase porque está tudo sobreaquecido - inclusive os custos de construção!).

- Na questão habitacional há ainda um problema de base que teimamos em fazer de conta que não existe: informação. Ora, assumindo-se que é o mercado o mecanismo fundamental da provisão habitacional (vá lá... ao menos o programa de arrendamento acessível de Lisboa é por sorteio!) importaria sermos exigentes com a informação disponibilizada sobre as habitações - incluindo os seus múltiplos valores e preços. Basta percorrer os portais imobiliários para perceber uma coisa: aquilo são anúncios publicitários, não é informação fidedigna para quem quer selecionar, avaliar, comparar a oferta habitacional que lhe é adequada. E repare-se que o "mediador" imobiliário é sobretudo um representante do vendedor, mais do que um real "mediador". Não é admissível que em pleno século XXI e depois de tanto simplex e afins não haja um serviço, público, de informação (detalhada) de alojamentos habitacionais disponíveis (para compra ou arrendamento), inclusive com histórico de preços (de venda ou de arrendamento!).

- O IMI é um problema muito complexo. Muito dificil de discutir sem entrar num campo mais técnico. Está cheio de injustiças e aberrações. Tem alguns méritos. Infelizmente não pode ser simplesmente abolido (tem de ser substituido por outro tributo) porque não há alternativa (politicamente) viável. A sua subsitituição implica mudanças muito profundas em muitas áreas - desde a tributação dos rendimentos passando pelos instrumentos de planeamento e terminando na lei dos solos...

- Para terminar: repare-se que a "política de reboque" na verdade pode não ser bem assim... Sinceramente, estou convicto que há uma boa dose de ação deliberada nesta ideia de potenciar o sobreaquecimento imobiliário: a verdade é que muitas das grandes fortunas do novo riquismo português e, por arrasto, todo o sector financeiro, assenta no valor dos ativos imobiliários (o próprio balanço dos bancos varia ao sabor do ritmo do valor imobiliário / carteiras de crédito). Além dos muitos mil milhoes "objetivos" que todos colocamos no setor financeiro, há ainda estas enormes faturas "escondidas", que passam por esta "revalorização" desses ativos imobiliários tornando reequilibrando créditos malparados... Ora, como referi acima, o estado (e as câmaras municipais) têm uma máquina de "imprimir moeda"... não tão perfeita como a que conhecemos, mas que faz um pouco esse trabalho - a intervenção urbanística. Como no sistema monetário... imprimir demais causa inflação... como no sistema monetário... a inflação é boa para quem tem dividas. :)