terça-feira, setembro 28, 2021

Ascensão e queda de alguns. Ascensão e futura queda de outros.

 



Tenho a reconfessar que estas eleições não mexeram comigo. Do pouco que vi na televisão ou do que li, nomeadamente em alguns programas eleitorais, foi o que referi há dias: mais do mesmo.

No entanto, acredito que a vitalidade da democracia se mede também através da qualidade de vida nas cidades (ou vilas) e, para isso, é relevante a competência, a dedicação, o profissionalismo e a visão estratégica das equipas que conduzem os destinos autárquicos. E, talvez por isso, ouço o que dizem os candidatos e acho que deveriam ser todos (ou quase todos) rifados.

No que se refere ao Porto, não vivo dentro nem tenho acompanhado: não me pronuncio, pois. 

Mas sobre Lisboa tenho opinião. Lisboa está magnífica. Pode ter pontos de imperfeição ou pode ter coisas que não funcionam bem. Mas, no cômputo geral, está magnífica. É magnífica. 

A reviravolta no bom sentido começou antes do Medina. Vem de Sampaio, vem do Costa. Mas o Medina executou a estratégia e não desgraçou tudo. Pelo contrário, continuou a melhorar a cidade. Não falo dos bairros históricos transformados em alojamento local. Foi tendência geral, cá e em todo o lado onde o turista gosta de andar. Chama-se gentrificação e é fenómeno global. Não vale a pena armarmo-nos em beatos, querendo ver culpa no vizinho do lado, neste caso no Medina. Não. Voo barato e, portanto, muita procura tem esta implicação: aumenta a oferta. É o mercado, nada a fazer.

Para mim, o pior mesmo, o que o fez perder as eleições, foi a colagem excessiva à imagem do aparelhista bem comportado, o socialista linha soft, menino apertadinho, que vai à televisão falar em nome do PS. Mas quem fala assim, sem garra, fugindo assustado de problema, desfazendo-se em desculpas e mais desculpas mesmo do que não tem culpas, renegando o que for preciso para continuar na primeira fila, dedinho no ar, não pega. Junto do público feminino, então, não pega mesmo. Mulher não gosta de homem com espírito fraco. Ainda por cima, imagem televisiva semanal e monocordicamente gasta a desfiar comentário morno sobre tudo e sobre nada, cansa. A gente quer pensar que na autarquia está um gestor eficiente, um executivo incansável e não um principezinho bem comportado que se dedica ao comentário e ao falatório político. 

E depois tem aquilo das ciclovias. A Penélope explica tudo muito bem. Concordo. Ciclovia é, obviamente, uma boa ideia. Cidade limpa, ecológica, toda a gente gosta. Mas uma coisa é haver avenida larga, passeio largo, coisa planeada ab initio: o peão ou a bicicleta ser quase o rei ou a rainha e os carros um acessório. Isso é bom. O pior é quando o carro está por todo o lado, na estrada, no estacionamento (quando não no próprio passeio), e a estrada é reduzida ou o passeio é cortado ou cruzado por ciclovia e a gente nem saber bem se pode pôr o pé ou deixar criança andar à vontade.

E há mais: do que se comenta por aí, subsiste na Câmara o que de pior existe da velha escola dos boys socialistas, as assessorias pagas a peso de ouro que mais não fazem do que alimentar a intrigalhada partidária e a manha e a amizade ao trabalho de faz-de-conta. Ora isso já não está com nada. Isso e as mordomias que a Guida gorda gosta de ter. O eleitorado já não tem pachorra para isso. O eleitorado castiga.

Pode tudo isto não ser extraordinariamente significativo mas foi o suficiente para Medina ter perdido a Câmara. Como ele disse, por um voto se ganha, por um voto se perde.

A vitória caiu de bandeja no colo do Moedas. Uma ave-rara que promete aos lisboetas, em tempos de paz e de progresso, "sangue, suor e lágrimas", em condições normais levaria uma corrida em osso. Só um wanna be desfasado do realidade se lembrava de tal disparate. 

Dizem que foi um bom Comissário e até acredito. Mas foi também um fiel homem de mão de um inqualificável Láparo e disso eu não posso esquecer-me. Pode não ser totalmente incompetente, pode não ser gatuno, corrupto ou analfabeto. Menos mal. Mas parte do seu passado é negro e o seu presente não revela golpe de asa, visão fora da caixa ou sentido de modernidade. Tomara que consiga fazer um trabalho que não desmereça o legado dos seus antecessores na Câmara. A bem dos lisboetas e de todos quantos cá trabalham ou cá estão de visita, é bom que faça um bom trabalho e, nesse sentido, só posso desejar-lhe boa sorte.

Tirando isso, tenho pena pelo Bernardino. Não sei como foi a sua gestão mas tenho-o em boa conta. 

O mundo vai andando, umas vezes para a frente, outras para os lados, a maior parte das vezes aos tropeções. Mas ninguém suportaria que andasse para trás. E o PCP tem isso: quer ficar preso ao passado, à conversa do já era, aos ideais que já tombaram faz tempo. Pode até ser gente honrada e bem intencionada -- aliás, não tenho dúvida que o é. Mas são sectários ao porem-se do lado errado da trincheira, e errada porque a guerra já é outra. A população já não quer ouvir falar de coisas que já não lhes dizem nada. Aqueles a quem a conversa do PCP ainda diz alguma coisa já estão velhos e em minoria. O eleitorado, na sua maioria, já está noutra. Tenho pena, em especial pelo Jerónimo, o último dos moicanos, um homem digno e sério. Mas é a vida. 

As grandes lutas agora já não são as sindicais, com os sindicatos da função pública à cabeça, a luta agrária, esses temas de antigamente. As grandes lutas agora são as do ambiente, as da luta pela felicidade, pela qualidade de vida, as da demografia, as da diversidade e da inclusão. O PCP não sabe estar nessas lutas. Mesmo quando quer estar, usa um vocabulário de tempos passados. O PCP e essa abstracção chamada CDU voltaram a perder e o pior é que não sabem interpretar as derrotas. Para eles, as derrotas são sempre por culpa alheia. Aos poucos vão caminhando para o próprio fim. 

O Bloco de Esquerda também perdeu e é natural que tenha perdido. Com o viço com que apareceram há uns anos anunciando a diferença, atraíram os que estavam cansados de partidos velhos. Sol de pouca dura. Com esta direcção, Catarina & Manas Mortáguas, o BE vem revelando à saciedade que é sangue populista o que lhes corre nas veias. Num local, não sei onde, perderam um vereador e o Chega ganhou um. Um populista substituiu outro populista. É natural: populismo é populismo, vista-se de esquerda ou vista-se de direita. Não vão acabar bem.

Do CDS não vale a pena falar. Aliás, não há nada a dizer. O perfeito nulo.

Quanto ao PSD, o que tenho a dizer é que as hostes laranjas sabem mexer os cordelinhos autárquicos. Ou não fosse o burocrata Rio um homem do aparelho. Mas o aparelhismo tem perna curta e o ar de quem está permanentemente fornicado com qualquer coisa, seja lá o que for, faz com que a malta queira é vê-lo pelas costas. O ambiente fica pesado com o Rio por perto. Portanto, este balão de oxigénio é coisa que não cura o estertor, apenas o adia. 

Mas adia o tempo suficiente para que a galinha cacarejante tivesse cacarejado, uma vez mais, antes de tempo. Numa campanha de relançamento em que valeu tudo, até sair mediaticamente do armário, Rangel deixou-se embalar pelos que anteviam uma demissão de Rio na noite das autárquicas e, destravado como só ele sabe ser, atirou-se para a frente das luzes da ribalta. Correu-lhe mal. Portanto, dupla sensação de vitória para o sempre aziado Rio. 

Mas vai ser coisa efémera. 

Não sei se sobra alguém mas acho que não. Mas, mesmo que sobre, não teria mais nada a dizer.

Faz falta sangue novo, um olhar novo, um pensamento novo. Enquanto isso não aparecer, isto das autárquicas é uma grande seca.

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Volto para responder ao comentário sobre o Santana Lopes. Não sei bem que diga. Vida mais errática não há. O que ele já fez e desfez, a forma como se lança e depois se cansa, tornam-no não apenas imprevisível como pouco confiável. Há funções para as quais a determinação e persistência são fundamentais e a de presidente de uma câmara (ou de um governo) é uma delas. Ora, determinação e persistência são coisas que a ele não lhe assistem lá muito. Dá ideia que se move pela adrenalina, pelo prazer da novidade. 

Contudo, apesar de toda a aleatoriedade no seu percurso, ao chegar aos sessenta e cinco e continuar a ser assim, abalançando-se para estas coisas, voltando a percorrer uma etapa que já tinha ficado lá para trás no percurso da sua vida, há que lhe reconhecer algum mérito. Mostra que é sobretudo um personagem literário de que um dia alguém fará um filme. É um romântico. Deve ser respeitado enquanto tal. Um dos últimos românticos.

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Para ver se conseguia amenizar a aridez do texto, usei fotografias de Niki Colemont
e trouxe Birdy com Evergreen para nos fazer companhia

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Desejo-vos uma boa terça-feira.

Boa sorte. Saúde. Confiança.

9 comentários:

Anónimo disse...

Que me diz do Santana na Figueira da foz ?

Maria Santana disse...

Subscrevo totalmente este seu post!!!!

Anónimo disse...

Todos os que cospem no prato que o PCP lhes ofereceu numa bandeja são só canalhas ou mais qualquer coisinha ?

Um Jeito Manso disse...

Caro Primeiro Anónimo,

Tem razão. O Santana merece umas palavras... Já lhe respondi no próprio corpo do post, no final.

Obrigada.

Um dia feliz para si

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Pois, essa das ciclovias que se confundem quase com passeios tem muito que se lhe diga, a malta das bicicletas não é dada a grandes cuidados pelo que me tem parecido quando ando por Lisboa.

Outro mal que veio por bem, é o facto de as hipóteses de o Medina vir a liderar o PS serem teoricamente zero.

Aqui nas Caldas tivemos "plot twist", as Uniões de Freguesias que incluem a cidade garantiram a vitória ao movimento Vamos Mudar, o que é absolutamente histórico num concelho onde o PSD só não governou no período 1982-85.

Um bom serão.

Paulo B disse...

UJM,

Tudo muito bem, mas... "É o mercado, nada a fazer." ?! Será a UJM uma liberal (no sentido português do termo) no "armário"? Qualquer dia teremos uma revelação da UJM liberal no programa da Cristina? :D

Discordo. Claro que há muito a fazer. Especialmente quando se reclama como um socialista (ou até um social democrata!). A intervenção urbanística é uma das mais poderosas máquinas de imprimir e distribuir riqueza. O mercado imobiliário é ainda por cima dos mais ineficientes e cheios de externalidades negativas. Conjugar estas duas observações e concluir que não há nada a fazer é desistir de um qualquer programa político que promova a coesão, equidade e justiça socioeconómica.

O programa de desenvolvimento territorial de A. Costa e de Medina é, essencialmente, uma celebre ideia neoliberal - conhecida como "trickle down" - com um óbvio empurrão do orçamento camarário. Eu perecebo: não havia (e não há) propriamente capacidade (financeira e política) para o necessário investimento pública em habitação e na necessária infraestrutura básica da cidade, mas daí a aclamar esta nova cidade como um modelo de desenvolvimento... acho exagerado. E apesar de tudo, os que ainda resistem na cidade, rejeitaram-no.

PS: quando uma câmara municipal executa obras de requalificação profundas no espaço público isso gera renda fundiária aos proprietários envolventes. Essa renda fundiária não tem uma materialização óbvia e é dificil de tributar (nem sequer o IMI é um mecanismo eficiente...). Assim, um programa de grandes obras de requalificação urbana tendem a ser uma distribuição de riqueza não tributável a uma parte específica da população. Mais, como essas operações urbanísticas ocorrem em pontos específicos do espaço, geram dinâmicas de distribuição de valor muito diferentes espacialmente - ou seja, se se reabilitarem áreas premium tendemos a oferecer renda fundiária a quem já tem, per si, mais rendimento (sendo, portanto, uma política nada progressista!). Acresce que Lisboa é das cidades portuguesas onde há uma maior proporção de residentes que são arrendatários e, logo, há uma proporção significativa que não beneficia dessa distribuição de renda fundiária sofrendo ainda a pressão dos proprietários que procuram capturar mais uma parte do valor gerado com a intervenção pública através do aumento das rendas justificando-o com o valor íntrinseco da localização (que aumentou, também por uma política ativa pública de promoção dessa localização).

É verdade que as soluções para isto são complexas e não dependem só da câmara municipal. Mas é verdade que se pode fazer mais. Sobretudo, é verdade que se pode fazer diferente.

Abr!

Anónimo disse...

Parece-me que algumas das razões que são apontadas para a queda de Medina são as que nos aproximam de soluções ambientais e de integração social, por exemplo, ciclovias e integração de imigrantes. Portugal continua atrasado e sem consciência disso.

Um Jeito Manso disse...

Paulo, olá

Gostei do que escreveu. Por isso, tomei a liberdade de repescar todo o seu comentário para o corpo principal do blog. E lá digo a minha opinião.

E obrigada! Nada como um bom contraditório, ainda por cima desenvolvido por quem sabe da matéria.

Uma bela 4ª feira!

Paulo B disse...

Olá UJM!

Se bem a conheço não levou a mal a brincadeirinha (do armário, do programa da Cristina, :D). Espero que não. Eu venho aqui fazer o papelinho de velho do restelo mas é assim ao estilo dos velhos dos marretas, com boa disposição!

De qualquer forma fez bem: vingou-se e expôs ali o meu testamento mal escrito! Eu já tenho uma escrita pastelosa por natureza mas escrito ao telemóvel, com aquele teclado manhoso e com este mecanismo de comentário (dos blogs) - nada pensado para telemóveis - é um desastre! :)