sexta-feira, setembro 24, 2021

Brocado

 


Dia muito complicado. Reuniões, situações complexas, dúvidas sobre a melhor forma de atacar os problemas. Por vezes, não as meço e ouço-me a cortar a direito. E depois, quando acabo, o silêncio. A seguir, alguns segundos depois, o apoio. Mas conheço-o bem. Aprecia o meu estilo mas, quando assiste em directo, fica sem saber como me acompanhar. Se a coisa dá para o torto, atiro para não falhar. Ele não. Se a coisa dá para o torto ele mostra desconforto e espera que isso seja suficiente. Não é. Não é o desconforto que move montanhas. Penso, por vezes, que teria sido prudente da minha parte, em vez de saltar em cima a pés juntos, mostrar enfado, ar incomodado. Mas depois penso: o que tenho a perder? E sei a resposta: nada. Portanto, para quê dar-me ao trabalho de ser quem não sou?

Às tantas, no meio da conversa, alguém disse a propósito de uma empresa accionista de uma outra empresa: quando a empresa ainda era nossa... (e continuou a frase justificando uma série de disparates). Ouvi, perplexa, o que parecia ser um raciocínio escorreito mas em que, na verdade, não se aproveitava uma. Não disse nada pois estava em público e porque a única coisa a dizer seria: Seu grande burro. Primeiro a empresa não era nossa, muito menos sua, a empresa era dos accionistas e que eu saiba você não o é. Segundo, mesmo que fosse 'nossa' lato sensu, jamais o que você diz que se fazia era justificável. E mais vale não me dizer mais nada para eu continuar na inorância. É mais seguro para si que eu não saiba de nada. Seu grande burro.

Mas, estando em público, nada disse. Fiquei, isso sim, siderada. E a pensar que aquele sujeito é um perigo. A ignorância, quando é arrojada e destemida, é um verdadeiro perigo. 

Não sei como se sai cem por cento funcional depois de lidar com gente assim. 

A meio da manhã, um mail. Alguém pedia que eu desse uma ordem pois um não queria dar os elementos que lhe estavam a ser solicitados. Enviei o mail. Seco. Ordem dada. Passado dois minutos, um telefonema. Um outro, melindrado com a minha ordem, justificando-se de coisas de que ninguém o acusou. Nestas coisas, fico calada. Ouço. Do outro lado, desdobram-se em argumentos. Como não digo nem ai nem ui, tentam ser mais explícitos. Falam, falam. Ou seja, enterram-se, enterram-se. Quando, no fim, falo é para rematar à baliza e dar a brincadeira por acabada. Mas, às tantas, estou saturada.

Volto a pensar no que a minha menininha perguntou: 'exactamente o que é que tu fazes?'. Isto. O dia todo nisto. Reuniões, telefonemas, chatices, relatórios, reuniões, telefonemas, chatices, reuniões... Todo o santo dia nisto. Não há pachorra.

Foi só já muito ao fim do dia, quase de noite, quando finalmente tínhamos feito a rápida caminhada, que consegui regar as flores da parte de trás. Liguei à minha mãe já perto das nove da noite.

O dia passa assim, veloz, sem eu dar por ele. Não há tempo para pegar num livro ou para me sentar a apanhar os últimos raios de sol.

A nível mais pessoal, dia também de muitas dúvidas, de retrocessos. Depois, dia de fuga para a frente. Intuição com ela. Mas até ao lavar dos cestos é vindima. Portanto, nada garante que amanhã não haja nova reviravolta. 

Processo mais complicado este...

Tirando isso: a colcha que trouxe no outro dia fica lindamente na minha cama. Lembrei-me do nome do tecido. Brocado. 

Brocado é um tipo de tecido ricamente decorado, feito em seda colorida e com relevos bordados geralmente a ouro ou prata.

Não posso ir agora fotografar a colcha pois o meu marido já dorme. Mas vou retirar da internet fotografias de diferentes padrões de brocado. Não sei se ainda há brocado à venda. Esta colcha que eu trouxe do campo e que, antes, estava na arca, é muito bonita e fica muito bem na minha cama. Acho que é uma preciosidade. Olho-a ou toco-a e fico encantada.

Também trouxe uma coberta de um algodão espesso, dir-se-ia que prensado. Pensei colocar em cima de um destes sofás. Mas os sofás são grandes e a colcha deve ser de camas de corpo e meio. Como são duas cobertas iguais (uma ficou no campo), penso que talvez fosse das duas irmãs quando eram jovens. Gosto de pensar que as suas peças tão estimadas e tão bem guardadas estão a ser respeitadas, usadas com dignidade. 

E a colcha de brocado, então, está nova. Não sei como mas está. O que os humanos almejam -- vida longa e eterna juventude -- tem-no o brocado. Brocade, brocart. A sempre jovem beleza.


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Uma vez mais é Sheku Kanneh-Mason que nos acompanha com Song Of The Birds

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Desejo-vos uma happy friday.
Juízo. Calma. Ponderação. Coragem.

1 comentário:

Corvo Negro disse...

Olá UJM;
Para a "parte" profissional: - A ignorância é a mãe do atrevimento. Passaram por mim vários atrevidos e tratei-os como ignorantes, felizmente já é passado.
Para a "parte" pessoal:- "O dia passa assim, veloz, sem eu dar por ele.". Fixe.
Abraço.