sábado, julho 31, 2021

Touch me.
Em silêncio, se faz favor.

 



A improvável indiferença pelo conhecimento de si. É o que eu sinto sobre mim e o que aprecio nos outros. 

Há pouco passei na rtp2. Não me toques. Touch me not. Mulheres falando de si, um homem que quis ser mulher, uma mulher dizendo que não saberia o que dizer do seu corpo, homens dizendo coisas que talvez façam sentido, mulheres confidenciando sobre medo, raiva. Ouvem-se com atenção. Há silêncios, hesitações. Adina Pintilie quer saber, presta atenção à intimidade descrita. Parece haver ansiedade entre os participantes. Outras vezes, indiferença. Não alegria.


Nada disso me interessa muito pois a racionalização sobre si-mesmo é matéria que me parece frívola. Bem sei que há quem a ache profunda e bem sei que em certas circunstâncias é fundamental para que algumas pessoas possam ultrapassar alguns demónios ocultos. Que seja. Não julgo. Apenas não me identifico. 

Não sei se é essencial uma pessoa conhecer-se. Acho que a pretensão do conhecimento de si é uma pretensão estulta. Ninguém poderá alguma vez conhecer-se. Nem que todas as suas células fossem desdobradas e mapeadas e estudadas à lupa, nem assim alguém ficaria com o conhecimento de si. Não somos células, somos bem mais que isso. Não somos memórias, somos muito para além disso. Mesmo que descodificássemos as nossas emoções ficaríamos na mesma: somos muito mais do que isso. Somos a mais pura abstração. E, para melhor nos identificarmos com abstrações, deveremos olhá-las de longe, sem as querer perceber ou interpretar. A interpretação de uma abstração não é apenas um exercício desnecessário: é, sobretuto, absurdo. Deveremos manter-nos desconhecidos, misteriosos, relativizar-nos, olhar-nos de longe, ignorarmo-nos.

Digo isto sem certezas, só com intuições. Há quem ache que o passado deve ser desenterrado, escalpelizado, interpretado. Mas eu tenho dúvidas. Não é preferível pensar, antes, no futuro? Não é preferível apostar antes na tolerância, na generosidade, na capacidade de ver o outro lado, na ousadia?

Não sei.

Se uma mulher não sabe sobre o seu corpo, em vez de tentar perceber as causas desse desconhecimento, não seria preferível incentivá-la a ousar, a arriscar, a perder o medo ou a vergonha e, sobretudo, a deixar de pensar tanto no assunto? 

As palavras são importantes mas devem ser como véus que se vão deixando cair. Quando, pelo contrário, as palavras são usadas como véus que se vão colocando sobre as emoções, sobre os sentimentos, então é como se fossem escolhos que se vão colocando no caminho.

Que interessa ter a pretensão de conhecer o corpo? Conhecer como? O corpo muda ao longo do tempo. Conhecer o que faz bem ao corpo? Como? A cada dia que passa vamos descobrindo novos benefícios de cuja existência antes nem suspeitávamos. 

Entrar no mar, mergulhar. Nadar. Apanhar sol na pele nua. Sentir umas mãos sobre o nosso corpo. Ouvir um poema. Beber um sumo fresco num quente fim de tarde. Ouvir contar histórias cheias de mistério. Entrar numa montanha. 

Tudo melhor do que falar sobre o próprio corpo, sobre si.

Na rtp 2 vejo agora um encontro de excessos. Corpos nus como que exorcizando fantasmas. Também não me interessam. Há alheamento, alienação nisso. Ou exploração e condescendência face à diferença. Não me identifico. Prefiro os momentos simples, animais que se procuram. O corpo prefere o silêncio. Quanto muito, um poema dito, quase num murmúrio, ao ouvido. Ou, quase em silêncio, rente à pele. As palavras, quando são demais ou quando acontecem em momentos inoportunos, são mera poluição.

Mas, lá está, posso estar enganada. Se calhar não percebi nada.

No fim, a mulher, nua, dança. Os pesados seios dançam também. A mulher ri, os seios também. Disso eu gostei.

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As pinturas são, respectivamente,:

  • Red nude, Marino Mazzacurati, ~1936 circa
  • Lily and the Sparrows, Philip Evergood, 1939
  • Portrait of Madame Tallien, Jean-Bernard Duvivier,1806
  • Portrait of the Dancer Aleksandr Sakharov, Alexej von Jawlensky, 1909
  • Saint Sebastian, Bronzino, ~1533
  • Sleeping Woman, Alexej von Jawlensky, 1910
na companhia de Hildegard von Bingen que compôs De virginibus

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Desejo-vos um sábado feliz

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