domingo, julho 18, 2021

Quem vê casas...

 



Se me saísse o euromilhões, naquelas vezes em que saem muitos milhões, há uma coisa que eu gostava muito de fazer: encontrava um terreno grande e, lá, fazia uma casa para cada um dos meus filhos e, se os meus netos ainda fossem pequenos, fazia só o projecto mas, se já fossem grandinhos, fazia também uma casa para cada um. Gostava que morassem perto uns dos outros. Mas haveria de ser uma espécie de condomínio para que cada um tivesse a sua independência e privacidade. E gostava de tratar do projecto em conjunto com cada um deles.

A arquitectura é das formas de arte mais completas e mais humanas. Gosto muito de (bons) projectos de arquitectura e tenho admiração por alguns (bons) arquitectos.

Vejo, sempre que posso, vídeos de projectos de arquitectura. As soluções encontrtadas são, muitas vezes engenhosas, inteligentes. Hoje vi o que aqui abaixo partilho e pensei logo no meu neto mais velho, menino muito querido (mas muito terrível, verdadeiro pimentinha-pestinha encartado), que vibra com arquitectura moderna. Onde os outros vêem cubos sem graça, linhas excessivamente direitas e algum exagero de volume, ele diz com entusiasmo que gosta e que era assim que gostava de ter uma casa. E eu percebo-o. Imagino-o, adulto, a viver num ambiente assim.

Eu, para mim, não consigo escolher um género. Gosto de casas amplas, luminosas, em que não se tenha a ideia de se estar confinado. Tirando isso, interesssa-me a funcionalidade, a beleza e, de preferência, que tenha alguns recantos.

Nenhuma das casas em que já vivi era nova quando para lá fomos. Prefiro encontrar uma casa que sinta como minha e onde sinta que há margem para o meu cunho, a nível de decoração, do que estar a construir de raiz. Parece um contrassenso, bem sei.

Se calhar tem a ver com um dos meus sonhos recorrentes. Chego e encontro uma casa. É uma casa grande e passa-se de umas divisões para outras e é uma surpresa pois a evolução é coerente e, ao mesmo tempo, inesperada. E eu estou ali e a pensar que aquela é a minha casa, como se estivesse à minha espera. E, na volta, na vida real sempre foi isso que procurei.

Quer esta casa onde agora estou quer a casa no campo, in heaven, têm uma característica comum: há um espaço grande em que se passa de umas zonas para outras num movimento contínuo, sem portas. E, as que há, estão sempre tão abertas que nos esquecemos delas. 

Quando para aqui viemos nunca sabia onde tinha deixado a chave ou o telemóvel e a sensação que tinha é que havia um núcleo central com um corredor em volta de onde nasciam outras divisões. Quando andava à procura das coisas, tinha a impressão de que andava às voltas num espaço circular. Afinal, na verdade, não tem nenhuma área circular. Às vezes, à noite, ia ver a planta da casa para tentar perceber a razão da impressão que eu tinha. E, ao fim de um ano, de cabeça, parece que ainda não percebo bem. 

Na primeira fase da pandemia estivemos no campo. Estava eu e o meu marido, ambos em teletrabalho. Algum tempo depois, juntou-se-nos a minha filha e os miúdos, ela também em teletrabalho, os miúdos em escola remota. Noutras vezes em que ela não estava, foi o meu filho. Estava ele e a minha nora em teletrabalho e os miúdos na escola.

Era sempre uma dificuldade pois, sem portas, não se conseguia ter o isolamento e privacidade que, por exemplo, ter reuniões pede, em especial para não haver movimento ou barulho por perto. O que valia era que uns iam para os estúdio e outros, como estava bom tempo, ficavam na rua.

Nesta casa também acontece isto. O piso de cima é todo aberto. Aliás, a escada nasce na sala, sem portas e vai até lá acima. Ter uma reunião lá é sinónimo de tudo se ouvir. Entre a cozinha, a salinha de refeições, a sala da lareira e a sala de jantar (e a dita escada para o primeiro andar) não há portas. 

O meu marido usa o topo da mesa da sala de jantar pois está rodeado de janelas, tem imensa luz. Mas, se ele está a ter reuniões, não posso lavar louça à mão ou moer a base da sopa pois tudo se ouve. 

Esse é o lado chato -- mas é pormenor pois, de resto, é uma sensação de fluidez e largueza que compensa o resto.

Mas há uma coisa que, para mim, ainda é essencial. E digo 'ainda' pois sei que a minha opinião evolui e que o meu gosto se adapta. Mas, por enquanto, é essencial que tenha paredes normais. Uma casa com mais vidro que parede cria dificuldades: é chato encostar móveis e não há onde pendurar quadros. Quando vim para aqui, como por uma milagrosa coincidência, todas as minhas coisas encontraram o seu recanto perfeito ficando melhor aqui do que no seu local original. Ao fim de poucos dias, sentia-me em casa. A casa tem janelas e portas-janelas mas tem as paredes necessárias e suficientes.

Em contrapartida, a anterior proprietária, que se mudou para uma casa maior, de linhas muito direitas e com muito vidro, diz que ainda anda às voltas com as coisas sem saber como dispô-las. Diz que não tem onde pendurar quadros, espelhos, onde colocar alguns dos móveis de que não quer separar-se. E diz que ainda não se sente em casa. Nós, antes de termos sido descobertos por esta casa, andávamos a ver uma outra: ultra-moderna, imensas superfícies de vidro. Uma casa que era um objecto de arte. Mas, quando esta nos encontrou, fiquei contente por o negócio da outra não se ter concretizado: teria tido a maior dificuldade em encaixar lá as minhas coisas.

Alguns arquitectos têm pouco trabalho. Se forem arquitectos incultos, básicos, pouco inteligentes ou pouco criativos, nada tenho a dizer. Mas tenho a dizer da falta de atenção que os poderes públicos geralmente dedicam às enormes mais valias da boa arquitectura na vida das pessoas, seja a nível dos espaços públicos, seja da vida privada. A (boa) arquitectura pode humanizar as cidades, pode introduzir novas zonas de convívio, pode deixar entrar a luz onde tal parece impossível, pode criar zonas de paz onde a confusão parece estar instalada.

Seria, para mim, um enorme prazer acompanhar o projecto da casa de cada um dos meus, cada um com sua visão e maneira de ser. Imagino bem como seria a casa de cada um, até a do mais novo. Não o espelho da sua personalidade, que a casa não deve ser isso, mas o cenário (ou o habitat) onde a sua personalidade floresceria.

E, como se fosse uma nota de rodapé -- mas longe de sê-lo --, acrescento que fico muito contente por saber que a Inês Lobo faz parte da lista do PS para Lisboa. 

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A Modern Brutalist House In Japan With Exquisite Details

Architects: Apollo - https://apollo-aa.jp/

According to the architects:

This ranch-style home is located in a quiet suburban neighborhood in the Kanto region. The clients purchased the tiered, irregularly shaped lot as a place to spend meaningful time as a family. They wanted courtyards to play a big part in their home life, and to fulfill that request, the design makes use of the distinctive property shape and topography. 


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As esculturas feitas com livros são da autoria de Stephen Doyle e estão aqui na companhia de Ajeet Kaur que interpreta Light of My Soul

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E, antes de me ir -- e se estou cansada, cansada -- vou descansar a alma

After the Rain 

(extract)

(coreografia de Christopher Wheeldon na interpretação de  Beatriz Stix-Brunell, Reece Clark -- The Royal Ballet)



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Desejo-vos um belo dia de domingo

2 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Esse seu projeto é uma coisa maravilhosa, a família viver toda perto, mas com a devida privacidade.

Eu também adoro arquitetura nas suas mais variadas subdisciplinas.

Eu no campo da vidraria também prefiro janelas com dimensões tradicionais, gosto de ter parades para pôr coisas.
Quanto a portas, a minha casa tem para todas das divisões, com uma coisa ótima que é ter portas duplas entre a sala e a cozinha, embora presentemente não consiga abrir as duas, pois o melhor local que encontrámos para o canto-bar fica de maneira em que tapa ligeiramente a porta secundária.

Ouvi dizer que está de férias, sendo assim boas férias e rico domingo (hoje aqui está outonal, cinzento e fesco).

Estevão disse...

Não podendo fazer uma casa para cada um dos filhos, pode sempre tornar uma das casas indivisível, em termos de herança, como forma de manter os filhos e os netos próximos uns dos outros. Talvez o heaven, com algumas adaptações, de modo a poder ser frequentada por todos eles em simultâneo.
Isto poderá eventualmente ter um lado negativo, caso ocorram mais tarde atritos entre eles. Mas à partida é uma boa ideia. Fins-de-semana, natais, festas, passam a ter um local próprio, um local querido, onde se matarão saudades e se manterão os laços, sempre sob o testemunho das atentas árvores que a UJM diz que plantou ..
Será basicamente um testamento onde os herdeiros, os filhos, ficam proibidos de alienar a propriedade, bem como os herdeiros destes, os netos, até … até decorrerem xis anos d …/…
Votos de boas férias!