quinta-feira, maio 06, 2021

Milagres

 



No domingo, um dos presentes que recebi foi um conjunto de dois vasinhos com suculentas, ambas deveras peculiares. O meu filho, falando da mulher, disse: 'Trouxe as duas mais invulgares que encontrou'. De facto, também nunca tal tinha visto. Quase parecem cactos mas acho que não são. Pelo menos, não têm espinhos. São curiosas. Uma delas, é até uma fofura, redondinha. A outra, uma elegância. Dá vontade a gente mexer-lhes para ver se são de verdade. Têm uma pequena raiz e vinham na terra mas poderiam ser a fingir de tal modo são raras. 

Ficou uma taça mesmo bonita. Acho estas plantas um mistério. Uma loucura transformada em flor. Umas flores que não são flores, que são um espanto.

O caso é que não tinha onde pô-las. Então hoje, à hora de almoço, numa corrida, fomos comprar uma taça. Mais uma. O que vale é que as gordinhas foram presente. Se fosse por mim, ele haveria de ficar furioso por eu não parar de plantar suculentas. Diz que exagero. Assim, não protestou, foi de bom grado. Bem, de bom grado talvez também não tanto. Não estrebuchou como nas outras vezes, o que já é bom. 

Ao fim do dia, mal despachei uma série de coisas, fui a correr à horta buscar terra e bolinhas de argila que tenho lá num saco. Depois, coloquei folhas secas no fundo, uma máscara usada (vi num daqueles vídeos brasileiros que é as máscaras são boas para a terra não sair pelo buraco dos fundos), bolinhas de argila, a dita terra. E plantei as fofinhas. Depois, de caminho, arranjei duas floreiras nas quais o jasmim não vinga, colocando-lhes chorão cor-de-rosa que, no outro dia, trouxe da praia. Espero que vinguem, acho que vai ficar bonito.

E andei a regar os vasos. O pequeno terraço do lado, onde estão os dois cadeirões e a pequena mesa, tem agora cinco taças de barro com arranjos de suculentas. E há uma taça com um bonsai. O bonsai é do agrado do meu marido. Gosta de lhe arrancar folhinhas para o impedir de crescer. E está bonito. Gosto de ver o terraço assim. E há uma espécie de canteiro-floreira no varandim. Tenho lá de tudo um pouco: sardinheiras e várias outras plantas de que não sei o nome. Por baixo, tenho begónias. Tudo tão bonito. A sério: gosto de me pôr a ver. Por cima há uma trepadeira majestosa na qual a glicínia se entrança.

Tive também outra ideia. Junto ao terraço grande, do lado da cozinha, está o forno de lenha e o assador, vulgo barbecue. O meu filho embirra, acha que desfeia. É uma construção algo volumosa. Não penso que fique feio mas reconheço que, na realidade, é uma parede de tijolinho que ali está e que, sob uma certa perspectiva, destoa. Pois bem: pensei fazer ali um jardim vertical. Disse ao meu marido mas ele não quis nem ouvir, recusa-se a ouvir mais ideias. Mas estou cheia de entusiasmo. Quero perceber como fazer, quero perceber que plantas são adequadas, como suspender vasinhos.

Depois das jardinagens, regressei e fui despachar mais uns quantos mails e mais dois telefonemas. Tinha, felizmente, sobras para o jantar porque, entretanto, já se tinha feito tarde. Quando liguei à minha filha e à minha mãe já passava das oito, já a caminho de querer anoitecer.

Enquanto telefonava, de máquina fotográfica sempre em acção, descobri uma coisa fascinante: a árvore grande das raízes aéreas está a florir. Tive que lhe dar zoom para confirmar, ou seja, para ver de perto, lá em cima, pois pensei que estava a alucinar. 

Que coisa mais inesperada. Um verdadeiro milagre. Só por preguiça não vou buscar a máquina para passar as fotografias para o computador. Mas, um dia que tenha mais vagar, mostro. Esta árvore é outra loucura, uma insanidade, uma maravilha, um genuíno act of god mas no bom sentido.

E confirma-se o que no outro dia, com a minha filha e a minha mãe, percebemos: o ninho que supostamente era de andorinhas está agora ocupado por outros passarinhos. Saem e entram passarinhos pequeninos. Pipilam, cantam, saltitam. Vêm para os arbustos, andam pelo chão. Uma doçura. Milagres e mais milagres. 

Já praticamente de noite, depois dos telefonemas, fui pôr-me no lugar mais alto do jardim. De lá alcancei uma pernada da nespereira onde algumas nêsperas já estavam com ar de doces. Comi umas quantas. Doces. Ou melhor, confesso, ainda não completamente doces. Mas já comestíveis. 

Tem tantas, tantas. Mas a árvore é gigante, impossível apanhar a grande maioria. Não se alcançam de maneira nenhuma. Vão ficar para os pássaros, bem as merecem.

Adoro nêsperas. São doces, carnudinhas e trazem-me sempre a memória do meu avô. Quando eu lá ia, ele tinha uma cestinha com nêsperas para me dar. Outras vezes, subia à árvore para apanhar as mais douradas... e eu, cá em baixo, admirada com a perícia daquele avô quase acrobata que trepava até tão alto para dar essa alegria à neta. Eu devia aprender a fazer cestinhas para oferecer nêsperas em cestinhas feitas por mim.

E é isto, tal e qual o que eu ansiava quando os dias eram pequenos, sombrios, frios, tristes: dias grandes, tempo afável, bom para se estar na rua. Mãos na terra, plantar, regar, varrer, imaginar jardins, ver pássaros, apanhar fruta. 

Há lá coisa melhor...? Só se for andar agarrada aos meus meninos mas isso eles também não iam suportar a toda a hora. Por isso, está bem assim, abraçá-los e dar-lhes beijocas gordas sempre que posso e, nos intervalos, andar nestas minhas aprazíveis faenas, descobrindo milagres como quem anda numa caça ao tesouro.


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Ah, vida boa...


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A bela albina é Xueli e a sua história deve ser conhecida, os arranjos florais são da florista parisiense Thyrse e Angelina Jordan interpreta Heal The World -- e está tudo certo

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Desejo-vos uma bela quinta-feira

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