sábado, outubro 24, 2020

Sophia -- uma vida à sua frente

 

Quando eu era miúda ouvia falar aos meus pais e tios e amigos deles sobre algumas grandes divas. Os homens encantavam-se com a sua beleza e sensualidade, as mulheres admiravam-nas, apreciavam as toilettes e, no fundo, gostavam de ser como elas. 

A minha avó tinha uma amiga, anos mais nova que ela, que era uma mulher quase proscrita. Aliás creio que seria mais ou menos da idade da minha mãe. Tinha um cabelo comprido, ondulado, arruivado. Usava-o frequentemente apanhado em rabo de cavalo que prendia com fitas largas e coloridas. Era olhada de lado, falava-se dela à boca pequena. Era a outra de um homem casado. Ele tinha uma família, era um homem de sociedade. E tinha, ali, naquele bairro, uma outra família, clandestina: essa mulher e o filho de ambos. Ia visitá-la de vez em quando num grande carrão e, quando o rei fazia anos, levava-a a passear. Ela era bonita, vistosa, curvilínea, seios fartos, alegre. Mas pouco saía de casa e a alegria era restrita a quem convivia com ela. 

A minha avó sempre foi pessoa de mente aberta e tanto se lhe dava que ela fosse a amante de um homem casado como outra coisa qualquer. Por isso, volta e meia ia visitá-la e passavam horas na conversa, divertidas. Como ela não trabalhava e quase não saía de casa, entretinha-se a ver revistas que ele, para a manter sossegada em casa, lhe levava. Creio que ela também se entretinha a costurar os seus vistosos vestidos e provavelmente com outras coisas mas disso não sei. O que sei é que depois emprestava as revistas à minha avó. E a minha avó, sabendo que a minha mãe gostava de ver os 'modelos' e que eu me pelava por tudo o que fosse literatura daquela, quando ia a nossa casa levava um saco com revistas. 

Eu devorava-as. Uma vez, os meus pais fotografaram-me, pequena, os pés longe de chegarem ao chão, a ler uma dessas revistas. Quando a professora da primária pediu que levássemos uma fotografia à escolha para depois fazermos uma redacção sobre ela, levei essa fotografia. E ainda me lembro da D. Maria, ar levemente incomodado: 'Ah... mas isso não são coisas apropriadas para ti...'. Quando contei à minha mãe, que tinha sido sua aluna e, na altura, já era sua colega, encolheu os ombros: 'Que mal tem...? Cada vez mais antiquada...'. Nessas revistas eu via todas aquelas divas que faziam poses fantásticas, que tinham vestidos lindos, que tinham amores múltiplos, romances que faziam sonhar.

Uma dessas divas era Sophia Loren. Tinha uma beleza atípica que eu não reconhecia como extraordinária. Achava-a exótica, não propriamente bela.

De entre as italianas, achava a Claudia Cardinale a mais bonita. 

Anos mais tarde, estava a falar disto com um colega que me disse que tinha viajado com ela no avião e que, até ao fim, tinha estado na dúvida se era ela pois parecia quase uma velhinha quase pequenina. No entanto, nessa noite, tinha ido a uma recepção na qual lá estava ela. E era outra, sensual, toda elegante, com um porte que impunha respeito. E, quando foram apresentados, ele quase se sentiu intimidado com o seu charme. Mas, dizia ele, ah, minha querida, a Cardinale é uma graça, uma sedutora... mas a Sophia... ah... a Sophia é outra coisa...

Esse meu colega, de quem tenho muitas saudades, era um valdevinos de primeira. Tinha sido apanhado pela mulher a sair do prédio da amante. Sujeito a um vexame, obrigado a sair de casa, mudou-se para casa da amante, uma mulher interessante, uns vinte e tal anos mais nova que ele. Ao fim de algum tempo já não se aguentava com a sua jovem namorada, até porque ela tinha um filho pequeno e ele já não tinha paciência para crianças pequenas nem para mulheres com TPM. Tendo uma casa de 'praia' na Linha, volta e meia inventava que tinha uma viagem de serviço, fazia a mala... e ala moço que se faz tarde... escapava-se para a sua bela casa, uma casa com um belo jardim. Conheci essa magnífica casa. Contíguo ao seu jardim estava o jardim da casa de uma italiana da idade dele, uma italiana que apanhava banhos de sol toda nua. Ao fim de algum tempo ou a italiana saltava o muro ou ele saltava o muro para o lado dela. E, dizia ele, era como se estivesse a fazer amor com a Claudia ou com a Sophia, toda aquela fogosidade italiana, todas aquelas belas palavras de amor condimentadas com pimenta.

Não sei o que diria ele se visse a sua fogosa Sophia neste filme de que abaixo mostro o trailer. Talvez ficasse com lágrimas nos olhos. Talvez ficasse ainda mais rendido à sua beleza, à sua grandiosidade, à sua 'classe', talvez voltasse a dizer-me: ah, minha querida, a Sophia... ah, minha querida, acredite, a Sophia é outra coisa.....


O filme é realizado por Edoardo Ponti, filho de Sophia Loren, e baseado no livro homónimo de Romain Gary

La vita davanti a sé



Dias felizes


2 comentários:

João Lisboa disse...

Claudia Cardinale, sempre.

Hoje, Eva Green.

Um Jeito Manso disse...

Olá João,

É, não é? Tem um toque de candura, um leve toque de malícia, um toque de joie de vivre e, ao mesmo tempo também, tem aquela vontade que se lhe percebe de gostar de cativar.

E tem razão, não tinha reparado, é o mesmo género da Eva Green. Bem pensado, sim senhor.

Um belo domingo, João, apesar dos pingos da chuva e de tudo o resto.