Não sou diferente do resto das pessoas. Não vivo numa bolha onde tudo e todos sorriem a toda a hora. Posso é não ter paciência ou gosto em falar de assuntos que não me agradam. Mas, como toda a gente, tenho noites mal dormidas, tenho, volta e meia, alguma coisa que me preocupa, uma dorzinha aqui ou ali, assuntos que não se resolvem, pessoas que não agem como acho que deveriam agir, ou, pior ainda, pessoas conhecidas, umas mais próximas, outras menos, que adoecem ou morrem.
Por exemplo, se eu descrever o meu dia contarei que fomos ao supermercado e falarei do contentamento que tenho a escolher pão, pãozinho mesmo bom, uns de cereais e sementes, outros de abóbora, outros com nozes, coisas assim, e fruta, cebolas brancas, tomate alongado, feijão verde, salsa, batata doce cor-de-laranja, queijo, kefir -- coisas assim. Contarei também que fui, outra vez, a um lugar que descobri, perto de casa, onde se vendem flores de que nunca antes tinha ouvido falar. No outro dia, numa das nossas caminhadas, vi uma planta surreal. Foi devidamente fotografada e validada no plant.net. Muhlenbergia capillaris. Não tinham. Fiquei com pena. Mas não tenho urgência: se até lá não tiver melhor ideia, precisarei dela lá para maio ou junho. Claro que, se entretanto houvesse, arranjaria um lugar bonito para lhe dar visibilidade. Entretanto, queria uma flor para pôr num vaso e optei por um loropetalum chinense. E não se pense que sei estes nomes de cor. Não. Gostava mas não. De cada vez que quero escrevê-los tenho que ir em busca da informação e, mal acabo de escrever, por copy paste, já me esqueci.
Se, in heaven, quando para cá viemos, só queria plantar árvores, nesta casa nova só quero ter flores diferentes. Andei também à procura de um vaso bonito mas aqueles de que gostei iam de trinta e tal euros para cima. Aquele de que gostei mesmo custava oitenta euros. Não sei se sou eu que estive fora do mundo dos vasos desde que nasci ou se estou a procurar vasos de luxo ou a ir a lugares que se dedicam à especulação financeira em torno dos vasos. Não trouxe nenhum e tenho que ver se consigo descobrir algum lugar onde vendam vasos bonitos mas a valores mais razoáveis.
Depois, em casa, andei a regar, a fotografar flores, estas que aqui veem e outras, a lavar alguma roupa, etc. E isso conto de gosto tal como conto que andei a varrer. O vento e o outono são um permanente desafio para quem gosta de varrer.
Mas não contarei que, depois de almoço, houve que prestar despedidas a alguém que era novo demais para ter partido tão cedo tal como era bom demais para ter sido tão duramente castigado. Não era de mim que era próximo mas perante uma situação assim, senti como se o fosse.
Mas contarei, isso sim, que, de lá, viemos para o campo. Que saudades já sentia. Tão bem que aqui estou.
Não sei se no outro dia que aqui estive contei que, convencida que fiquei, deixei que a minha filha aplicasse nesta sala da televisão o banho de claridade que aplicou na outra casa. As cobertas que eram encarnadas, as almofadas que eram multicoloridas e os quadros que eram também uma torrente de cor, foram todos apanhar ar. Agora as cobertas são claras, em beige, as almofadas são no máximo bicolores e sóbrias, os quadros são tranquilos, em tons afins. A sala ganhou dimensão, tranquilidade. Olho em volta e não consigo deixar de sorrir. Pequenas coisas bastam para mudar tudo. Na decoração, na vida.
Basta a gente perceber que é melhor para nós, basta estarmos disponíveis para sairmos da nossa zona de conforto - e darmos o passo. Ou deixarmos que o deem por nós.
Aqui, andei a passear, a respirar este ar limpo e perfumado, o comer os últimos figos, tão bons, a apanhar e papar medronhos madurinhos, encarnadinhos, docinhos. Depois a trocar quadros, a ouvir o meu marido a protestar, que não quer fazer mais buracos e etc, e a arrumar roupa, a fazer jantar.
Também posso confessar que, a seguir, como sempre aqui me acontece, ajeitei-me no sofá e pimbas, tiro e queda, caí no sono.
E posso ainda contar que, felizmente, o sono foi coisa pouca. Acordei a tempo de conferir que o cozinhado estava no ponto. Depois falei com a minha mãe, com os meus filhos, tudo em paz. E, mais tarde, voltei aqui, ao sofá. Mas o sono, tanto... Sempre assim foi: os ares do campo limpam-me a cabeça, fico de tal maneira na maior leveza que o sono pousa logo em mim. Aqui é onde melhor descanso.
Agora, enquanto escrevo, vou vendo a televisão. Esqueço preocupações, esqueço a tristeza que senti quando ontem soube a notícia e quando passei em frente da capela e vi tanta gente, tudo gente nova, tudo gente triste, uma jovem mulher chorando entre abraços. Pensei que a covid se alimenta de momentos assim mas não era hora para isso, para juntar preocupações à tristeza. Sei bem a falta que faz um abraço quando se perde alguém a quem muito se quer. Mas, lá está, de coisas assim não vou falar.
Bem.
Tenho estado para aqui a escrever e, como tantas vezes acontece, escrevo sem uma linha de rumo. Por vezes penso noutras coisas mas afasto essas ideias, não são para aqui chamadas. Umas chuto para canto, outras para o alto. Sobra aqui coisa mais ligeira, coisa mais inócua, a bola para a frente. Mas que não se pense que vivo numa bolha asséptica, onde não há preocupações, momentos de saudade ou tristeza. Mas para quê alimentar coisa dessas? Eu não. Flor bonita eu rego, erva feia eu arranco ou deixo que se fine.
______________________________________
E foi assim o meu dia feriado. Foi como se fosse domingo. Não vi os discursos nem os inerentes comentários. Não sou muito de festejar datas. Claro que o 5 de Outubro é mais do que importante e claro que é mais do que importante que os dias importantes sejam feriados. Mas parece que a malta festeja coisa importante como se fosse data de epitáfio, coisa saudosista, lembrança de tia-avó que a gente não conheceu, ainda por cima dia travestido de ocasião para mandar recados. Não faz o meu género.
______________________________________________________________________
O que agora anda a fazer o meu género é a boa onda destas três mininas que dizem o que têm a dizer soltando gostosas gargalhadas
Sem comentários:
Enviar um comentário