domingo, janeiro 19, 2020

Não era para ser isto... Sorry...





Este meu sábado foi bem cansativo. Devemos ter feito para cima de quinhentos quilómetros e tivémos um trabalhinho, por sinal, um bocado a atirar para o pesado. Fomos buscar uma secretária enorme, de canto, numa bela madeira, maciça, muito pesada, e uma cadeira com assento e encosto de pele, enorme, com braços, com rodas. Faziam parte da mobília do meu gabinete há uns anos e, quando nos mudámos, tive pena de me desfazer da mobília pelo que a comprei à empresa. Havia uns móveis antigos, tipo arte nova, muito bonitos, mais uma mesa redonda de reuniões, e isso foi tudo para casa do meu filho, uns para a sala e a mesa para a salinha de refeições. Na altura, ele estava a inaugurar a sua casa actual e alguns móveis davam-lhe jeito e aqueles são invulgares e bonitos. A secretária e a cadeira, por serem tão grandes, foram para um outro lugar. Não sabia onde pô-las. Mas, agora que esse lugar vai ficar indisponível, ou me desfazia delas ou íamos buscá-las. Fomos. Tivémos que desmontar tudo, o que foi um castigo. Já está tudo in heaven e curiosamente acho que vai ficar bem no estúdio. O meu marido diz que duvida que, alguma vez nesta vida, consigamos voltar a montar aquilo tudo mas conhecemos um rapaz na aldeia que é muito habilidoso, ele será capaz de resolver aquele puzzle.


Tenho pássaros a voar dentro da minha cabeça. Pássaros, borboletas. Nuvens, flores, sorrisos. E tenho a esperança de um dia conseguir tempo e vontade para me sentar a uma mesa e desatar a escrever. Mesmo que as palavras contenham dores ou lágrimas é com sorrisos dentro de mim que me vejo a escrever. Mas, como já o contei aqui muitas vezes, quando penso nisto, o que primeiro me vem à mente é saber onde é que me instalaria a escrever. Pode parecer fútil, e certamente é, mas tenho que ter um espaço adequado para deixar que a coisa flua sem entraves. Confortável, sem me distrair, sem me isolar, sem me sentir maçada. E hoje, ao imaginar a secretária instalada no estúdio, debaixo da janela que dá para o jardim e para as laranjeiras, pareceu-me um lugar muito apropriado para quando estiver no campo. Já me imagino a arranjar uma jarra de vidro, transparente e incolor, e lá dentro colocar alecrim, rosmaninho. Ou lírios.

E, antes de ir para lá, fazer uma limonada sem açúcar e levar um jarrinho bonito e um copo, para ir bebendo. Gosto de limonadas sem açúcar. Talvez também um pratinho com alguns miolos de amêndoa.


Mas nisto da escrita, passando por cima da criteriosa escolha de lugar convidativo e da dúvida metódica que me leva a questionar se alguma vez terei alguma coisa de jeito para dizer, tenho ainda uma outra questão de fundo. O meu lado prático leva-me a pensar que só fará sentido pôr-me a escrever se houver editora que me publique e, portanto, dou por mim a pensar que o melhor é tentar arranjar editora e, só se o tiver arranjado, é que me armar em escritora. Mas, por dentro, penso que os escritores a sério não pensam assim. Repreendo-me. Mas não me levo a sério pelo que, ao mesmo tempo me auto-rotulo como fútil, penso que não estou nem aí e, muito cá na minha, continuo a ter estes pensamentos a atravessarem os meus sonhos.

Veremos se algum dia me dará para ousar. Se der, será entrega total. Acho eu.


Depois, à noite, ainda fomos a casa dos meus pais. O meu pai já estava a dormir e a minha mãe, claro, protestou por termos ido àquela hora, já cansados, quando deveríamos era ter ido descansar.

No caminho, de dia, fui lendo. Quando saio de casa, é sempre com alguma dificuldade que escolho um livro para a viagem. Vários apelam por mim mas o que faz sentido é levar apenas um. Volta e meia penso que deveria disciplinar-me, enquadrar as minhas actividades. Horários. Às terças, quintas e sábados, entre as tantas e as tantas, ler. Por exemplo. Mas isso é contranatura em mim. Sou naturalmente desorganizada e indisciplinada. Acho sempre que dou conta de tudo e que, quando chegar a hora de cada coisa, conseguirei dar resposta. Por isso, o meu programa é aberto e, como é óbvio, algumas coisas vão ficando para depois. Devia escrever menos aqui e ler mais. Devia. Mas isso era se eu fosse boa nos deveres e não como sou, toda entregue aos prazeres.

É como agora. Depois do post da dança em versão slow, estava com vontade de escrever uma coisa, uma rêverie azougada sobre uma certa noite de insónia -- e até estava já a imaginar o lençol, o livro, as letras gravadas -- e, por dentro, toda eu já me ria com a perspectiva de trocar as voltas, de brincar. Mas, desmiolada como sou, mal me apanhei com a página em branco, sem pensar desatei a escrever este desassunto que aqui têm. Não sou de fiar, é o que é. Sorry. As flores e os pássaros que voam dentro de mim levam sempre a melhor.


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As fotografias foram feitas este sábado in heaven e, como é bom de ver, dei um banho de azul na última.

Convido-vos ainda a descerem para recordarem como é um bom um slowzinho a preceito.

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A si que aí desse lado me acompanha um dia muito bom

10 comentários:

Anónimo disse...

A mui longamente negligenciada sedução - e deleite - da envolvente dança corpo-a-corpo; mas não é agora o tempo: tudo se move de forma crescentemente frenética - as únicas posturas permitidas são acompanhar a histeria ou ser por ela trucidado. A anacronia - do slow à caneta de tinta permanente - é um elemento subversivo que apela ao clandestino.

(Lenine: um módico de tolerância e de domínio do léxico tornam possíveis quase todas as explicações; a minha é racional, a sua intuitiva - aposto na sua.)

... never a dull moment ...

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Dever, haver... Viver é que é preciso e a UJM sabe viver, por isso divague, escreva, leia conforme lhe aprouver.

Uma semana inspirada.

Isabel Pires disse...

UJM, para quem não vive da escrita no sentido de se sustentar a partir dela, o ofício de escrever para publicar ou ter vontade de publicar algo que escreveu, está ligado a um interesse que não se suporta necessariamente na busca de uma editora que queira fazê-lo. Na minha opinião, nestas condições, escolher primeiro a editora é começar a casa pelo telhado.
Até porque não é preciso recorrer a uma editora para fazer livros. Há as edições de autor, que, para mim, correspondem a um modelo muito apetecível em termos de liberdade. Foi o que adoptei com os meus livros, a modalidade de edição de autor, e por isso pude escolher como queria, ir fazendo opções ao longo do processo de construção, o qual também acompanhei à minha medida junto da gráfica contratada. Claro que também paguei tudo, mas já sabia ao que ia, e não fiz/faço livros para pagar as batatas. É por prazer. Em primeiro lugar pelo prazer que me deu em fazer, depois o prazer de mostrar/dar o que fiz. Em nenhuma dessas minhas empreitadas me passou pela cabeça a interrogação se o que lá consta, palavras ou imagens, pode interessar aos outros. Claro que me agradam as considerações positivas e a troca de opiniões à volta do assunto, mas o fito não foi esse.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo sem nome,

Tem razão: querer fazer as coisas em tranquilidade e com tempo quase parece um acto de rebeldia. Foi com gosto que relembrei a caneta de tinta permanente, o som do aparo no papel, a letra que se queria bem desenhada. E os frasquinhos de tinta. E o mata-borrão cor de rosa. Com o tempo tenho vindo a desabituar-me de escrever à mão. Até quando tenho que assinar o meu nome por extenso tenho dificuldade, tão habituada que estou a fazer uma simples e apressada rubrica.

E o ruído permanente, que horrível que é. Parece que há horror ao silêncio, tal como há o horror ao vazio. Mas silêncio não é sinónimo de vazio.

Quando fala em histeria ou em frenesim tem razão: é como aquela tremenda onda gigante de poeira que está agora a avançar sobre uma zona de Austrália. Uma coisa assustadora. Há-de envolver toda a gente, há-de ser irrespirável.

Sobre o Lenine, bem como sobre alguns outros presentes escondidos sob as palavras, quando os não perceber bem vou antes adoptar aquela atitude que tenho perante os presentes em geral: em vez de querer sempre perceber a lógica, limitar-me a apreciar. E a agradecer.

Uma noite descansada e um dia feliz.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Sabe aquela sensação absurda de parecer que os dias são curtos demais? Não chegam para tudo o que queremos fazer? Comigo acontece-me isso. Penso que se calhar sou eu que desperdiço tempo útil em ninharias escusadas. Mas, de facto, há as obrigações com tudo o que as rodeia (deslocações, tempo gasto no trânsito, tempo gasto à espera de ser atendida nos restaurantes, etc). E, portanto, vou aproveitando os poucos intervalos de tempo inteiramente meu para tirar a barriga de misérias. Por vezes, num bocadinho arranjo maneira de passear num jardim à hora de almoço, outras vezes, quando o trânsito está parado aproveito para ler e, sempre, para ouvir música. E, ao fim de semana, estico o tempo para dar para tudo, para tratar da casa, para passear, para conviver, para fotografar, para ler. E, à noite, aqui, sai um condensado de tudo...

Um abraço, Francisco, a obrigada pela simpatia e compreensão.

Uma boa semana!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel Pires,

Não sabia que tem livros publicados. São de poesia? Usa o seu nome, Isabel Pires?

E percebo e até imagino como deve ser empolgante editar um livro, tratando de tudo, e consigo perceber que pareça estúpido e fútil pensar como eu penso. Mas penso. Imagino-me a escrever uns quantos contos ou coisa do género e, antes de embalar a escrever coisas como se não houvesse amanhã, validar se é publicável e perceber como funciona. Não me imagino a tratar do lado concreto de fazer um livro (grafismo, impressão, pagar contas, etc) mas apenas me imagino a escrever e a entregar para que alguém se ocupe de tudo. Se calhar, mais do que ter sentido prático sou é comodista...

Também não quero saber se o que escrevo vai ser mal interpretado ou do agrado de quem me lê. Mas gostaria de escrever sabendo que alguém depois pegaria naquilo, lhe daria forma de livro e o poria à venda. Se depois venderia 10 ou 100 ou 1000 isso já não me ocuparia o pensamento. No entanto, ficaria contente, claro, de que muitas pessoas gostassem.

Mas conte-me sobre os seus livros... Conta?

Obrigada, Isabel.

E uma semana muito boa para si.

Isabel Pires disse...


2010
http://bibliografia.bnportugal.gov.pt/bnp/bnp.exe/pr
https://www.goodreads.com/book/show/24621966-quando-os-jacarand-s-da-pra-a-florirem-em-todo-o-seu-esplendor
http://umjeitomanso.blogspot.com/2011/12/quando-os-jacarandas-da-praca-florirem.html
Neste sou co-autora.


Edições a solo:

2014
http://bibliografia.bnportugal.pt/bnp/bnp.exe/registo?1914855

2019
http://bibliografia.bnportugal.gov.pt/bnp/bnp.exe/registo?2035059


As três são edições de autor.

Isabel Pires disse...

Ah, sim, e tudo tem o meu nome de cartão de cidadão, quer seja em livros, quer seja noutras escritas ou em quaisquer outras actividades, nos comentários, etc..
É sempre assim. Se por acaso não quiser que se saiba ou que se associe a mim, não digo em sítio de acesso público ou em suporte disponível publicamente.

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Que engraçado... eu já li uma coisa sua em livro e não sabia... Aquele livrinho é tão lindo, uma ideia tão boa.

Pelas capas já vejo que é seu o estilo depurado... Imagino o prazer e cuidado que pôs na escolha de tudo.

E Torres Novas é viveiro de poetas, de escritores? parece que sim.

Obrigada pela informação, pela franqueza que sempre põe no que escreve.

Abraço, Isabel.

Isabel Pires disse...

Sim, em Torres Novas houve e há pessoas que deram/dão cartas na cultura.

(Não sou natural nem resido em T. Novas. Esclareço, para o caso de ter sido feita alguma interpretação sobre a minha origem ou local de residência.)