quinta-feira, novembro 21, 2019

Bikram Choudhury: ioguim, guru, predador
[E, a propósito: alguém me explica se essa coisa do mindfulness é coisa que faça sentido ou pura treta ?]



No outro dia, um colega tinha um livro de Mindfulness em cima da secretária. Fiquei beige, como diz a Beatriz Gosta.

Beige. 'Mindfulness? What? O que é isto...?! Conte-me tudo!, mostrei eu a minha perplexidade.
Ele, todo fresco e fofo, tipo nem aí, limpou-se logo: 'Foi ali o nosso colega que me ofereceu' e apontou.
Ainda mais pasma fiquei: 'Jura? Mas quê? Ele acha que você tem que se encontrar...?'
E ele: 'Sei lá, você sabe bem que ele não é bom da cabeça.'
Não engoli. 'Mas ele já tentou a coisa, deu-se bem e recomenda? É isso?'
E ele: 'Acha...!? Se o efeito é o que se lhe vê, melhor nem começar a ler'
Não facilitei: 'Mi engana qui eu gosto. Então eu não tou a ver que tão aí uns quantos post-its? Já leu e achou tão impactante que marcou... e agora não assume... Lindo'. 
Ele não desarmou: 'Foi ele. A sério. Assinalou passagens e diz que eu tenho mesmo que ler.'
E eu 'Ui. E já leu alguma?'. 
'Eu não, mas leia, leia, e depois conte-me'.
E eu: 'Ná, não sou de fiar, sabe bem disso. Se eu ler, reprocesso e conto-lhe uma história toda ao contrário'. 

E assim continuámos, ele sem se descoser e eu sem me aventurar, ou seja, ele a fazer de conta que mindfulness era coisa do maluco ali do lado e não dele e eu a duvidar daquela conversa toda e a querer perceber o racional da coisa. Mas bicha que é bicha sabe fechar-se em copas. Resutado: não pesquei nada, fiquei na mesma. 

Dias depois foi uma amiga, mulher com idade já para ter juízo, que me disse que fez o percurso todo, oito semanas, mindfulness de a a z. E contou como lhe tinha feito bem e como já tinha recomendado a amigos e colegas. Tentei perceber o percurso da cabeça dela e, quanto mais ela falava, mais eu me apiedava. Mas disfarcei: as pessoas tendem a confundir cepticismo com arrogância. Mostrei-me, pois, interessada até porque, de facto, queria mesmo saber de que se trata: filosofia, teologia, terapia, mezinha, remédio para olho gordo, coisada em três actos, espécie de protecção de santo? Mas não consegui perceber.

Já contei: no outro dia, apanhei uma jovem atilada que me falou de como a meditação lhe faz bem. Tentei outra vez a minha sorte: mas é o quê? não pensar em nada? apenas estar atenta à respiração? actua como? desliga os neurónios quase todos e a pessoa fica como se tivesse dormido? 

E pensei logo naquilo de me ter deixado dormir na primeira vez que tentei e de ter quase desmaiado na segunda. A mim estas coisas fazem-me, mas é, ficar esvaída. Tipo purga.

Na volta, isto é bom para quem vive stressado e não para pessoas que têm é falta de dormir mais, como eu. 
Mas sou como a minha avó que a cada médico que ia queixava-se de tudo, mesmo que fosse de outra especialidade e mesmo que já estivesse a tratar-se. Tinha esperança que cada novo médico a quem falava das suas cenas lhe dissesse que não era nada daquilo, que tinha era que tomar outra coisa e que, com um médico subitamente por ela descoberto como milagreiro, teria a vida eterna garantida. 
Eu também: a cada um que me diga que já fez mindfulness, ioga ou meditação, eu quero saber o que é, para que serve, não vá estar ali a solução para manter a eterna juventude e para a minha perene felicidade. Mas preciso de saber exactamente o que é, como funciona.
  • Conhecer o inner self? Dispenso. Tenho mais que fazer. 
  • Dormir de olhos acordados? Se for isso, estou nessa. 
  • Relaxar a mente e o corpo, namely a pele do rosto? Tira as rugas? É para já.
Mas ainda não descobri. Só me falam em coisas etéreas -- pensamento guiado, coisas assim -- nada que eu perceba em concreto.

Até que hoje assisti a um guru em acção. E fiquei varada.

A sério...!? É isto...?!

Courtesy of Netflix

Os professores de ioga vão numa destas? Aparece-lhes um maluco encartado destes, uma macacada sem ponta por onde se lhe pegue, um narcisista tarado, um abusador, e entregam-se ao que ele quer? 

Vêem-se aquelas centenas de pessoas a monte, uma carneirada, um calor dos diabos, todos a fazerem as coisas que aquele alarve ali as manda fazer, todos a acatarem. Acefalamente, submissamente.

Courtesy of Netflix

São estes os professores que depois vão espalhar a mensagem da mindfulness como se de uma religião se tratasse?

A sério. Se é, vou ali e já volto.

Bikram Choudhury: ioguim, guru, predador (e podre de rico)



Ou, para se perceber melhor, um vídeo sobre a criatura mas na Dickipedia, a comprehensive wiki of dicks


E se quem está a ler isto acha que estou sob o efeito de cogumelos colhidos in heaven, pois que leia o artigo publicado no Guardian:

'He got away with it': how the founder of Bikram yoga built an empire on abuse


In recent years, there’s been a growing discourse on intense fitness classes – Crossfit, SoulCycle – as the new secular religion. But if there was one branch that pushed the envelope from religion to near-fanatic cultishness, it’s Bikram yoga, the 90-minute routine of 26 postures performed in a room heated to 120 degrees founded by Bikram Choudhury. Clad in his signature tiny black Speedo and tight ponytail, Choudhury lorded over an empire built on sweat, devotion and $10k a pop teacher trainings – and, as explained in a new Netflix documentary, sexual harassment, rape and maniacal control. (...)
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Estou beige com isto tudo. Beige.

6 comentários:

O lacrau anfibológico disse...

Existem 3 (três) tipos diferentes de pessoas:
1. As que necessitam de quem as guie.
2. As que lideram as anteriores, tendo poucas ou nenhumas qualidades para tal.
3. Mindfulness (não a livresca, nem a de gurus, workshops e outros saraus, mas sim a que funciona) é a heutagogia que caracteriza e permite ao terceiro grupo de pessoas distinguir os dois anteriores, distanciar-se deles tanto quanto possível e, com leve sorriso melancólico, concentrar-se na inevitabilidade do fim.


Cicio de Amor

Aonde, oh aonde te apressas, tão célere assim?
O arbusto do deserto ao vento suplica.

Triste me sinto aqui.
Não anseias também tu por ir-te,
para longe desta poeira jornadear?

Pleno de desejo sim, mas ai de mim,
por estes pés sojugado.
Aonde, oh aonde, tão célere assim?

Aonde quer que fique meu lar,
longe, longe deste lugar.

Que Deus te guie e proteja,
mas peço-te, por amor de Deus,
cedo p'ra lá deste ermo estejas, a salvo deste grã temor,
segreda à chuva, ao jardim em flor, o meu cicio de amor.


Mohammad Reza Shafii Kadkani
(a partir da tradução inglesa por Pari Azarm Motamedi)

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

A UJM é uma carola de Olhão que joga no Boavista, não é que conseguiu mais ou menos descrever o que eu acho da coisa, mas olhe que a praga anda aí, até na Psicologia já se anda a infiltrar. Coisas de "amaricanos" com a mania do "cost-effectiveness" à procura de soluções milagrosas para o que é complexo e carece de tempo.

Cheira-me a que isto está tão na moda também porque uma série de ditos "bem sucedidos" acham que esta miscelânea de ingredientes adulterados está também por detrás do próprio sucesso.

Uma bela 5f!

Gato Aurélio disse...

durante anos achei que meditação era não pensar em nada e que grande estupidez porque não é possível não pensar em nada! Um Natal resolvi oferecer um livro de mandalas a um amigo que gostava muito dessas coisas. Não sei como acabei a ser eu a colorir a primeira mandala: fez-se luz! Percebi que meditar é pensar só na tarefa que se tem em mãos e realmente achei-me muito mais relaxada quando a terminei. Agora quando estou práí virada (principalmente em dias de chuva e com uma música a condizer) faço mais uma (https://gatoaurelio.blogspot.com/2019/10/a-ocupacao-livre-do-espaco.html). Sinceramente acho que a minha mãe quando fazia croché ou tricot estava a fazer exatamente a mesma coisa...
Descobri este outubro o Flutuário e a sensação é muito semelhante... Com a idade penso que nos ficamos a conhecer melhor :-)

Anónimo disse...

Está na moda, sim senhora. Depois da zumba, o "mindfulness". Já me têm falado. Pessoas da minha idade, pessoas mais novas, pessoas muito mais velhas. Workshops dos bons, upa upa.

A palavra é boa. Suponho que se possa designar assim o estado atingido através da meditação. Workshops e conferências lideradas por "gurus" são propícios a estados de ALIENAÇÃO, não de "mindfulness".

Respeito muito a meditação. Acho perfeitamente possível, através da meditação, atingir um estado de absoluta comunhão de nós com "tudo", a começar com o "tudo que há em nós". Há atalhos para alcançar esse estado: a pronunciação de ladainhas ou sons repetitivos (tipo ommmmm...), a concentração em atividades manuais repetivas, o foco na respiração, etc. A libertação de nós mesmos que assim se pode alcançar proporcionará a tal possibilidade de comunhão. E então: a sensação de felicidade. Não de prazer. O prazer é algo necessariamente focalizado. A felicidade nasce da comunhão com o todo. O que os budistas designam tornar-se "um com tudo". Há outro atalho: drogas. Há quem diga que não, que será então mero engano; eu acho que sim. Também a meditação não é tiro e queda: é um caminho dificílimo, que leva poucos ao destino. O destino: saltar a barreira das limitações indivuais, tornando-nos um com tudo quanto existe. Afinal, somos a nossa individualidade, mas também somos parte do todo. Ao nos abstrairmos da primeira, apreendemos e sentimos melhor a segunda. A nível intelectual, agrada-me esta explicação. A nível sensorial, a cada um sua experiência. ;)

Abraço,
JV

CCF disse...

Vá lá que admite não ver tudo a preto e branco. É preciso não misturar o trigo com o joio ou não deitar fora o bebé com a água do banho...sim, há por aí muita charlatanice, muitos gurus...mas há também gente equilibrada e séria.
Olhe, veja aqui o que as pessoas acham do yoga - https://pt-pt.facebook.com/pages/category/Health---Wellness-Website/YOGA-Eva-Pi%C3%A7arra-444143239120897/

Essa é a minha terceira professora de Yoga e é a única da qual gostei até hoje. Já estava prestes a desistir da coisa não obstante ter sido aconselhada a fazer.
Meditação ainda tentei mas nunca consegui nem gostei.
Mindfulness ainda não investiguei a sério, mas tudo o que serve os patrões causa-me alguma desconfiança...

~CC~

O lacrau anfibológico disse...

Elucubrando um pouco:
Mindfulness - ou qualquer outro termo capaz de exprimir o conceito de pensar por si próprio, suspendendo as auto-complacentes peias do comportamento padronizado - é a capacidade de exercer a reflexão crítica permanente sobre si mesmo. («Porque é que fiz isto?» «Porque é que disse isto?» «Porque é que pensei isto?»)
Trata-se de substituir as estafadas dúvidas existenciais: «quem sou?» «De onde vim?» «Para onde vou?» e consiste em chegar a casa e, em vez de ligar a televisão e desligar o pensamento, ligar o pensamento e desligar toda a electrónica de entretenimento e pensar - primeiro meia-hora, depois uma hora e, por fim, durante todo o tempo em que se está acordado:
- Porque faço o que faço?
- Porque digo o que digo?
- Porque penso o que penso?

Não é fácil, não é para todos, mas é uma possibilidade.
Procura e encontrarás; questiona e ser-te-á revelado.