Ontem, esqueci-me de referir que, a meio da tarde, quando voltámos para mais perto da casa, quase todas as meninas grandes e quase todos as meninas e meninos pequenos pegaram em vassouras e pás e desataram a varrer e a apanhar folhas secas e a transportá-las nos carrinhos de mão e que foi uma alegria ver como, num instante, todo aquele espaço ficou limpo e como todos estavam felizes pela ajuda. Até o bebé andava de vassoura e pá no meio daquela azáfama. Não colaborei porque estava de repórter. E não apenas enviei fotografias aos próprios que ali estavam em acção, para memória futura, como à minha mãe porque sei que ela gostaria muito de também ali estar, e certamente naquela altura estaria também a varrer, e que, não podendo vir (ou melhor, não querendo deixar o meu pai em casa, ao cuidado de outra pessoa), pelo menos pôde ir vendo a sua família e amigos na maior boa disposição.
Mas isto foi no sábado, dia grande in heaven, mais um daqueles alegres dias em que nem se ouviram os pássaros tanta a conversa e risota que ocupou todo o espaço. Imagino que os pássaros ficaram em suspenso, lá em cima, nas árvores, a observar toda a correria e brincadeira que decorria cá em baixo.
Este domingo, pelo contrário, foi um daqueles dias de completo descanso, sem horários, sem compromissos, sem ter que ir a lado nenhum, sem ter nada, mas mesmo nada de nada, para fazer.
O meu marido, como sempre, madrugou. Acordei por volta das oito, vi o relógio, e já ele não estava em casa. Anda pelo campo, curte o nascer do dia, aprecia as cores e a frescura do nascer da manhã, vai dar os seus passeios solitários. Já desistiu de me convencer a acompanhá-lo. Eu voltei-me para o outro lado, a largueza da cama toda por minha conta, e adormeci de novo. Levantei-me manhã alta. E fui fazer a minha caminhada, até que dei com ele. Os passeios já tinham ficado para trás e já andava na sua luta com o tojo e com as silvas.
E eu continuei a caminhar por entre as árvores. Pequenas lagartixas fugiam à minha passagem e, certamente, outros bichinhos que, apesar de não ver, ouvia a esconderem-se por entre a folhagem. E os pássaros, na maior alegria, cantavam de gosto, de vez em quando esvoaçavam à minha passagem.
O almoço foi um resto do de ontem quando ainda só estava metade do grupo. Portanto, nem isso tive que fazer.
Depois de almoço fui lá para fora, para uma espreguiçadeira, ao sol, com um curioso livro que um amigo me deu no outro dia. Os livros que vêm dele são sempre do mais incomum que se possa pensar, nem imagino onde os descobre. Este sei que encomendou de propósito para me dar pois um dia, numa das longas viagens que fazemos, veio à conversa. Mas nunca mais eu me tinha lembrado de tal coisa. Agora, ao ler o livro, espanto-me com a qualidade da escrita, com a inteligência de quem o escreveu, com a superioridade intelectual que revela. E, como tantas e tantas vezes, pasmo com o meu nível de ignorância. Como pude eu desconhecer a qualidade desta escrita até aqui? Como é assustadoramente vasta a minha ignorância... E fala de um compositor e das suas obras e eu constato como era superficial também o meu conhecimento desse compositor. Fui à wikipédia ler sobre o autor do livro e desconhecia tudo o que ali li, inclusivamente que ganhou o Nobel. Pensava-o apenas dramaturgo e mesmo isso que sabia não passava disso -- ou seja, na prática, não sabia nada.
E, como sempre que me confronto com uma situação destas, penso que alguma coisa tem faltado no meu processo de aprendizagem. E presumo que, se isto acontece comigo, se calhar acontece com quase toda a gente. A escolaridade deveria ser obrigatória até ao fim da nossa vida e deveria haver escolas sempre dispostas a acolherem alunos avulsos, ad hoc, gente curiosa ou gente bronca, gente escolada ou analfabrutos, escolas vocacionadas para ensinar a aprender: aprender a pensar, aprender a procurar, aprender a descobrir diferentes perspectivas -- escolas que abram janelas imensas para a diferença, para a os outros, para a cultura em geral, para a sabedoria.
Mas isto foi de tarde e depois o sol começou a baixar e eu já não conseguia ler a menos que fosse para a sombra mas aí ficaria com frio (até porque estava vestida à verão) e, por isso, voltei para casa. E tapei-me, porque estava fresco, e adormeci. Não foi por muito tempo mas soube-me bem. E, quando acordei, estava uma luz dourada, aquela luz suave que faz brilhar as folhas em contraluz e de que tanto gosto. Então, fui outra vez para a rua, fui andar no meio das árvores, cheirar o alecrim, aspirar o ar fresco e depurado pelos eucaliptos, pelos cedros e pelos pinheiros, passando a mão pelo rosmaninho, pelos orégãos já tão floridos e cheirosos, fotografando tudo, absolutamente despreocupada de tudo, entregue ao momento.
Agora que aqui estou, revejo as fotografias que fiz durante o dia e constato como os motivos se repetem e como ao longo dos anos me continuo a encantar-me com as mesmas coisas: as árvores, as flores, os frutos, a cor vibrante da natureza, a luz, a minha sombra reflectida nas coisas, o tempo suspenso.
Li, outra vez, que andar na floresta é tão saudável que no Japão é recomendado como terapia. Shinrin-Yoku. Já aqui falei nisso, no banho de floresta. Dizem, e eu acredito, que reduz o stress, melhora o estado geral de saúde, pacifica. Estive a ler o artigo Getting back to nature: how forest bathing can make us feel better, no The Guardian.
Não consigo dizer que este meu bocado de terra, aqui in heaven, é uma floresta. Claro que não é. Gostava que fosse, que da terra brotasse riachos, que as águas se enchessem de peixes, que aparecessem esquilos, raposas, veados. Gostava mesmo. Talvez um dia. Mas, para já, tem árvores plantadas por nós e acredito que tudo aqui floresceu muito por força do meu grande amor -- e eu sinto-me revigorada e feliz de cada vez que por aqui ando.
Ainda não comecei a abraçar as árvores ou, sequer, a afagar a sua pele ou a falar com elas mas acredito que, quando o fizer, me sentirei ainda mais próxima da verdadeira essência da paz intrínseca da natureza. Hoje, mesmo ao fim do dia, quando as árvores pareciam banhadas por uma suave poalha dourada, tive vontade de fazê-lo. Depois pensei que também gostava de me deitar no chão, com o ouvido encostado à terra. Gostava de saber se se ouve o que se passa no seu interior. Mas depois, apesar de estar sozinha, receei achar-me ridícula e não fiz nem uma coisa nem outra. Parvoíces minhas.
A ver se esta segunda-feira, Dia de Portugal, o faço.
Agora que aqui estou, revejo as fotografias que fiz durante o dia e constato como os motivos se repetem e como ao longo dos anos me continuo a encantar-me com as mesmas coisas: as árvores, as flores, os frutos, a cor vibrante da natureza, a luz, a minha sombra reflectida nas coisas, o tempo suspenso.
Li, outra vez, que andar na floresta é tão saudável que no Japão é recomendado como terapia. Shinrin-Yoku. Já aqui falei nisso, no banho de floresta. Dizem, e eu acredito, que reduz o stress, melhora o estado geral de saúde, pacifica. Estive a ler o artigo Getting back to nature: how forest bathing can make us feel better, no The Guardian.
The Japanese have known for years that spending mindful time in the woods is beneficial for body and soul. Now western doctors – and royals – agree.
Every day, apart from when it’s raining heavily, Dr Qing Li heads to a leafy park near the Nippon Medical School in Tokyo where he works. It’s not just a pleasant place to eat his lunch; he believes the time spent under the trees’ canopy is a critical factor in the fight against diseases, of the mind and body.
Once a month Li spends three days in forests near Tokyo, using all five senses to connect with the environment and clear his mind. This practice of shinrin-yoku – literally, forest bath – has the power to counter illnesses including cancer, strokes, gastric ulcers, depression, anxiety and stress, he says. It boosts the immune system, lowers blood pressure and aids sleep. And soon it could be prescribed by British doctors. (...)
Não consigo dizer que este meu bocado de terra, aqui in heaven, é uma floresta. Claro que não é. Gostava que fosse, que da terra brotasse riachos, que as águas se enchessem de peixes, que aparecessem esquilos, raposas, veados. Gostava mesmo. Talvez um dia. Mas, para já, tem árvores plantadas por nós e acredito que tudo aqui floresceu muito por força do meu grande amor -- e eu sinto-me revigorada e feliz de cada vez que por aqui ando.
Ainda não comecei a abraçar as árvores ou, sequer, a afagar a sua pele ou a falar com elas mas acredito que, quando o fizer, me sentirei ainda mais próxima da verdadeira essência da paz intrínseca da natureza. Hoje, mesmo ao fim do dia, quando as árvores pareciam banhadas por uma suave poalha dourada, tive vontade de fazê-lo. Depois pensei que também gostava de me deitar no chão, com o ouvido encostado à terra. Gostava de saber se se ouve o que se passa no seu interior. Mas depois, apesar de estar sozinha, receei achar-me ridícula e não fiz nem uma coisa nem outra. Parvoíces minhas.
A ver se esta segunda-feira, Dia de Portugal, o faço.
[Ver o João Miguel Tavares é que não vejo. Ele personifica tudo o que não quero para o meu País; parvoíce, estupidez, ignorância, futilidade, superficialidade, incapacidade para pensar com um mínimo de neurónios. A promoção absurda que Marcelo fez dele é coisa que não sou capaz de entender (ou de perdoar). O País merece melhores exemplos]
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Forest Bathing
How forest heal people
E um bom Dia de Portugal a todos.
9 comentários:
Olá UJM,fiquei curiosa, do livro, a UJM podia dizer qual é.
Beijinho
Que aguarela tão relaxante nos pinta UJM com belas palavras e fotografias.
Quando vi quem era o autor o que me veio logo foi a Sociedade Fabiana.
Também gostaria de saber qual o livro...
Uma boa semana.
Olá Lucy,
Não se pode dizer que seja um livro com potencial para best seller num qualquer futuro perfeito. Nunca terá sido, nunca será. Mas é de ler de gosto, tal a graça, erudição. 'O Wagneriano Perfeito'.
Beijinho e dias felizes para si, Lucy.
Olá Francisco,
'O Wagneriano Perfeito', um livro que, para mim, tem sido uma suculenta descoberta. Tanto que tenho feito aquilo que faço quando degusto: abrindo ao acaso, lendo, depois de novo ao acaso, lendo. Sem sequência, apenas o prazer de ler.
Dias felizes, Francisco
Francisco, a UJM não que partilhar o seu livro. Dá para fazer greve aqui na coisa? Ficaremos sem saber se partilhou. Alternamos os dia de greve, faço esta semana o Francisco faz na próxima, "tenteamos", concorda? E se não resultar partimos para oitras formas de luta. Saudações.Lucília
Ó valha.me Deus que neste meu impeto não vi que já não é preciso lutar. Perdoe.me UJM, perdoe.me pelo mau julgamento.Lucília
Obrigado 2x, rica UJM.
Dias felizes também!
Olá Lucília,
Estava com a pica toda...! Nem viu que eu já tinha respondido. Ai, ai, ai... E já estava a protestar, já toda feita Avoila, a apelar à greve e tudo. Ai...
Mas, ok, na boa, tranquilo, pode protestar que os seus protestos têm graça. Deve é ter slogans, palavras de ordem e cartazes. Manif que é manif tem isso tudo.
Beijinho, Sô Dona Lucy!
Senhor Doutor Francisco,
Dias felizes 4x!
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