domingo, junho 09, 2019

Casa cheia e coração cheio in heaven





Acordei cedo, com o despertador, e foi como se estivesse no meio de um sonho. Tinha dormido como uma pedra e, se o despertador não tocasse, era capaz de dormir mais uma ou duas horas. Depois ouvi uma máquina ao longe e pensei logo que devia ser o meu marido a roçar o mato. Temo pelos oregãos pois receio que, com os óculos de protecção, não os distinga das outras ervas. Por minha vontade, apanhávamos as ervas à mão, uma a uma, para não se correr risco de danificar alguma plantinha aromática ou flor. Mas é impossível.

Arranjei-me rapidamente e fui lá a baixo à procura dele. Estava longe e espantei-me por. àquela distância, se conseguir ouvir no quarto. Aqui ouve-se tudo a milhas. É a total ausência de ruído e a absoluta limpeza do ar que permite que o som se propague sem barreiras. Chamei-o, não eram horas de andar naquilo, tínhamos que ir ao supermercado. Lá veio, admirado das hora que eram. Pelos vistos, entretido que andava, nem tinha dado pela passagem do tempo.


Viémos do supermercado com um carrinho a deitar por fora mais um daqueles cestos grandes com rodas também a transbordar. O meu marido fica um bocado passado com isso, acha que eu exagero nas quantidades, que perco a cabeça e trago o supermercado em peso. Mas eu tento imaginar quanto é que cada um come e faço contas de multiplicar. O frigorífico ficou cheio, a bancada da cozinha cheia ficou. Fui logo fazer o almoço enquanto o meu marido punha a mesa e depois limpava o pó da mesa, cadeiras  e espreguiçadeiras debaixo do telheiro.

Ao meio dia e tal ouvi um carro a apitar. E logo crianças a chamarem. Tinha chegado metade do grupo. Da carrinha-autocarro saltaram bicicletas, meninos de capacete que logo desataram a pedalar e, claro, crescidos com sacos e braçadas de casacos.

Depois de darem umas voltas e uns passeios, almoçou-se. Todos comem bem mas de salientar o bebé que, no fim, deve ter comido para cima de uma dúzia de morangos. Adora fruta e, como os morangos eram óptimos, foram uns atrás dos outros, praticamente de penalti. Dá gosto ver uma criança tão pequena comer tanto, de seguida, de gosto.

Depois de se arrumar a cozinha e tratar da louça, vim para a sala e estive com os meninos a jogar ao jogo das letras (nomes, países, animais, objectos, comida, marcas e mais não sei o quê começado por essa letra). Pouco tempo depois, tocaram à campainha e era o resto do grupo. Da carrinha-autocarro saltaram mais meninos, sacos, casacos, chapéus, bolas e, claro, gente crescida.


O grupo hoje esteve reforçado com amigos. E mais meninos. Ao todo foram sete meninos entre os dois e os dez anos e, felizmente, havia mais uma menina, pelo que a bonequinha linda, ao contrário do que é costume, hoje teve companhia feminina. Mal se viram, logo foram para a escrivaninha explorar gavetas e pintar e fazer desenhos com lápis florescentes e canetas douradas e prateadas e coisas assim.

E os rapazes foram jogar à bola e correr. E depois as meninas juntaram-se e foram todos jogar às escondidas no meio de esconderijos, todos a correrem nos caminhos atapetados de caruma entre árvores, todos devidamente incentivados e picados pelo mais azougado de todos, o meu filho, que os persegue, prega partidas, brinca às lutas e os diverte até mais não. 

As meninas grandes foram apanhar sol e conversar e, of course, pelo meio tomaram conta dos dois mais pequenos.

E depois foi hora do lanche e durante uma hora houve sempre alguém a pedir mais pão, mais sumo, mais iogurte, mais qualquer coisa.


A  seguir fui pôr o jantar a fazer. Entretanto, seguiu-se mais futebolada, jogos, uns a trepar a barreira, outros na casinha feita há um ano, e corridas de bicicletas, e perseguições, meninas pequenas e grandes a fazerem a roda e a fazerem passos de ballet, a fazerem ioga (e aqui até o meu marido fez), e filmes em câmara lenta, e risota, e fotografias de grupo e fotografias de semi-grupo, e palhaçadas de todo o género.

E eu, o tempo todo, a fotografar, a observar, a tomar conta, a rir, a dar água a um, água a outro, sumo a um, fruta a outro, pão com queijo a um, água a outro, iogurte a outro, gelatina a outro. E a fotografar. E a vir pôr água no dói-dói, e a dar água a outro, e a ir a correr atrás do bebé que se aproximou demais da barreira,  e evitar que o bebé terrível empurre o outro ainda não habituado a estas jagunçadas, e depois a limpar a mão a outro e a vir ver o jantar e a dizer onde está isto e onde está aquilo, e a ver como crescem tanto e como gostam tanto de estar juntos, os da família e os amigos, e a sentir-me feliz e agradecida.

Ao fim do dia, o frio já era muito e ainda tudo de tshirt na rua. Depois lá vieram todos para dentro para virem jantar.


A mesa toda aberta, apesar de bem grande, obviamente não era suficiente pelo que tivemos que montar a outra mesa ao lado. Era a chamada mesa dos pequeninos mas não cabiam lá os sete. Por isso, o mais crescido ficou na mesa dos grandes. E os dois pequeninos também. Ficaram os quatro do meio na mesa dos pequenos mas na mesa grande ficou tudo completamente à justa. Para estes dias de grandes enchentes teremos que arranjar uma terceira mesa ou arranjar outra maior para os mais pequenos. Comeram todos bem, excepto o outro menino pequeno que, apesar de corpulento, é de má boca: a mãe pena para o convencer a comer. Pelo contrário, o nosso bebé senta-se e despacha sozinho uma pratada. Aliás, tal como irmãos e primos. Penso que é de ninguém os forçar a nada que, de pequenos, se habituaram a comer sozinhos. sem darem qualquer trabalho, comendo de tudo. Havendo várias terrinas e travessas com comida, é normal, ao perguntarmos aos meus o que querem, dizerem: 'tudo'. Por isso, já estranho quando vejo uma criança sem querer comer e a mãe, coitada, a insistir, a dar-lhe à boca ou mesmo, eles no chão, a andarem de um lado para o outro e a mãe atrás a tentar que coma qualquer coisa. Se calhar se não insistisse, ele acabaria por ter fome. Mas sei bem o que isso é porque eu, com a minha filha, passei pelo mesmo. Era quase uma adolescente, eu, preocupava-me muito se ela não comia o que eu achava que era vital para o seu crescimento, queria que ela se alimentasse bem -- e ela era muito vagarosa a comer, não ligava muito a comida, não gostava de uma data de coisas que eu achava que ela tinha que comer porque eram saudáveis, proteicas, vitaminadas. O que eu fazia para a distrair e lhe enviar, à sorrelfa, colheres de comida na boca. Parvoíces que uma pessoa faz convencida que está a fazer o melhor possível. 

Mas, enfim, hoje comeu-se e bebeu-se, uma conversa e alegria pegada, os meninos numa festa, tudo numa animação.


Até que resolveram dar a jornada por concluida, recolher casacos, sacos, enfiar as crianças nas carrinhas, uns a quererem irem nos bancos lá mais de trás, outros já a dar-lhes a rabugice e sono -- e lá foram todos. 

Já estava um frio dos diabos. Fomos para a rua para nos despedirmos e não levei nenhum agasalho, fiquei enregelada. Que amplitudes térmicas estas...

O que vale é que, ao entrarmos em casa, estava quentinha, acolhedora.

Arrumámos o que pudemos arrumar e concluímos que, curiosamente, o frigorífico ficou quase vazio. Aliás, as queixadas e bochechas que fiz para o jantar, acompanhadas por puré de batata e puré de maçã, pouco sobraram. Eram duas sacadas de carne, um disparate. Quando estava a fazer até vacilei, achei que o meu marido, afinal, tinha razão, aquilo era bochecha para rebentar com as queixadas de um quartel em peso. Pensei não fazer todas. Mas depois, pensei que, se sobrassem, se quisessem levavam para casa e, senão, este domingo já estavamos servidos. Fiz tudo: a maioria estufadas, outras no forno. Pois marchou praticamente tudo. A minha filha ainda levou um restinho mas quase só aparas sobrantes. 

E, por falar em sobras, parece que só cá ficou um boné. A menos que de dia se descubram outras coisas lá fora.


Agora já são quase duas da manhã e passam na televisão imagens de leituras de Agustina na Feira do Livro. Deve ter sido bonito. Mas aquela confusão, tanta gente, tanto barulho, tanto best seller, tanta capa às cores e tanta gente a falar aos altifalantes, aquilo assim já não faz bem o meu género.

Enfim, é o que é.

Como se poderá imaginar agora estou capaz é de ir descansar. Dias assim enchem-me a alma, enternecem-me e motivam-me sob todos os pontos de vista mas, como é bom de ver, chego a esta hora da noite e o corpo pede-me algum repouso. Tenho amigos que, quando juntam alguém em casa, e é só quando o rei faz anos, compram comida feita ou contratam mesmo catering. Inclusivamente, contratam os serviços de mesa. Antes dos convidados, chega o pessoal do catering. Levam louça, talheres, toalhas, tabuleiros de comida, bebidas, etc, por vezes até cadeiras e mesas de apoio. Põem a ou as mesas, servem os convidados, vão levantando a louça das mesas e, no fim, levam tudo e deixam tudo arrumado. O meu marido acha que é bem pensado e ansearia por uma coisa assim. Eu não consigo nem conceber. Faço tudo por mim e faço de gosto.


Mas pronto, este domingo vou descansar e na segunda-feira é feriado e também será dia de dolce far niente.
E será dia de Portugal em versão pechisbeque, com o tal João Miguel Tavares a abastardar o dia e eu recusar-me-ei a ver na televisão para não ter que me enervar com o Marcelo que nisto deu um tiro no pé para o qual não há explicação. Querer agradar a gregos e troianos, não se importando de baixar o nível, é coisa que não lhe posso admitir. Mas, enfim, estou in heaven, é fim de semana e estou de coração cheio e cabeça tranquila, não quero pensar em coisas que me maçam.

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Grande parte das fotografias não são de hoje já que as de hoje, montes, carradas delas, resmas, paletes, são praticamente todas com as gentes que este sábado povoaram a minha casa, in heaven.

A todos desejo um feliz dia de domingo.

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6 comentários:

AV disse...

Que bom, esse dia de coração cheio, in heaven. Um Domingo feliz,

Isabel disse...

Estes relatos são sempre bons de ler! Lembram-me a minha família, há uns anos, quando os meus sobrinhos eram pequenos, e o meu pai ainda era vivo, e fazíamos reuniões de família em casa dos meus pais, com muita frequência. Hoje em dia continuamos a juntar-nos, mas faltam sempre alguns e falta o meu pai. É uma alegria, mas uma alegria diferente. A vida continua.

Também concordo com a UJM. Dá trabalho, mas caterings...são coisas impessoais.
Deus queira que continuem a fazer essas reuniões durante muitos e bons anos!

Beijinhos e bom descanso!

luisa disse...

Uma trabalheira, mas uma felicidade.
Bom domingo, UJM. :)

Um Jeito Manso disse...

Olá Ana, Lady of the Vaz'conCellos,

Sim, um dia cheio como um ovo, desde que me levantei até que me deitei, a casa verdadeiramente cheia, os campos invadidos por correrias, brincadeiras e risotas. Uma alegria plena.

E um bom Dia de Portugal!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Desde que os meus filhos nasceram, com os filhos dos meus primos, quase da mesma idade, depois os meus sobrinhos, mais novos, depois os meus filhos a terem os seus filhos, tem sido quase um contínuo de crianças a animarem as nossas casas. Claro que, por vezes, alguns se dispersam: uma prima que vai viver para longe e cujos filhos mal conheço, outra com os filhos a irem estudar para fora... mas parece que tudo se compensa com as crianças que vão nascendo.

Desde que aqui escrevo já me morreram pessoas que me eram muito próximas e muitas queridas e das quais sinto a falta. Mas nasceram crianças, outros vão crescendo, outros formando as suas famílias. E é o que diz: a vida continua. Por muitas ausências que soframos, a vida continua.

E há que louvar os dias que temos para desfrutá-la, para descobrirmos as pequenas alegrias e as pequenas maravilhas da natureza.

Um feliz Dia de Portugal, Chabeli.

Um Jeito Manso disse...

Olá Luísa,

Tem razão, uma trabalheira que começa antes de chegarem e acaba depois de se irem embora. Mas a alegria de os ter por perto e de ver como são felizes juntos compensa tudo. Além disso, tive este domingo para recarregar baterias. E o meu marido até conseguiu ver o futebol descansado (tinha-me prevenido que, com as minhas combinações, não me esquecesse que não queria nenhum programa para domingo porque queria ver a final em paz, e viu).

Abraço, Luísa, e um bom dia de Portugal.