Só para dizer que me esqueci da máquina fotográfica. Ainda pensei voltar atrás mas depois pensei que talvez não fosse grave, não haveria de aparecer nada que justificasse. E o meu marido disse: 'Esquece lá isso. Anda que já estou com fome'. Com um casaquinho leve, que a noite esteve mais fresca, uma carteira a tiracolo, ténis, o cabelo ainda molhado lá fomos jantar. Peixinho grelhado, claro. A seguir fomos dar uma voltinha. Não tínhamos comido sobremesa pois pensámos que seria melhor um doce regional ou um gelado naquela casa do centro que, em boa hora, alguém me aconselhou.
Lá chegados, optei pelo gelado e o meu marido, perante a perspectiva de comer um bolinho sozinho, desistiu. Escolhi amora. Cone sem açúcar (opção que me faz sentir sempre ridícula) e uma bola. Pensei que uma bola aqui seria igual a uma bola em Lisboa. Mas não, igual a duas bolas. Melhor, a duas bolonas. Um big gelado de amora. Ainda por cima, quando forçado a uma lambidela, ele disse que não apreciava o sabor pelo que não quis ajudar-me -- mas que, se a mim não me apetecia tanto gelado, que deitasse fora o resto. Só que eu sou incapaz de deitar comida fora. Noutra encarnação devo ter passado muita fome para ter ficado com esta incapacidade para desaproveitar comida.
Mas, então, andávamos passeando, eu a ver se conseguia chegar ao fim do big geladão, quando ouço cânticos e vejo um ajuntamento movediço.
Míope e sem máquina fotográfica, senti-me desprotegida. O meu marido disse: 'É uma procissão' e eu, furiosa, 'Caraças! E eu sem máquina'.
Lá nos aproximámos. E devo dizer que os cântigos, inocentes e límpidos, entoados em voz não muito alta, iluminando o silêncio da noite, as velas nas mãos das pessoas, tudo aquilo me pareceu tocante. Não sendo eu dada a manifestações colectivas ou a práticas católicas, a verdade é que senti a religiosidade da situação. Encostei-me a uma árvore, gelado numa mão, telemóvel na outra, e gostei de ali estar.
Quem levava o andor eram uns homens possantes, tisnados, pelo menos um até ia de calções, e todos com ar de quem vai a cumprir uma tarefa pesada e não a transportar o símbolo de toda aquela devoção, mas isso até dava uma graça suplementar ao momento.
Agora é que me ocorreu que deve ter a ver com o 13 de Maio porque quem ia no andor era a Nossa Senhora de Fátima, uma das muitas Nossas Senhoras que devem existir. É uma imagem bonita e ia rodeada de verduras e do que me pareceu serem rosinhas brancas.
Resumindo: fotografei com telemóvel e, portanto, o resultado -- que aqui partilho convosco -- não está à altura da motivo. As minhas desculpas.
E agora, enquanto escrevo, estou a ouvir o mar, está forte, intenso, ruge e bate, um som constante, multiplicado, com vento dentro das ondas, violento -- e é um som que me enche a alma.
Não sei se ainda conseguirei hoje falar da crónica do Mexia sobre o Woody Allen ou sobre o artigaço do Ricardo Costa sobre a besta imunda que dá pelo nome de Steve Bannon. E reparem que, sendo eu tão crítica do Ricardo Costa, agora faço questão de lhe tirar o chapéu pelo senhor artigo que escreveu para a edição deste sábado do Expresso.
E também tenho uma série de casais que ilustram aquela minha teoria de que os membros dos casais, ao fim de algum tempo, ficam idênticos um ao outro -- incluindo uma senhora com o cão em que a senhora tem uma cara tal e qual a do cão (parecença esta atestada pelo meu marido)
Logo vejo para que me dá a noite. Também posso ir ler ou dormir. Ou ficar às escuras, na varanda, a ouvir o mar.
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Não sei se ainda conseguirei hoje falar da crónica do Mexia sobre o Woody Allen ou sobre o artigaço do Ricardo Costa sobre a besta imunda que dá pelo nome de Steve Bannon. E reparem que, sendo eu tão crítica do Ricardo Costa, agora faço questão de lhe tirar o chapéu pelo senhor artigo que escreveu para a edição deste sábado do Expresso.
E também tenho uma série de casais que ilustram aquela minha teoria de que os membros dos casais, ao fim de algum tempo, ficam idênticos um ao outro -- incluindo uma senhora com o cão em que a senhora tem uma cara tal e qual a do cão (parecença esta atestada pelo meu marido)
Logo vejo para que me dá a noite. Também posso ir ler ou dormir. Ou ficar às escuras, na varanda, a ouvir o mar.
4 comentários:
Eu há uns quatro anos que dei cabo da minha máquina, como foi mais ou menos quando entrei na era dos smartphones, desde então tenho me governado com eles.
Gostei do seu relato e das fotos.
Um rica semana.
Olá Francisco,
eu sem uma máquina pesada, pendurada ao pescoço não sou nada. telemóvel, sim, mas só como último recurso.
E thanks again, Francisco.
Lagos. A Igreja de Santa Maria foi um forte indício."Caminho da manhã" de Sophia é um elogio maravilhado dessa cidade.O Algarve foi destruído com imenso "betão".Estamos a 300 quilómetros do "palco" dos grandes eventos.Sobra-nos o azul do mar imenso, a claridade,a montra de arquitectura tradicional que é Tavira e os sais de Castro Marim.gostava q visitasse Cacela Velha.Iria adorar as suas fotos.Boa estadia.abraço.
Olá Marieta,
Bingo.
A sugestão que aqui me deixa é aliciante mas vai ter que ser lá mais para o verão, quando conseguir tirar mais um par de dias para rumar a sul. Conheço Tavira mas não conheço os sais de Castro Marim nem Cacela Velha. Desta vez foi mesmo só para descansar um bocadinho, nem saímos de Lagos.
Muito obrigada pelas dicas. Um dia verá as fotografias.
Abraço, Marieta.
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