domingo, abril 07, 2019

JV e Paulo Batista: les beaux esprits se rencontrent

A palavra a dois millennials de excepção






Junto dois textos que aparentemente nada têm a ver um com o outro. Calhou serem os dois últimos comentários que a JV e o Paulo escreveram. São textos muito bons, escritos por dois jovens especiais que ilustram bem a qualidade excepcional da nova geração.

A JV e o Paulo são ambos cultos, engagés, despertos para as circunstâncias concretas que enformam a sociedade em que se inserem. Se, jovens como são, pensam e escrevem assim, imagine-se quando a vida depositar neles mais e mais camadas de conhecimento, de aprendizagem de que, quanto mais se sabe mais se percebe o que há para descobrir, de novas emoções, de novos deslumbramentos.

Sempre que recebo comentários ou mails deles fico contente pois trazem-me sempre uma visão nova, fresca e pujante da vida.

Transcrevo, então, palavras de ambos e, como forma de agradecer a sua generosidade por escreverem aqui o que pensam, junto algumas fotografias feitas hoje de tarde in heaven. Todas menos uma: esta aqui abaixo foi-me enviada pela própria JV e mostra a floresta onde gosta de se perder.





Palavras da JV

Há uma palmeira na avenida da liberdade da qual emana uma chilradeia que chega a mais de trinta metros. Devem ser dezenas de passarinhos aos guinchos por comidinha! Já tenho visto muito turista a parar e tentar fotografar as avezinha lá no alto. 
As árvores são lugares fantásticos, povoadas de vida. 
Há uma árvore num jardim da nossa cidade que é minha. Não por título de propriedade, mas porque quem gosta tanto de uma coisa deve considerá-la sua, sob pena de cometer uma injustiça. 
É uma propriedade que não é exclusiva, partilhada com quem lá está quando não estou eu.  
Mas não é menos minha. 
Quando estou debaixo dela ou empoleirada nela (eu ainda subo às árvores) é como se tivesse entrado num mundo que parece ser todo meu. 
Mesmo num dia de fim de semana, uma tarde de sol radioso, com o jardim cheio de gente, o recanto onde aquela árvore fica é um espacinho isolado com uma vista desafogada lá do alto onde não se avista vivalma. 
Fora desse recanto, pessoas a tropeçar umas nas outras, velhos, crianças, namorados, solitários, amigos, um sem fim de gente. 
Tenho fotos de uma tarde dessas em que parece que estou imersa numa floresta sem ninguém.

===============================================

Palavras do Paulo Batista

... eu acho que parte dessa desagregação do sistema político e da sua dificuldade em construir respostas eficazes não deve tanto à inadequação de um conjunto de "velhos" que comanda um sistema (político e económico) anacrónico e inadequado para a malta nova, mas talvez deva mais à incapacidade da malta nova, saltar efetivamente da sua rede social, colocar-se no lugar do outro (diferente de si) e procurar construir respostas colectivas, integradoras, da crescente diversidade de grupos, de indivíduos e de condições de vida que co-habitam os seus territórios. 
Não quero com isto parecer um millennial "velho do restelo" (embora tenha fama disso). Eu acho que esta (a minha) geração tem as condições e as ferramentas para construir uma sociedade melhor. No entanto, talvez inebriados pela intensidade que os novos e velhos meios de comunicação colocam na ligação e integração do indivíduo numa dada rede social, tem aumentado a criação de "bolhas" de (ir)realidade. 
Os algoritmos de recomendação e dos serviços de "redes sociais" na internet são só a face mais vísivel disso mesmo - mecanismos simples mas poderosíssimos na criação desse efeito "bolha social".
Apesar da atitude aberta e liberalizante dos "millennials" perante a vida (maior abertura às redes "fracas"), paradoxalmente, o efeito material e imaterial é uma fragmentação desses mesmos grupos sociais (as redes fortes têm uma dimensão cada vez mais reduzida). Desta forma, o arquipélago de grupos sociais torna-se de tal forma complexo e "ingovernável" que resulta num crescente imobilismo coletivo. 
A fragmentação do sistema político e dos partidos tradicionais, num cada vez maior número de grupúsculos, parece-me resultar deste fenómeno de fragmentação dos "millennials" - e o Brexit, por exemplo, é mais um sintoma dos "defeitos" da geração emergente do que como uma consequência do anacronismo e "antanho" das gerações passadas.

------------------------------

E como é bem verdade que les beaux esprits se rencontrent, termino com uma bela coreografia de Jiří Kylián sobre música de Mozart e com Sylvie Guillem num momento de 'petite mort' com Massimo Murru. Um prazer.


Para ambos, os mais sinceros votos de felicidade nas suas vidas e de que saibam encontrar a formar de fazer deste mundo um melhor lugar para se viver.

12 comentários:

Anónimo disse...

UJM, não sabe que coro se diz coisas dessas?
Teria também algumas coisas a dizer sobre os millennials e até sobre a verdadeira malta "nova", cujos primeiros espécimes começam agora a trabalhar - os centennials. Mas ando com a cabecinha sem cabeça para textos sobre assuntos sérios; fico-me pelas árvores e os passarinhos, tema mais leve e sempre agradável. :) Mas gostei de ler as palavras do Paulo Baptista.
Um bom domingo, UJM.
JV

Isabel disse...

Tinha reparado em ambos os comentários, que também achei bem interessantes!

Beijinhos e continuação de bom fim-de-semana:))

Um Jeito Manso disse...

Olá Joana,

Conheço diferentes facetas suas e todas são vibrantes e, quando transpostas em palavras, muito interessantes de ler. Seja sobre política, actualidade, literatura ou passarinhos é sempre uma visão muito própria e boa de conhecer.

O Paulo também é assim. Por algum motivo, apeteceu-me pô-los perto um do outro.

Abraço, JV, e mantenha sempre viva essa chama que habita dentro de si.

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

A JV e o Paulo são jovens, trabalhadores, cultos, talentosos e atentos ao seu tempo. Gosto imenso deles e é para mim um privilégio poder conhecer as suas ideias e a sua sensibilidade.

Agora vou ali ao outro lado responder ao seu comentário das pinturas.

Beijinho, Isabel.

Paulo Batista disse...

Bem, "se era para "isto"".. eu deveria ter escrito com um bocadinho de mais cuidado - estão para ali umas gralhas e umas construções frásicas que deixam muito a desejar.
Além do mais, colocou-as [às palavras, que digitei], muito honradamente, junto do magnífico poema em prosa da JV. Da parte que me toca, o texto da JV cai-me que nem uma luva - ou não fosse um millenial que teve o privilégio de ter crescido socialmente num caldo mais de geração X (a la portuguesa) do que y (portanto: rural, com uma relação vísceral com a natureza).


JV, essa malta nova já não é "da nossa colheita". Esses são a geração Z - dizem os entendidos do marketing ou lá o que é. Vejamos... esta coisa das "gerações" também é mais estereótipo que outra coisa.
Gostei mesmo muito do texto da JV - não só o contéudo, mas a "forma"! Confesso que raramente venho ver os comentários (aliás, só descobri recentemente que o "um jeito manso" tinha comentários - eu uso o "feedley", só descarrega os posts...), já vi que perdi belos textos!

Em jeito de continuação da discussão sobre millenials e tecnologia, deixo uma nota adicional à UJM: aquilo que referi não é tanto uma crítica, mas uma constatação dos perigos tecnológicos que a "minha" geração e as seguintes enfrentam, para as quais é importantíssimo o papel das gerações anteriores (são elas que estiveram e estão a "configurar" a tecnologia). E para lá da "configuração" técnica (e legal, etc) há uma "configuração" importantíssima que me parece que se esqueceram: a literacia sobre os novos (e velhos) meios de comunicação. Essa é a grande vulnerabilidade da geração y e z, que desemboca nos comportamentos, censuráveis, que tantas vezes ouvimos.

E como o ensino da "mediação" proporcionada pelas tecnologias digitais pode ser um tema tão vibrante e interessante!
Este talvez tenha sido o meu primeiro despertar para a questão:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLBC154DBDEE81E508
https://www.researchgate.net/profile/Ana_Carina_Figueiredo/publication/249963383_Integrating_Interactive_Multimedia_in_Theatrical_Music_the_case_of_Bach2Cage/links/00b4951e72fa93560a000000/Integrating-Interactive-Multimedia-in-Theatrical-Music-the-case-of-Bach2Cage.pdf

Um Jeito Manso disse...

É o que eu digo, Paulo, aprendo sempre consigo. Agora vou ter que ir explorar esse seus links.

Gracias em meu nome e em nome de quem mais gosta de vir aqui espreitar os comentários.

E uma boa semana, Paulo.

Anónimo disse...

Obrigada. Hoje, dia em que vim trabalhar com algum desanimo, coisas minhas, o seu blog foi como um bálsamos para a minha alma.

Anónimo disse...

Paulo, não sei se a "coisa" das gerações é estereótipo, se é uma perfeita divisão cronológica da classe média. Os meus colegas de faculdade são millennials. Com todas as suas particularidades e gostos específicos - aquilo que faz um millennial verdadeiro, um espécime único de um género uniforme. Conheço um rapaz nascido entre os da geração z que toca música na rua e passa fome. Qual a sua geração? Poderá ser-se de certa geração sem ser de certa classe social? Será problema exclusivamente económico? Ou é uma questão de cultura? Pode saltar-se de geração como quem fica para trás na travessia capitalista do progresso? Haverá uma geração dos que ficaram para trás? E de que geração serei eu? Sou da geração iPad. Sou da geração em que se passavam a limpo trabalhos para a escola com máquina elétrica. Sou da geração em que as fotografias inseridas nesses trabalhos eram coladas à mão, ao fim de uma semana à espera delas na loja Kodak. Sou da geração que tomava banho nua num tanque de 6m2, no meio de libelinhas, abelhas e girinos. Sou da geração de ouvia os relatos do futebol na rádio. Sou da geração que via as estatísticas semanais do consumo de canais de TV e pensava que nunca a TV cabo iria ultrapassar os generalistas. Sou da geração em que as pessoas não tinham dinheiro para comprar um sofá e sentavam-se na sala em cima de uma pele de carneiro. Sou da geração que aprendeu a mexer no Windows XP antes do Windows 98. Sou da geração que começou a trabalhar mal acabou a faculdade. De que geração serei? Não fiquei para trás; saltei em frente sem ter acompanhado o ritmo da andança da minha geração. Poderia dizer-se que toda a gente vive aos solavancos, mas apercebo-me à minha volta que não. Vejo muitas linhas retas, que não deixam de o ser quando nelas é dado um passo atrás.
Abraço,
JV

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a

Essa de ir trabalhar com pouco ânimo acontece. É bom que não aconteça muito pois é melhor quando a gente acha graça ao que faz mas, enfim, acontece. É respirar fundo, pensar que um dia a coisa muda, que um dia vai ser bom porque vão aparecer coisas boas para fazer.

Fico contente que o blog lhe tenha levado alguma alegria.

Have a smile. A sério. Sorria. Faça de conta que eu estou a ver e quero ver um sorriso.

Abraço!

Um Jeito Manso disse...

JV,

A conversa não era comigo mas, metediça como sou, tenho que opinar: mais um grande texto. Uma maravilha ler o que escreveu.

Abraço!

Paulo Batista disse...

Olá JV,

É a (incapacidade de) resposta a essas questões que me levam a desconfiar destas categorizações simplistas. O conceito de geração x, y, z vejo-o, sem grande cuidado formal, empregue essencialmente como o material das prateleiras da linha de produção, em massa, de consumidores uniformizados (dessa coisa também muito suspeita: a classe média). A padronização sempre foi essencial à maquinaria taylorista e fordista. Como não gosto de nos ver em gavetas, desconfio destes conceitos. Mas, por outro lado, reconheço que é necessário definir limites precisos. Claro que um trabalho sério implicaria mais cuidado no formal.
Para simplificar, separemos a "nossa" geração e a deles (os y e os z) com base num único critério: a prevalência de uma socialização mediada ou não por meios digitais.
Tal como a JV também eu cresci nesse mundo, ainda razoavelmente analógico. E tive o privilégio de assistir e acompanhar a mudança, no exato momento em que também eu estava a mudar (e a crescer) - e, portanto, muito mais aberto a experimentar (e a questionar) tudo... ainda que com uma enorme e natural inocência.
E a inocência era tão grande que foi uma.edição, uns anos antes, desse exercício performativo (do qual deixei o link acima) que me fez escolher o lugar para onde fui estudar - foi mais o feeling de que era um assunto importante no contexto que vivia, do que efetivamente ter logo apreendido o que lhe estava subjacente (isso ando hoje a tentar).
No meu primeiro ano da faculdade ainda não tinha internet na casa onde arrendei um quarto. Quase todos os dias ia com os meus colegas à sala de chat: o cafezito na esquina do quarteirão. Passados 2/3 anos, com internet em casa, essa rotina terminou quase abruptamente e passamos a falar, cada vez mais, na sala de chat virtual.
Pouco tempo depois, iniciei o meu primeiro blog: o paraíso na outra esquina (título que adoro, "roubado" de livro e autor que já gostei mais... mas que na altura foi importante) e deparo-me com toda uma nova e radical realidade realidade comunicacional.
Entretanto surgem as redes sociais fechadas e - coincidência? - um dos promotores do rss e dos formatos abertos (a base da arquitetura dos blogs), um millenial chamado Aaron Swartz começa a ser perseguido (culmina com o seu suicídio em 2013).
Todas estas experiências e dores de crescimento, aguçaram a minha atenção para um elemento que me parece fulcral: o jovem da geração z já não teve o privilégio da experiência que acima relatei (e, mesmo que a procure, esbarrara sempre numa sociedade já transformada pela nova tecnologia de mediação).
Ora, privados dessa experiência fundacional, e, dessa forma, serem agentes fulcrais na especificação tecnológica (na forma como ela é apropriada, regulada e integrada coletivamente) é imperativo oferecer um espaço formal e estruturado, de conhecimento, de consciencialização. Que leve à acção, à (re)apropriação e à redefinição da configuração destas infraestruturas de mediação. Sem esse trabalho coletivo - e a escola parece-me a melhor "infraestrutura" para isso - não podemos esperar que aqueles que foram imersos neste mundo mediado pela tecnologia digital as responsabilidades quase únicas que tantas vezes ouvimos exigirem-lhes, quando até num tom acusatório.

Sim, existe uma responsabilidade individual. Mas não podemos descurar os efeitos do meio. E o meio parece-me que está cada vez mais configurado para fragmentar as redes fortes (assentes na comunicação presencial e analógica), a favor desse arquipélago de redes fracas, paradoxalmente mais fáceis de manipular ainda que menos fáceis de controlar (centralmente).

Abraço e boa semana.



Anónimo disse...

Concordo com tudo, Paulo. É mesmo isso que falta à geração z (para o bem ou para o mal, veremos). E é também esse o problema da geração x. Talvez sejam os pequenos z's a nos salvarem, já totalmente adaptados e crescidos num novo mundo que dominarão melhor que nós.
UJM, eu se é para ser elogiada nunca me importo ;)
Abraço
JV